Por Sally Satler.
Quando estive no Chile em 2012, fiquei encantada quando avistei a Cordilheira dos Andes circundando a cidade de Santiago. É difícil descrever a emoção que senti ao subir o Valle Nevado.
Mas o que despertou o interesse em conhecer um pouco da história do Chile, foi quando chegamos à casa de Pablo Neruda, aquela que o poeta viveu o que considerou os melhores anos de sua vida. Fica em Isla Negra, uma pequena vila de pescadores do litoral chileno, a duas horas de Santiago. O nome do lugar foi ele quem deu, por causa das rochas negras que margeiam o mar e por proporcionar um certo isolamento. Ali viveu com Matilde, a amada que assumiu após divorciar-se da primeira esposa.
O local exala a paixão e personalidade de Neruda. Das três casas do escritor, essa seria a que mais representa as suas idéias poéticas, e talvez por isso foi escolhida como inspiração para o filme “O carteiro e o Poeta”.
Ao adentrar na casa, somos transportados a vários mundos através de suas coleções e souvenirs trazidos de toda a parte, como quem deseja guardar consigo fragmentos de memórias felizes das viagens que fez nos períodos de exílio e quando foi cônsul no governo Salvador Allende. Entre barquinhos, conchas, areia, cachimbos, estátuas e tantos outros objetos, a arquitetura da casa chama muito a atenção: foi construída de maneira que todos os cômodos tivessem vista para o mar – a forma comprida e desalinhada da casa acompanha o sinuoso desenho da orla da praia. A casa é um testemunho da cumplicidade de Neruda com o mar, a mesa na qual escreveu muitas de suas poesias e outros escritos veio do mar, tal qual um presente que sela um pacto entre os dois. Numa manhã, após uma noite de tempestade, Neruda avistou a madeira de embarcação flutuando perto dos rochedos. Matilde e ele correram para resgatá-la, para transformá-la em mesa.
Passando por lá, deu pra conhecer mais desse poeta, sua força, ternura e a imaginação que nos encantou e ainda encanta, de seus versos não só apaixonados, mas também engajados. A sua luta e o apoio ao presidente Salvador Allende, a sua poesia, serviram também para mostrar ao mundo o sofrimento do povo chileno com o golpe militar liderado por Pinochet, ocorrido em 11 de setembro de 1973. Pablo Neruda faleceu doze dias após o golpe, em Santiago, e a causa oficial foi uma septicemia causada pelo câncer na próstata. Porém, o Tribunal de Apelação de Santiago fez uma exumação do corpo em abril deste ano (2013), a fim de investigar se o poeta foi morto em decorrência do câncer ou se foi assassinado com uma injeção letal. As análises toxicológicas ainda não foram concluídas.
Logo após a sua morte, as casas dele em Valparaíso e Santiago foram saqueadas e destruídas pelo regime militar. Mesmo em meio aos escombros, Matilde fez o velório do poeta em Valparaíso, a fim de mostrar ao mundo o que estava acontecendo em seu país. Neruda foi sepultado num túmulo anônimo no cemitério central de Santiago e teve sua obra censurada pela ditadura. Apenas dezenove anos depois, com a democracia já restaurada, é que o poeta teve atendido o desejo de ser enterrado em Isla Negra. O túmulo fica nos jardins da antiga casa, diante do Pacífico, e tem a forma de uma proa de navio.
Era muito frio quando visitamos Isla Negra. Mesmo assim fiz questão de chegar até a frente da casa, para ver de perto o mar de Neruda, com as ondas quebrando sobre as rochas negras e os sinos da casa tocando. Foi assim que senti sua poesia em mim.
Se cada dia cai, dentro de cada noite,
há um poço
onde a claridade está presa.
há que sentar-se na beira
do poço da sombra
e pescar luz caída
com paciência.
(Últimos Poemas)