Por Elissandro Santana, para Desacato.info.
Tempos de turbulência, de crises políticas, de saturação econômica e de desarranjos sanitários exigem novas reflexões, redirecionamentos, revisão de conceitos e de atitudes. Esse exercício não é fácil, mas necessário e, caso isso não aconteça, permaneceremos nesse círculo histórico de equívocos.
No momento, e de forma contínua, precisamos romper com os castelos de mentira, com as falácias que se escondem por trás dos discursos, descortinar a sede e a ganância dos poderosos, descosturar o modus operandi da mídia tradicional compreendendo a serviço de quem ela está (e sempre esteve), captar a arquitetura jurídica nacional e como tudo se construiu para benefício das elites ou daqueles que se alinham a elas. Para que isso ocorra, necessitamos de formação discursiva, pois somente diante da capacidade de analisar discursos, criticamente, entendendo o os gêneros discursivos elaborados a partir do ódio, das fake news, das pós-verdades e das deepfakes perceberemos as sujeiras que empoeiram os tapetes do Palácio que foi construído a partir de jogos perigosos e tacanhos.
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É hora de despertar politicamente, de se divorciar com o egoísmo e pensar em coletividade, pois nossas decisões políticas são importantes para as mudanças das quais necessitamos. O despertar passa, obrigatoriamente, por um esforço hercúleo por entender o sistema e quais as estruturas que o mantém, essa Matrix de insanidades. Como ele/ela se alimenta, retroalimenta e interfere em nossa existência. Urge que você, que eu, que nós compreendamos, de uma vez por todas, que outro país precisa ser levantado, que nós mesmos devemos nos reinventar, que a nossa permanência no Planeta depende de uma guinada sustentável e ética livre das amarras do colonialismo. Isso só se dará se destruirmos o homo economicus que reside em nós e isso demanda a morte do fundamentalismo (Em todos os sentidos. No campo religioso, científico…) e de nosso eterno desejo de poder, de conquista. A vida exige outra logicidade, uma que seja biossistêmica e que orbite as éticas da diferença, da pluralidade. De hoje em diante a nossa vida deve girar a partir do combate ferrenho a tudo aquilo que se opor à existência digna, justa, sã.
Com o esfacelamento de nossos fundamentalismos e egoísmos, ultrapassaremos um pensar a partir de noções políticas de esquerda e de direita, pois o país pede mais do que essa dicotomia. Caso isso ocorra, isto é, a ruptura dicotômica da divisão, uniremos esforços em busca do que importa e o importante é justamente a vida, por isso, mais do que nunca, devemos matar os fascismos e microfascismos que teimam em povoar nossos pensamentos e ações. Se esta ética nascer, sufocaremos a desesperança e caminharemos rumo à justiça, não somente para nós, humanos, mas para todos os seres que habitam esta Terra, este presente do Cosmos. Para seguir em frente, a sociedade deve ser capaz de aceitar que a mudança faz parte da dinamicidade da vida, pois sem essa noção e aceitação, estaremos fadados à aniquilação como espécie, como sociedade, já que a humanidade da qual necessitamos se alimenta disso, da diversidade. O diverso é a proteína que fortalece a nossa existência.
Em suma, caros/as irmãos/as, a pandemia pelo coronavírus deve ser compreendida para além de uma questão sanitária. Ela é fruto de desequilíbrios ambientais e da destruição de nossa humanidade que se originam de políticas de morte em todo o Globo. De Norte a Sul, de Leste a Oeste, a dinâmica geopolítica é dominada pela ótica do crescimento econômico e, muitas vezes, isso se dá com destruição da natureza.
A nossa história foi toda construída sob a égide da destruição, do estupro do sagrado (e aqui não tomem em uma perspectiva religiosa, pois o divino é maior do que isso!) Planeta, sem que nos déssemos conta de que fazíamos e fazemos parte dele e que se o destruímos, nos autodestruímos. Essa narrativa, por sinal, coloca em cheque o discurso de que somos seres racionais. Aliás, a nossa racionalidade está sendo testada há algum tempo e a prova cabal disso é que nosso comportamento como nação, como povo e como gente beira o limite do deplorável, do monstruoso e do insano em meio ao quadro pandêmico no qual estamos. Parte da sociedade atordoada, e prefiro acreditar assim a pensar que é maldade, passou a defender o que é indefensável, a desconstruir o que tem evidência científica para dar sustentação às loucuras de quem apoia e não ter que reconhecer o erro de eleger um insano e contribuído para que ele chegasse ao poder.
O bom de tudo, se é que é possível retirar algo positivo diante do que estamos vivendo, é que ainda há tempo para revisar as ações diante da vida e do país e isso só depende de você, de todos nós, por isso, suplico, encarecidamente, que busquemos dentro de nós o desejo pela vida para que, assim, possamos retomar nossa humanidade e capacidade para decidir pelo que é justo e necessário para todos e não somente para os nossos desejos umbilicais.
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Como sempre, um texto enfático e brilhante! Que esta pandemia sirva mesmo para um restart universal onde o homem abandone suas teorias umbilicais e passe a pensar na coletividade, abandonando, assim, também, o pensamento colonizante da matriz capitalista e nada sustentável da qual emerge todo o caos atual. É preciso pensar no bem estar de cada ser, incluindo-se, incluindo-o dentro do ecossistema maior que é o planeta Terra. Espero que possamos despertar para uma nova consciência coletiva mais evoluída e humanizada.