Por Ingrid Matuoka.
Em protesto contra a reforma do Ensino Médio e a PEC 241, apresentadas pelo governo de Michel Temer em outubro, secundaristas já ocupam 602 escolas nos estados do Paraná, São Paulo, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte, Alagoas e Minas Gerais.
Os estudantes também manifestam-se em universidades de Pernambuco, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Entre os alunos do Ensino Médio, o maior foco de insatisfação está no Paraná, onde 550 unidades já estão ocupadas, segundo levantamento realizado pela União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES).
Nova força na disputa política brasileira, os secundaristas têm dado demonstrações de que não vão desistir de suas demandas. Dessa vez, o que faz com eles posicionem-se contra as propostas do governo de Michel Temer?
Júlia Fernandes* tem 16 anos e faz parte do movimento de ocupação da escola estadual Arnaldo Jansen, em Ponta Grossa (PR), a primeira a ser ocupada. Ela se opõe às medidas porque, na sua avaliação, os alunos mais pobres serão afetados negativamente por elas.
“A reforma do Ensino Médio prevê aula em tempo integral, e isso é irreal, porque muitos dos alunos de escola pública, principalmente, trabalham por necessidade, para ajudar a família ter o que comer”, afirma. “E mesmo assim muitos deles já deixam a escola. Se for aula integral, ele vai optar por trabalhar ao invés de estudar”.
Esse foi o caso de Taz Assunção, que aos 14 anos teve de deixar o 6º ano do Ensino Fundamental para trabalhar. Ele já foi metalúrgico, pintor e vendedor. Hoje, aos 32 anos, teve a oportunidade de voltar a estudar, e luta para que outros jovens não precisem deixar a escola como ele.
“A redução de gastos com educação e saúde vai atingir a população mais carente. Eu já fiquei atrasado, sei como é, e tenho lutado para recuperar a minha vida escolar. E vai ser assim com muita gente”, afirma Assunção, que atua em uma ocupação de São José do Rio Preto (SP).
Marcelo Rocha, 19 anos, está no 3º ano do Ensino Médio. Morador de uma comunidade em Mauá (SP), ele também vê, por experiência própria, motivos pelos quais essas reformas vão prejudicar a população carente. “Estou em prazo de conclusão, mas o prejuízo é sempre para o povo preto, da periferia, que tem de trabalhar para sustentar a casa”, diz. “Eu estava na 8ª série quando comecei um estágio para ajudar na renda, porque dava para fazer os dois, mas com tempo integral não daria”.
Para Rocha, o governo só propôs essa reforma por desconhecer a realidade dos alunos de escola pública. “Temer analisa do ponto de vista próprio, achando que as coisas são como ele viveu. Mas o povo não vive da mesma forma, e o governo nunca ouviu a gente, não conhece as necessidades reais da escola pública”, diz.
A paranaense Luiza Pires*, de 15 anos, aponta outro problema: “O colégio não tem infraestrutura para isso. As salas já estão lotadas, agora com 40 a 45 alunos. Em tempo integral, isso significaria uma sala com 80 ou 90 alunos. É impossível”.
Júlia Fernandes também chama atenção para a contradição que há entre a reforma do Ensino Médio e a PEC 241: “Como vão melhorar a estrutura e implantar essas medidas ao mesmo tempo em que congelam os gastos por 20 anos? Não tem lógica. Me parece mais uma tentativa de tirar as matérias e afastar o pensamento crítico, para os jovens não terem voz, não saberem nem pelo que têm de lutar, como estamos fazendo agora”.
A PEC 241 pretende congelar as despesas do governo federal por até 20 anos, o que representaria uma das maiores mudanças fiscais em décadas. O mecanismo é criticado pela oposição e por especialistas, uma vez que poderia sinalizar um freio nos investimentos previstos pela Constituição em áreas prioritárias socialmente, como a educação e a saúde.
Além de se oporem às propostas de Temer, os estudantes pedem reformas na infraestrutura e a inclusão da tecnologia no currículo escolar. “Estamos vivendo numa era tecnológica. Como pode não termos contato com isso em sala de aula?”, questiona Fernandes.
Assim como ela, Hugo Oliveira, 17 anos, também têm seus questionamentos: “Existem tantas formas de cortar gastos, por que escolheram cortar na educação e na saúde?”, diz o secundarista de Barueri (SP). Para ele, o ato de ocupar uma escola não deve ser banalizado: “A ocupação é difícil, não é uma baderna como muita gente acha. Tivemos diversos problemas, não só com a polícia tentando invadir a escola, como a comunidade do bairro que, por nossa ocupação ter muitos LGBTs, nos fizeram ameaças”.
“Eram só estudantes dentro do colégio contra a PM, em um espaço que deveria ser do estudante, ocupando um colégio que já é nosso”, diz Fernandes sobre a atuação da Polícia Militar nas ocupações nas escolas.
A estudante faz questão de ressaltar que as ações não têm caráter político, mas são movidas por uma indignação dos estudantes: “Não estamos sendo manipulados por ninguém, a gente sabe muito bem o que está fazendo aqui”.
Ocupação
Ocupar é difícil, não é uma baderna como muita gente acha’ (Foto: Arquivo pessoal)
Taz Assunção acredita que o significado da manifestação é bem claro. “O jovem passa a ver o aparelho público como seu e entende que é parte da comunidade. Mas muitas pessoas julgam a gente e a polícia nos coloca como bandidos porque não entendem a gravidade dessas propostas. A mídia diz que as propostas são coisas boas e eles [a sociedade] aceitam”.
Marcelo Rocha ainda acrescenta que esse tratamento criminoso dado às ocupações é legitimado “por essa onda de achar que política não é importante”, referindo-se ao discurso antipolítico propagado, principalmente, nas últimas eleições municipais.
Para muitos estudantes, porém, ocupar os espaços de saber também faz parte do processo de aprendizado. “Para mim, é uma experiência de cidadania”, afirma Luiza Pires. “Eu estou no segundo ano do Ensino Médio e não vou sofrer as consequências dessas mudanças, mas penso nos meus primos, nas outras pessoas que vão vir depois de mim. Eles vão perder todas as oportunidades que eu tive”.
*Os nomes foram alterados a pedido das entrevistadas.
Fonte: Carta Capital