Por Bruno Zambelli.
Meu coração sente-se muito triste
Enquanto o cinzento das ruas arrepiadas
dialoga um lamento com o vento… ”
Mario de Andrade
A necessária quarentena a que estamos submetidos em nome da saúde, e pelo bem de todos, não tem apenas implicações econômicas, como dizem os donos da grana por aí. É fato que o bolso não escapará ileso da temporada de clausura, no entanto as implicações psicológicas do troço parecem tão perigosas quanto o esvaziar da carteira no fundo desse mesmo bolso.
Manter a cabeça no lugar e o coração ritmado parece quase impossível diante do caos. Receitas por aí existem aos montes, e a maioria delas carrega no ventre um tanto de arte pra tocar o bonde nesses tempos estranhos. Lives de artistas, podcasts, sites de streaming, discografias completas; aqueles que podem se dar ao luxo de fazer do isolamento um período de reinvenção e de novo entendimento de um mundo em transformação usam e abusam da arte para aguentar o tranco.
Filmes, livros, música e espetáculos estão inundando a internet, alguns via pagamento antecipado, é bem verdade, mas outros estão à disposição e ao alcance de todos. Como aqui o papo é sempre teatro, mesmo que nem sempre pareça, compreender e pensar a arte do palco nessa linguagem, não tão nova a ele, é obrigação levada a ferro, fogo e luminosidade.
Diversos grupos, como por exemplo Os Satyros e o Teatro Oficina, dois gigantes, estão disponibilizando parte de seus acervos em sites como o Vimeo e o YouTube para que o público tenha acesso.
Em outro artigo, escrevi aqui sobre uma plataforma de streaming dedicada exclusivamente ao teatro anunciando que “o futuro é logo ali”. Pois bem, mais de um ano se passou desde aquela publicação e a impossibilidade do encontro, ferramenta fundamental para as artes do palco, fez com que o futuro se tornasse presente na base da necessidade.
Hoje, a realidade exige que grupos teatrais que tenham peças gravadas em seus arquivos disponibilizem essas preciosidades em nome da sobrevivência, que nesse caso não deve ser compreendida apenas como sobrevivência econômica mas como uma forma de tornar, novamente, o teatro uma ferramenta de transformação do mundo em que vivemos.
Explico-me: diversos grupos, como por exemplo Os Satyros e o Teatro Oficina, dois gigantes, estão disponibilizando parte de seus acervos em sites como o Vimeo e o YouTube para que o público tenha acesso. A iniciativa, que como disse não nasceu com a quarentena, é uma forma de manter os diálogos e inquietações ativos em tempo de distanciamento, mas serve também para que grupos, e o próprio teatro, possam encontrar um público que por diversos motivos não tem a possibilidade, ou o hábito, de frequentar as salas e os espaços de espetáculos Brasil afora. Afinal, convenhamos, espetáculos teatrais, e de outras artes do palco, estão longe de ser um fenômeno popular em nossa terra, infelizmente.
Dito isso, é preciso clamar aos artistas e ao público que prestigiem essa brava gente do teatro, reclusa sim, mas sempre ativa e combatente diante das impossibilidades que a realidade nos impõe. Busquem sites, compartilhem peças, prestigiem artistas que estão momentaneamente privados do exercício real de seu ofício. Se lá fora só o vento apita, aqui dentro podemos criar uma nova onda de aplausos enquanto esperamos que o amanhã não seja tão cinza e solitário como tem sido agora.