O que aconteceria se todos os cidadãos de um país passassem a receber uma renda com a qual pudessem bancar suas necessidades básicas? Eles parariam de trabalhar? Se dedicariam àquilo que amam? Viajariam mais? Seriam felizes e realizados? Estudariam? Ou simplesmente ficariam na frente da TV o dia inteiro? Dois programas com início previsto para 2017, aplicados pontualmente nos Estados Unidos e na Finlândia, pretendem testar em milhares de pessoas a concessão de uma renda básica universal. Eles ajudarão a entender o que aconteceria se a medida fosse adotada como política pública em larga escala em um país.
É chamada de renda básica universal qualquer programa social que assegure uma renda mensal a todos os indivíduos de uma cidade, Estado ou país. Ao contrário de programas como o brasileiro Bolsa Família, os programas de renda básica universal não costumam ser condicionados à pobreza do beneficiado nem a contrapartidas, como frequentar a escola. Todos recebem, mesmo aqueles que trabalham ou são extremamente ricos.
Há outros experimentos com renda básica universal pelo mundo. Mas como são relativamente recentes, ainda faltam evidências sobre como as pessoas se comportam quando não precisam trabalhar para atender a suas necessidades básicas.
Os dois projetos
Y COMBINATOR
No início de 2016, a aceleradora americana de startups Y Combinator anunciou que estava se organizando para realizar, em 2017, uma pesquisa de cinco anos. A ideia é financiar uma renda básica de US$ 1.000 a US$ 2.000 por mês para uma amostragem aleatória de 100 famílias nos EUA e registrar os resultados.
“A renda será dada incondicionalmente (…) As pessoas poderão se voluntariar, trabalhar, não trabalhar, mudar de país – qualquer coisa. Nós esperamos que a renda básica promova liberdade, e queremos ver como as pessoas experienciarão essa liberdade”, escreveu Sam Altman, o presidente da Y Combinator, em um post de blog no qual descreve a experiência.
GOVERNO FINLANDÊS
O governo finlandês planeja selecionar aleatoriamente entre 2.000 e 3.000 pessoas desempregadas, de executivos a trabalhadores braçais, que receberão cerca de US$ 600 mensalmente entre 2017 e 2018. Trata-se de uma política de renda básica porque eles continuarão recebendo cheques do governo, mesmo se obtiverem empregos.
Por que a renda básica universal é uma questão atual
A discussão sobre a concessão de uma renda básica universal tem ganhado força com base na ideia de que a automatização de postos de trabalho fará com que cada vez mais gente fique sem emprego em tempo integral, mesmo com uma quantidade crescente de riqueza sendo gerada.
Isso faria com que grandes investidores e empresários de tecnologia concentrassem renda excessivamente. E, se a maioria da população não tem emprego e renda, a economia deixa de girar. A inovação tecnológica, portanto, estaciona nas prateleiras. No longo prazo, poderia haver um colapso econômico.
A renda mínima é pensada para uma era em que a demanda por trabalho será constantemente baixa. Ela serviria para manter dinheiro o suficiente nas mãos da população para que o consumo não cessasse e a economia não freasse.
Essa questão econômica atual se soma a argumentos antigos a favor da renda básica: ela permitiria que os trabalhadores se desligassem de empregos com más condições, cuidassem melhor de seus filhos e encontrassem mais tempo para se dedicar ao que amam – arte, trabalho voluntário etc. Apesar de ter o efeito de reduzir a pobreza, o enfoque não seria apenas nos pobres, mas em toda a população, daí o nome “renda básica universal”.
No Brasil, o defensor mais conhecido dessa ideia é ex-senador e vereador eleito da cidade de São Paulo Eduardo Suplicy. Ele propõe um programa nacional que se chamaria Renda Básica de Cidadania. Todo brasileiro, de qualquer nível de renda, além de estrangeiros residentes há mais de cinco anos, receberia para suprir gastos com alimentação, saúde e moradia. Nesse caso, o programa não é pensado com base no diagnóstico de que haverá falta de demanda por trabalho e excesso de riquezas geradas por tecnologia. A ideia central é de que transferências financeiras realizadas pelo Estado serviriam para garantir um padrão mínimo de vida para toda a população, diminuir a pobreza e gerar uma distribuição mais igualitária de renda.
O Projeto de Lei 10.835/2004, de Suplicy, foi aprovado por unanimidade no Senado e sancionado pelo então presidente Luis Inácio Lula da Silva em janeiro de 2004. A lei prevê que o programa começasse aos poucos, com os grupos sociais mais carentes – ele seria uma evolução natural do Bolsa Família. Não há, no entanto, data para que seja colocado em prática.
Em artigo publicado em junho de 2016, Suplicy afirma que a maior vantagem seria “do ponto de vista da dignidade e da liberdade do ser humano”, já que as pessoas não teriam que trabalhar em empregos precários sob o medo de não conseguir se manter. “Se as pessoas tivessem essa renda, seriam capazes de escolher não trabalhar nas vagas que pagam pior (…) Ninguém teria que ser um workaholic apenas por causa do medo de não ter nada se parassem”, afirmou Natalie Foster, em entrevista concedida em junho de 2016 à “MIT Technology Review”. Ela é bolsista do Institute for the Future e da New America California, entidades sem fins lucrativos que promovem pesquisas sobre políticas públicas.
Um futuro (não tão) distante
Entre as críticas a uma política de renda mínima obrigatória está o argumento de que isso levaria as pessoas a pararem de trabalhar, sem considerar que o trabalho também tem efeitos benéficos sobre elas – as insere em uma rotina, faz com que desenvolvam potencialidades e, para muitos, é uma fonte importante de contato social.
Além disso, há também o problema do financiamento. Uma renda básica universal custaria centenas de bilhões. É por isso que a tecnologia é vista como chave para a implementação da medida: ela não só acabaria com empregos, como geraria a riqueza que viabilizaria manter as pessoas sem trabalhar. Mas, em entrevista à “MIT Technology Review”, Erik Brynjolfsson, professor de economia digital na prestigiosa universidade Massachusetts Institute of Technology, avalia que o mundo ainda está longe dessa situação. Coautor do bestseller “A segunda era da máquina” (em uma tradução livre do inglês) que fala sobre o impacto da automação sobre a sociedade, Brynjolfsson acredita que é possível que se chegue a esse ponto de geração de riqueza, mas isso apenas após cerca de 30 a 50 anos.
Fonte: Nexo.