O Partido Pirata – de atuação na Europa toda – está supreendendo nas pesquisas de intenção de voto para as próximas eleições nacionais, que devem se realizar em 2013, na Alemanha. Nas últimas pesquisas para o Parlamento Federal, o PP aparece em 3º. lugar, deixando atrás de si o Partido Verde, que tradicionalmente ocupa essa posição.
O Spree é um rio que nasce no leste alemão, perto da fronteira com a República Tcheca. Depois de um caminho sinuoso, atravessa a capital, Berlim, através de vários canais, e mais adiante vai desaguar no rio Havel, por sua vez um afluente do Elba. Este nasce na República Tcheca, atravessa boa parte da Alemanha e se lança no Mar do Norte, depois de atravessar o porto de Hamburgo.
Ao atravessar Berlim, um dos canais do Spree costeia os fundos do legendário Reichstag, sede do Bundestag, o Parlamento Federal Alemão. Neste ponto, o Spree se confundia com o limite entre a Alemanha Ocidental e a Oriental, e muitos berlinenses tentaram atravessá-lo a nado para passar desta para aquela. Mais de uma dezena perderam ali a vida.
Agora a cercania do Spree é palco de novas aventuras. Mais precisamente aventuras de Piratas. É que o Partido Pirata – de atuação na Europa toda – está supreendendo nas pesquisas de intenção de voto para as próximas eleições nacionais, que devem se realizar em 2013.
O Partido Pirata supreendeu a todos ao eleger todos os seus candidatos – em número de 15 – para o Parlamento de Berlim em setembro do ano passado. Nesta eleição o FDP – parceiro na coligação com a CDU/CSU que governa a Alemanha – ficou fora do Parlamento local, por não atingir a cláusula de barreira de 5% dos votos. Os Piratas chegaram a quase 9%. Antes disso o Partido Pirata tinha conseguido eleger apenas um representante, na Suécia, para o Parlamento Europeu, com sede em Estrasburgo. Uma outra candidata, também da Suécia, está na fila para assumir mais uma cadeira, graças a modificações já aprovadas no Tratado de Lisboa, que rege a U. E.
O Partido nasceu congregando-se em torno da bandeira de uma liberdade responsável na internet – contra qualquer forma de controle julgada abusiva. Seus líderes reusavam-se a avançar outras bandeiras, dizendo que, como um partido novo, perderiam votos se assim procedessem, porque seus eleitores potenciais vinham de todos os quadrantes, da direita à esquerda.
Entretanto seu sucesso em Berlim deveu-se, em parte, a um avanço nessas outras bandeiras. Passaram a reivindicar transporte público gratuito para todos, um salário mínimo regional, ao lado de bandeiras criativas, como a da “privatização das religiões”, ou seja, o fim do imposto eclesiástico que o Estado cobra para as igrejas. Um outro fator de avanço foi a originalidade de sua campanha, feita pelos próprios membros do partido, ao invés de se valerem, como os outros, de alguma empresa profissional.
Agora, nas últimas pesquisas para o Parlamento Federal, o PP aparece em 3º. lugar, deixando atrás de si o Partido Verde, que tradicionalmente ocupa essa posição. Na frente está a coligação CDU/CSU, com 36%. Em segundo, o SDP, com 24%. Terceiro, o PP, com 13%. Em quarto, o PV, com 11%, em quinto a Linke, com 8% e no limite da cláusula de barreira, o FDP, com 5%. Os demais partidos, do NPD de extrema-direita ao Partido Comunista, à esquerda, não atingem a cláusula.
Isso representa um pequeno terremoto na política alemã, onde as votações costumam ser bastante corporativas e fechadas. Por exemplo: trabalhadores sindicalizados e militantes votam no SPD. Se estão insatisfeitos com a linha mais conservadora assumida por esse partido nas últimas décadas, mas têm uma militância tradicional, votam na Linke; também os saudosos da Alemanha Oriental. Jovens ambientalistas e outros igualmente desiludidos com o SPD votam nos Verdes. A classe média conservadora vota na CDU/CSU (sigla co-irmã da CDU na Baviera), igualmente o setor financeiro e a burguesia modelar, católica ou protestante. Já no FDP votam os jovens empresários mais agressivos e os profissionais liberais que não querem pagar impostos. Entre todas as siglas navega uma massa variável de recém-cidadãos frutos da imigração.
Entretanto o PP veio desequilibrar esse quadro, ou nasceu de seu desequilíbrio. Os Piratas tiraram votos de todos os segmentos, mas em particular dos Verdes, que deixaram de constituir um partido alternativo para aderir ao establishment, especialmente depois de ocuparem o governo com o SPD, quando aprovaram o envio de tropas alemãs ao Afeganistão, sob a chancela da OTAN, em troca da aprovação do fim das usinas nucleares no país. Essa proposta foi derrubada depois pela coligação CDU/CSU – FDP, mas acabou sendo retomada na sequência do desastre de Fukushima, no Japão.
Como em outros países, mas de forma menos dramática a mais afeita à “sobriedade germânica”, o sucesso do PP aponta para um “generation gap”. Na eleição berlinense de setembro passado, 21 mil novos eleitores, que tradicionalmente não iam votar, compareceram às urnas e votaram no PP (o voto não é obrigatório). Em todos os partidos – e o PV deixou de ser exceção – as lideranças são ocupadas por pessoas que estão, digamos assim, já dentro ou adentrando a idade do “segundo projeto de vida”. Ou seja, estão acima ou bem acima da casa dos 50 anos.
Alguns desses partidos enfrentam desafios internos de monta. O PV permanece sempre cisalhado entre a sua esquerda e os aderentes ao biocapitalismo e à liderança da OTAN. A Linke vem atravessando sucessivas crises de liderança (recentemente a sua presidenta renunciou alegando problemas de doença na família) e permanece dividida entre uma linha mais pragmática, tipo PT, e uma mais voltada para uma esquerda linha dura, tipo PSOL (mal comparando). O SPD passou por uma crise algum tempo atrás ao eleger Kurt Beck como presidente. Houve uma reação violenta na mídia liberal e na gerontocracia que tradicionalmente dirigia o partido, denunciando-o como “populista”, por suas posições mais à esquerda, ele acabou tendo que renunciar, voltando o SPD ao trilho paralelo das reformas neo-liberais que empreendera quando no governo.
A coligação CDU/CSU – FDP, ora no governo, enfrenta dificuldades para se manter. O FDP, que chegou a essa posição depois de obter 15% dos votos na última eleição nacional, naufragou no próprio sucesso. Seu líder, o atual Ministro de Relações Exteriores, Guido Westerwelle, revelou-se bastante inepto na condução de seu partido como membro da coalizão, entrando em choque com a chanceler Angela Merkel em algumas ocasiões. Além disso seus partidários investiram de modo muito ruidoso contra o sistema de previdência social, assustando eleitores. As reformas do sistema vem sendo feitas, mas de modo mais “germânico”, isto é, sem alarde e mais discreto.
A chanceler Angela Merkel passa por um momento curioso: de um lado, seu prestígio junto a ala mais conservaadora do país aumenta, apresentando-se como a “campeã da austeridade na U. E. e na Zona do Euro”. De outro, “perdeu” dois presidentes de sua preferência, forçados a reununciar: Horst Köhler, por declaraçòes consideradas inapropriadas sobre a presença militar alemã além-fronteiras, e Christian Wulff, envolto em denúncias de corrupção e choques com a mídia. Entretanto a coligação que dirige está mal das pernas, e é muito possível que não se mantenha a partir de 2013. A arqui-conservadora CSU permanece mais firme, mas sua atuação se limita à Baviera católica que, embora rica economicamente, está longe de representar alguma hegemonia no imaginário alemão.
É nesse quadro de “crise estável” que emerge o PP. Mas as cobranças já começam. Apontam seus membros como “demasiado classe média alta, e do sexo masculino”. Faltam mulheres, e uma diversidade social e étnica, coisas que no quadro político alemão são importantes. Com a provável presença no Bundestag, terão também de se definir quanto a questões como a crise do euro, das dívidas públicas, do fundo de emergência continental, políticas de investimento público, etc.
São temas que já aparecem nas suas cartas de navegação. Mas por ora o que mais enfuna suas velas é o sucesso em adentrar a vetusta corrente da política alemã.
Flávio Aguiar é correspondente internacional da Carta Maior em Berlim.
Foto: EFE