Por Philip Eil e traduzido por Marina Schnoor.
Em junho de 2014, o colunista da Reuters Jacks Shafer escreveu um artigo dizendo que a internet tinha criado uma “era de ouro das ameaças de morte”. Não era mais preciso usar um telefone, máquina de escrever, bilhetes escrito à mão, nem uma mensagem antiquada estilo bilhete de resgate com palavras recortadas de jornais e revistas, ele dizia. Ele deu exemplo de atrizes, escritores, executivos de tecnologia, atletas profissionais e designers de videogame que recentemente tinham recebido ameaças de morte, e escreveu “A tecnologia avançada tirou a maior parte do trabalho e do perigo de mandar mensagens covardes para amedrontar as pessoas”.
Cinco anos depois que o texto foi publicado, as coisas, bom, não melhoraram. Em alguns dias da era Trump, parece que ameaças de morte se tornaram o jeito preferido de se comunicar dos americanos. Jornalistas recebem ameaças de morte. Assim como juízes, prefeitos, professores de economia, apresentadores de talk show, atores, socorristas, estudantes de administração, atletas, mulheres que acusaram o presidente dos EUA e indicados para a Suprema Corte de abuso sexual, frequentadores de festivais de música, e até um repórter de previsão do tempo que interrompeu um grande torneio de golfe para dar um alerta de tornado.
Ameaças são tão comuns para membros do Congresso que noticiários agora as descrevem com uma “coisa da vida”. E na Fox News, os apresentadores aparentemente abraçaram esse fato, como vimos em maio quando o apresentador Jesse Watters minimizou as ameaças de morte contra a representando dos EUA Ilhan Omar porque, nas palavras dele, “Todo mundo recebe ameaças de morte”. Se 2014 foi a Era de Ouro, agora estamos na Era de Platina.
Todo mundo que já encarou ataques de pânico, medo de voar ou hipocondria intensa sabe como é estar convencido de que você está prestes a morrer; um sentimento que a maioria das pessoas não desejaria pra ninguém. E ainda assim, é isso que uma ameaça de morte faz: usar a ansiedade como arma. É como jogar uma bomba na mente de outra pessoa.
Quando essas ameaças acontecem, a cobertura da mídia não tende a pairar muito sobre a destruição psicológica. Mas o que acontece exatamente com a mente e o corpo de uma pessoa quando ela recebe uma ameaça de morte? E o que uma pessoa deve fazer quando se vê nessa posição infeliz mas cada vez mais comum?
Bandy Lee é uma psicóloga forense da Escola de Medicina de Yale que recebeu ameaças de morte depois de chamar Donald Trump publicamente de um perigo para o país. “Imagino que cada um lida com isso de maneira diferente, mas no meu caso, me confinei em casa por quase um mês, incapaz de ir para o escritório. (Postaram na internet onde eu trabalhava, com fotos, endereços e direções)”, ela disse. “Perdi metade do meu cabelo e ganhei 9 quilos.”
Lisa Warren, acadêmica e psicóloga forense da Austrália que escreveu muitosobre ameaças, disse que parte do impacto da ameaça depende da pessoa que a faz. Uma ameaça de, digamos, um namorado violento tem um potencial tangível e conhecido de perigo, mas uma ameaça de um estranho na internet pode desencadear todo tipo de pensamentos “E se?” tóxicos, tipo “E se a pessoa me encontrar?” ou “E se ela encontrar meus filhos?” Nenhum desses casos é agradável, mas são tóxicos por razões diferentes.
O impacto de uma ameaça também pode depender da pessoa que a recebe. Algumas pessoas que receberam ameaças de morte no passado podem ser mais resistente a elas, disse J. Reid Meloy, psicólogo forense, consultor do FBI de longa data e professor de psiquiatria da Universidade de Califórnia em San Diego. (Psicologia forense é onde a psicologia encontra a lei e a justiça criminal. Como ameaças de morte podem gerar investigações criminais, muitos dos melhores especialistas no tema são dessa área.) “Como seres humanos, podemos tipicamente nos habituar ou dessensibilizar com… estímulo nocivo”, ele disse. E no caso de figuras públicas, como políticos e celebridades, elas podem ler um tuíte ou e-mail escroto sem se perturbar.
Essa tranquilidade, ou falta dela, também pode ser resultado do temperamento e experiências passadas de uma pessoa. Algumas pessoas simplesmente nascem mais sensíveis a estímulo externo que outras, disse Megan Eliot, psicóloga e diretora do programa de trauma integrado do National Institute of Psychotherapy. Ou talvez cresceram com pais que as ajudaram a reganhar a calma quando crianças, espelhando suas emoções perturbadas, ou as encorajando a procurar apoio em momentos de crise. Eliot acrescentou que pessoas que já experimentaram trauma são mais vulneráveis a trauma repetido. Num ponto relacionado, Meloy apontou que qualquer tipo de diagnóstico prévio, para ansiedade, depressão ou qualquer outra coisa, vai tornar uma pessoa mais suscetível a transtorno de estresse pós-traumático (TEPT).
Além disso, pesquisa recente sobre trolagem na internet (que pode incluir, mas não se limita a ameaças violentas) no Reino Unido sugere que homens e mulheres podem responder a ameaças de maneira diferente. Catriona Morrison, professora de psicologia experimental da Universidade de Bradford, recentemente falou com 181 membros do Parlamento britânicoque tinham encarado trolls online para tentar entender os efeitos disso. Enquanto membros homens e mulheres tinham sido sujeitos a trolagem, ela disse que os efeitos nas mulheres eram “muito mais multifacetado e de maior impacto… com uma variedade maior de comportamentos, tanto no pessoal como no profissional”. Essas mulheres estavam mais inclinadas que os homens a fazer mudanças tangíveis na vida, como sair menos para jantar e aumentar sua segurança pessoal.
Bessel van de Kolk, professor de psiquiatria da Escola de Medicina da Universidade de Boston e autor de The Body Keeps the Score: Brain, Mind, and Body in the Healing of Trauma, sugere que mesmo o clima político geral pode afetar como uma pessoa entende uma ameaça. Nos EUA, o presidente ameaça pessoas o tempo inteiro e frequentemente indica de outras maneiras que está confortável com ameaças, disse van der Kolk. E ter uma pessoa assim liderando o governo permite que outros sigam o exemplo dele. Então, quando membros do partido do presidente e outros oficiais públicos não se pronunciam quando o presidente faz ou endossa ameaças (e os republicamos em grande parte não têm se pronunciado), um novo normal é estabelecido.
“Essas ameaças serem feitas, e pessoas fingirem que isso não está acontecendo, essa é a parte assustadora, e é isso que envenena o poço social”, ele disse. “A questão da autoridade e proteção, saber quem estará lá para te proteger, é incrivelmente importante. E é isso que está desmoronando na nossa cultura agora.”
Enquanto os efeitos das ameaças podem variar de pessoa para pessoa, está claro que para alguns seguimentos da população, uma ameaça de morte pode ser devastadora. Uma experiência traumática pode vir de qualquer situação onde alguém sente que está prestes a morrer, ou quando ela vê algo aterrorizante, disse Eliot. E se uma ameaça de morte ultrapassa esse limiar – uma possibilidade forte – isso pode levar a todo tipo de problemas.
Por exemplo, o destinatário de uma ameaça pode ser tornar supervigilante como resultado da mensagem, o que significa que a pessoa está sempre no limite, com a mente e o corpo tensos com perigo. Nesse estado, é difícil se concentrar, pensar claramente e absorver informação de maneira correta, disse Eliot. A pessoa também pode perceber pessoas que não são uma ameaça como perigosas, ou ser incapaz de aceitar que apoio está disponível para ela. “Pense em estar em guarda, todos os seus músculos tensos, [e] seu coração disparado”, ela disse. “Não é saudável estar nesse estado por longos períodos, e não é confortável.”
Van der Kolk descreveu trabalhar com um político que ficou tão perturbado depois de receber ameaças de morte que se tornou deprimido e suicida. Humanos têm uma necessidade básica de saber que estão seguros, de saber que podem sair pela porta ou atender um telefone sem arriscar sua segurança, e queremos poder esperar coisas para nosso futuro, ele disse. “Quando você está com medo o tempo todo, isso prejudica sua capacidade de cuidar dos filhos, ser espontâneo, ser criativo”, ele disse. “Quando você começa a realmente se preocupar que pode se ferir, toda sua vida se torna muito restrita.”
A severidade da linguagem que especialistas usam para descrever os efeitos dessas ameaças contrasta com quão casual e superficial algumas notícias sobre ameaças de morte se tornaram. Lee chamou essas ameaças de “terrorismo”. Um artigo legal argumenta que ameaças de morte constituem uma forma de tortura. Warren descreveu ameaças de morte como “uma das formas mais extremas de violência psicológica”. Nesta era de ameaças instantâneas, sem custo e entregues anonimamente, será que a mídia está usando uma linguagem que reflete quão sérios esses atos são?
E se não, será que estamos contribuindo para a dessensibilização geral da nossa cultura, ou mesmo apatia, com o “terrorismo” acontecendo nas nossas comunidades?
Mas o que você faz quando recebe uma ameaça de morte?
Primeiro, é importante lembrar o seguinte ponto colocado por J. Reid Meloy: “A maioria das ameaças de morte não são concretizadas”. Mas isso não significa que elas devem ser ignoradas. Lee diz que, como uma pessoa não pode viver sob o estresse de ameaças contantes por longos períodos, conseguir um espaço físico seguro deve ser prioridade.
Segundo, Meloy enfatiza que se receber uma ameaça, você deve contatar as autoridades e preservar qualquer evidência. Faça um screenshot do texto ou tuíte; guarde a carta, e-mail ou mensagem de voz. Enquanto ameaças de morte estão sujeitas a debates de liberdade de expressão, e os padrões de processo variam de lugar para lugar, elas geralmente são ilegais. (As palavras exatas de Meloy foram: “Você não pode sair por aí ameaçando as pessoas de maneira homicida”.) Autoridades locais também podem te ajudar a entender qual o verdadeiro risco que uma ameaça carrega.
A outra parte da equação é retomar sua vida – e a saúde da sua mente também. Ódio de trolls online é tão frequente que uma jornalista que já experimentou muito disso, Talia Lavin, produziu um guia que vale a pena favoritar para lidar com esse tipo de tempestade psicológica. Especialistas também disseram que você deve considerar procurar um profissional de saúde mental. Lee disse que, como ameaças de morte podem desencadear reações dissociativas e levar a problemas insistentes de perda de memória, ansiedade e depressão, “Ter alguém com quem falar, de preferência um especialista em saúde mental, pode ajudar a colocar as coisas em perspectiva e detectar sinais de alerta mais cedo”.
Warren disse que uma das chaves para voltar ao normal é planejar e implementar precauções de segurança para controlar esses pensamentos de “E se?” venenosos. “É essa criação de incerteza que dá a quem fez a ameaça poder sobre você. Porque quanto mais você pensa ‘E se a pessoa fizer isso? E se a pessoa fizer aquilo?’, a ameaça está funcionando”, ela disse.
Ela também enfatizou a importância de quem recebe ameaças lembrar que o que aconteceu não é culpa dela. “Um ato de violência foi cometido contra você e nunca, nunca isso é algo que você fez de errado, que você mereceu, que você pediu”, ela disse. “É só como outra pessoa escolheu se comunicar.”