Por Francisco Fernandes Ladeira.
No auge da pandemia da Covid-19, os indivíduos que negavam a gravidade do novo coronavírus, boicotaram as medidas indicadas por autoridades sanitárias, acreditavam em tratamentos precoces a base de medicamentos como cloroquina e/ou adotaram posturas antivax foram genericamente designados como “negacionistas”. Aqui no Brasil, como tragicamente sabemos, o principal negacionista foi o então presidente da República Jair Bolsonaro.
Em contrapartida, homens e mulheres ligados à ciência tiveram importantes participações no debate público, esclarecendo a população sobre o que realmente acontecia durante aquela que foi uma das maiores crises sanitárias da humanidade. Entre esses nomes se destacaram os biólogos Natalia Pasternak e Atila Iamarino.
Já no presente contexto, por uma dessas ironias da existência, os próprios Atila e Pasternak passaram a adotar posicionamentos que, de certa forma, também podemos classificar como negacionistas.
O negacionismo de Atila Iamarino está relacionado a recentes posts publicitários no Instagram, para nada mais nada menos que a gigante petroleira Shell.
Nas postagens em questão, o biólogo cita de onde vem o petróleo, o porquê de o Brasil ter potencial importância como líder na transição energética mundial e como a empresa britânica atua com expertise e segurança em nosso país, “oferecendo energia vital e ajudando a impulsionar vida”.
Em suma, negacionismo sobre os impactos naturais e humanos da Shell.
Por sua vez, Natalia Pasternak escreveu no início do ano, para o jornal O Globo, artigo intitulado “Negacionismo e antissemitismo”; um verdadeiro tratado de negacionismo geopolítico.
Simplesmente conseguiu projetar no povo palestino, de maneira geral, e no Hamas, em especial, alguns dos aspectos mais obscuros do Estado de Israel e do sionismo. Inverteu papéis de oprimidos e opressores; colonizadores e colonizados.
Psicanalistas chamariam essa postura de “projeção”. Mas, como para a bióloga, do alto de seu neopositivismo, psicanálise não é “ciência”, não vou me ater a essa questão.
No texto, há a capciosa manobra discursiva de apresentar “sionismo” e “judaísmo” como se fossem termos intercambiáveis.
Nessa lógica distorcida, quem é contra o Estado de Israel (antissionista) passa a ser visto como antissemita (preconceituoso contra judeus) e, o que é pior, negacionista em relação ao Hocalausto.
Para Pasternak, o Hamas é um “grupo terrorista” que “deseja aniquilar Israel e o povo judeu”, ou seja, “possui a real intenção de genocídio”. Lembrando o título de um de seus livros: que bobagem!
Haja negacionismo histórico! Quem tem a intenção de genocídio, e o coloca em prática há pelo menos oito décadas, é o sionismo, não o Hamas (que também não é um “grupo terrorista”, mas parte da resistência legítima de um povo sob julgo colonial, o que encontra respaldo, inclusive, em uma diretriz da ONU).
Enfim, ao que tudo indica, como dizem por aí, Natalia Pasternak e Atila Iamarino recorrem ao conhecimento científico “até a página dois”, quando é conveniente. Se for para agradar aos proprietários do maior grupo de comunicação do Brasil ou aos interesses de uma gigante petroleira, ambos não se intimidam em aderir a qualquer tipo de “negacionismo”.
Francisco Fernandes Ladeira é Doutor em Geografia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Licenciado em Geografia pela Universidade Presidente Antônio Carlos (Unipac). Especialista em Ciências Humanas: Brasil, Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Mestre em Geografia pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ).
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