Os maiores devedores da Amazônia e suas perigosas relações

A Amazônia é uma das regiões mais ricas do planeta. A imensidão da biodiversidade e fartura de recursos naturais tornam os sete estados amazônicos literalmente ricos por natureza. Mas em geral onde há fartura, há falcatrua. Um levantamento feito pelo Inesc sobre a Dívida Ativa da União (DAU) na Amazônia (considerando apenas os sete estados da região Norte) revela que os maiores devedores da região acumulam uma dívida total de R$ 17,8 bilhões. O levantamento identificou os 10 maiores inscritos na Dívida Ativa da União em cada um dos sete estados, entre pessoas físicas e jurídicas. Rondônia lidera esse ranking, com cerca de R$ 4,7 bilhões em dívidas. Em seguida aparecem Amazonas (R$ 4,4 bilhões), Pará (R$ 3,9 bilhões), Tocantins (R$ 2,4 bilhões), Amapá (R$ 1,08 bilhão), Acre (R$ 894 milhões) e Roraima (R$ 503 milhões).
 
No entanto, levando-se em conta todas as dívidas ativas da União de pessoas físicas e jurídicas em cada estado, e não apenas os 10 maiores devedores, o ranking muda. A liderança vai para o Pará, com R$ 23,7 bilhões em dívidas. Rondônia cai para o terceiro lugar, com pouco mais de R$ 6 bilhões, sendo ultrapassada também pelo Amazonas, que aparece em segundo, com R$ 16,2 bilhões em dívidas. Tocantins (R$ 4,9 bilhões, em quarto), Amapá (R$ 2,1 bilhões, quinto), Roraima (R$ 1,8 bilhão, sexto) e Acre (R$ 1,7 bilhão, sétimo), completam o ranking.

A sonegação fiscal é crime e deve ser tratada como tal. Combater a corrupção passa por combater a sonegação fiscal, que só beneficia os super-ricos e prejudica os mais pobres e a classe média, por contribuir com a má distribuição da carga tributária no Brasil. Além disso, a corrupção vai muito além do desvio de dinheiro por políticos e servidores públicos. No Brasil, 80% da corrupção vem do setor privado. E suas práticas são interligadas com outros crimes – essas dívidas são apenas a ponta do iceberg. Por trás dessa dívida bilionária escondem-se muitos crimes, não apenas financeiros – há crimes ambientais, eleitorais, grilagem de terras, assassinatos. Foi o que descobrimos analisando a lista dos maiores devedores na Amazônia.
 
Em todo o país, essa Dívida Ativa da União chega a incríveis R$ 1,58 trilhão (valores de dezembro de 2015), superando a arrecadação total brasileira no mesmo ano, que foi de R$ 1,274 trilhão. E pior: a recuperação desse dinheiro é lenta: segundo a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, somente 1% da dívida é resgatado. Atualmente há R$ 252,1 bilhões que já integram processos transitados em julgado – ou seja, já poderiam ter sido devolvidos aos cofres públicos. Esse valor cobre com sobras o déficit fiscal do país anunciado pelo governo ilegítimo de Michel Temer para 2016.

As dívidas no estado de Rondônia acumulam R$ 4,6 bilhões. Não por acaso, entre os três maiores devedores da Amazônia, destacam-se três empresas do estado, que juntas somam R$ 3,5 bilhões em dívidas à União. São elas: J. C. Indústria & Comércio de Produtos de Limpeza, Gidan Indústria e Comércio de Alimentos e Produtos de Limpeza Imp e Exp LTDA e a Companhia de Águas e Esgotos de Rondônia (CAERD). No ranking dos dez maiores devedores deste estado, sete empresas totalizam 545 dívidas ativas na União, destas 202 são dívidas trabalhistas, que envolvem o não pagamento de FGTS e INSS.
 
Na relação de pessoas jurídicas com dívidas na União, consta a Dismar Distribuidora de Bebidas São Miguel Arcanjo, com uma dívida de R$ 157,9 milhões. Em 2003, uma investigação do Ministério Público de Rondônia encontrou evidências de peculato envolvendo o então presidente da Assembleia Legislativa, Natanael José da Silva, acusado de desviar cerca de R$ 600 mil para contas de suas empresas, entre elas a Dismar Distribuidora, da qual era sócio com 85% das cotas sociais. Natanael foi condenado em 2010 a 14 anos e 8 meses de prisão, mas só em 2014, com o trânsito em julgado, foi emitido o pedido de prisão. Foragido da Justiça desde então, o ex-presidente da ALE-RO foi capturado em março deste ano, em Abadiânia, interior de Goiás. Além da empresa, Natanael também tem uma Dívida Tributária Não Previdenciária de mais de R$ 60 milhões.
 
Ainda em Rondônia, chama a atenção o caso de Gilmar Teixeira, que tem uma dívida de mais de R$ 165 milhões. Em 2011, Gilmar e sua mulher, Márcia Teixeira, foram autuados pelo Ibama por crime ambiental. Segundo o Ibama, Gilmar já foi autuado cinco vezes por crimes como desmatamento ilegal e destruição de floresta. À época, as multas dele somavam R$ 24,3 milhões.Gilmar Teixeira é considerado um dos maiores desmatadores do Amazonas, tendo desmatado mais de 4,5 mil hectares de floresta.

Sonegação x Grilagem de Terras
 
A grilagem de terras na Amazônia é o carro-chefe de muitos crimes e problemas sociais, entre eles o trabalho escravo e a invasão de terras indígenas. No Pará, a empresa Indústria Comércio Exportação e Navegação desponta como a segunda maior devedora à União com R$ 539,2 milhões. Em 2013, o Ministério Público Federal (MPF) encaminhou à Justiça Federal pedido de cancelamento da matrícula do imóvel rural denominado Fazenda Curuá, ocupado ilegalmente pela empresa, do Grupo C. R. Almeida. Situada na região da Terra do Meio, a área de cerca de 4,5 milhões de hectares corresponde aos territórios da Holanda e Bélgica juntos, e é considerado o maior caso de grilagem (invasão de terras públicas) do mundo.

No Acre, quatro pessoas que figuram entre os dez maiores devedores do estado estão envolvidos em questões relacionados a desmatamento em terras indígenas, grilagem de terras e sonegação fiscal. Jorgenei da Silva Ribeiro, que possui uma dívida no valor de R$ 127 milhões, é ex-candidato a Deputado Federal pelo Acre (PMDB) e em 2007 foi condenado em ação ajuizada pelo MPE por ter usado Nota Fiscal com data irregular na prestação de contas da campanha eleitoral de 2002, além da omissão de despesas. Além desta condenação, em dezembro de 2015, representantes Jaminawa e Manchineri solicitaram ao Ministério Público Federal (MPF) a anulação do processo de licenciamento ambiental do projeto de construção do ramal madeireiro, de interesse de Jorgenei, que atravessa a Reserva Extrativista Chico Mendes e passa no entorno da Terra Indígena (TI) Mamoadate, localizado em Assis Brasil (AC).
 
Outro que aparece entre os dez maiores devedores da União no estado do Acre é Odete Davila Junior, com dívida de R$ 90,6 milhões ele é proprietário da segunda maior área de terra grilada no estado com mais de 250 mil hectares.
 
Mandato cassado
 
Os irmãos Narciso Mendes de Assis e Naildo Mendes de Assis, sócios em vários empreendimentos, têm dívidas somadas à R$ 154 milhões. Ambos também são proprietários da Construtora Mendes Carlos vinculada na Lista de Devedores com uma quantia superior a R$ 64 milhões. Narciso é ex-deputado estadual e federal, em 2002 foi novamente eleito deputado federal pelo PP, mas a Justiça Eleitoral cassou o mandato, por ter exercido o cargo de sócio-gerente de uma emissora de TV em Rio Branco, o que é proibido para congressistas. Narciso e o irmão são donos do Complexo O Rio Branco de Comunicação que inclui a TV Rio Branco, afiliada ao SBT, o Jornal O Rio Branco. Em 2006, Narciso se candidatou mais uma vez pelo PDT, mas não se elegeu. Já em 2014, o prédio do jornal e TV Rio Branco, do empresário Narciso Mendes, foi arrematado por R$ 1,1 milhão, em leilão da Justiça Federal, por causa de processos envolvendo sonegação de tributos federais.

No Amapá as dívidas dos dez maiores devedores são da ordem de R$ 1 bilhão. Entre os devedores na categoria de Pessoa Jurídica figura a Vesle Movéis e Eletrodoméstico, Governo do Estado e Companhia de Água e Esgoto do Amapá. Já na categoria Pessoa Física, desponta Marco Aurélio de Campos Silva, com um dívida não tributária previdenciária no valor de R$ 198,1 milhões. Ainda na mesma categoria destaca-se o empresário Alexandre Gomes de Albuquerque, proprietário da empresa A G de Albuquerque (Amapá Vip), as dívidas à União alcançam a ordem de R$ 77 milhões. Em 2010, Alexandre foi preso na Operação Mãos Limpas da Polícia Federal, que investigou um esquema de desvios de recursos públicos no Amapá. A empresa de Alexandre prestava serviços de vigilância e foi contratada irregularmente pela Secretaria da Educação.

Mineração em terra indígena
 
Em 2006, Fernando Ferreira de Oliveira foi preso com mais sete pessoas pela Operação Exodus da Polícia Federal em Roraima, com a acusação de crimes contra o sistema financeiro nacional e contra a ordem tributária, pelo desvio de cerca de R$ 190 milhões para o exterior. Fernando é um dos nomes que aparece na Lista de Devedores à União com um débito no valor de R$ 53 milhões.
 
Além do caso de Fernando, outro devedor que chama a atenção na relação de mau pagadores da União é Antônio Belém de Macedo, proprietário da empresa A B de Macedo, as dívidas de ambos somam R$ 66 milhões. Em 2013, o empresário foi acusado de extração ilegal de minérios em terra indígena. Conforme denúncia do MPF/RR, Antônio e mais duas pessoas extraíram recursos minerais da Comunidade Indígena Anaro sem qualquer autorização das autoridades competentes. Também em 2013, o Ministério Público Federal (MPF) de Roraima, pediu a condenação de Antônio Belém de Macedo por peculato

Governador do Tocantins
 
O governador do Tocantins, Marcelo de Carvalho Miranda (PMDB), é o único dos gestores estaduais da região Norte que aparece na Lista de Devedores da União, com uma dívida no valor de R$ 41 milhões. Miranda está em seu terceiro mandato como Governador do Tocantins, em 2009, portanto seu segundo mandato, foi cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral sob a acusação de abuso de poder, compra de votos e uso indevido dos meios de comunicação social nas eleições de 2006.

Entenda:
 
 1) O que são as dívidas ativas?
 
A Dívida Ativa da União é o conjunto de débitos de pessoas jurídicas e físicas com órgãos públicos federais (Receita Federal, Ministério dos Transportes, Ministério do Trabalho, INSS, multas eleitorais, etc) não pagos espontaneamente, de natureza tributária ou não.
 
2) O que são as dívidas tributárias não previdenciárias?
 
Dívidas tributárias previdenciárias: todas as contribuições previstas em Lei ao INSS.
 
Dívidas tributárias não previdenciárias: impostos; taxas; empréstimos compulsórios, etc.
 
Dívidas não-tributárias: taxa de ocupação; multa pelo exercício do poder de polícia, etc.
 
3) Como é feita a cobrança dessas dívidas?
 
Após o não pagamento nos prazos, os órgãos da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional – PGFN conferem a estes débitos certeza, liquidez e exigibilidade, o que lhes permite ingressar judicialmente contra o devedor, em processo de Execução Fiscal.
 
Por ocasião da inscrição o contribuinte recebe um DARF (Documento de Arrecadação de Receitas Federais), com as informações sobre o débito. A dívida inscrita em divida ativa é identificada por um número especifico, para sua identificação e acompanhamento do processo administrativo. Durante o processo administrativo é conferida ampla defesa. Com exceção de casos excepcionais, pessoas jurídicas ou físicas inscritas em dívida ativa não têm direito à Certidão Negativa de Débitos. Após a finalização do processo administrativo, o devedor pode quitar o débito devido ou entrar recurso judicial. Uma vez que processo judicial tenha transitado em julgado e o devedor tenha sido condenado a quitar o débito, deve ser feito o recolhimento do valor inscrito na dívida ativa atualizados pelos juros de mora e demais encargos previstos.

Foto: Reprodução/Carta Maior

Fonte: Carta Maior

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