Os legados dos megaeventos e o encerramento das Jornadas Bolivarianas

Eddie Cottle
Eddie Cottle

Por Gustavo Siqueira, para Desacato.info

A noite de quinta-feira, 11, teve como conferencistas o sul-africano Eddie Cottle e o uruguaio Raumar Rodríguez Giménez. O tema foi “Cidades, participação popular, economia e os legados dos megaeventos esportivos”.

Cottle abriu a noite falando de sua experiência como sindicalista na ocasião da Copa do Mundo de 2010 que, após pesquisas de campo, gerou o livro “South Africa’s World Cup: A Legacy for Whom?” no ano de 2011. O sul-africano tratou da FIFA como uma instituição comercial, que “vende” a Copa a quem interessar e puder investir. Apresenta-se, então, um documento sigiloso ao país candidato, que trata de cálculos estimados de investimento para a realização do megaevento. Não obstante, os cálculos são enganosos e distorcidos, impossibilitado a estimativa correta de gastos e as garantias de retorno, explicitando apenas os ganhos relativos aos parceiros comerciais da FIFA em forma de propriedade intelectual. O monopólio apresentou-se para a África do Sul no estabelecimento de garantias pelo Estado da venda exclusiva de produtos das empresas parceiras no entorno do Estádio (raio de 1 km). Portanto, o Estado desembolsa um valor excessivo na “compra” do “produto” Copa antes mesmo de seu início.

O sindicato aparece neste contexto como resistência aos excessos do superfaturamento. Ainda assim, Cottle afirmou que o gasto previsto de 4 bilhões de Rands (moeda sul-africana), gastou-se 39 bilhões. No campo do trabalho, embora exista uma inflação na oferta, a qualidade é demasiado baixa; e nas licitações, os cartéis planejam seus preços superfaturados de modo a garantir que todas as empresas ganhem em detrimento do investimento público. Por fim, Eddie alertou os brasileiros para os abusos gerados pelo interesse financeiro neste megaevento, que fizeram na África do Sul – pelo menos até agora – o mais rentável evento esportivo do mundo.

Em seguida, Raumar Giménez falou sobre o histórico do esporte no Uruguai. Concordando com Kfouri, o uruguaio apontou para a falta de crítica no debate esportivo que se move mais pela paixão que pela problematização consciente. Para ele, o condicionamento do esporte como disciplinador na ditadura cívico-militar do Uruguai resultou no tratamento acrítico do esporte que se vê até hoje. É daí que se forma, portanto, uma massa que é antes consumidora do que praticante dos esportes. Por fim, Giménez deixou uma pergunta sobre que legado se pretende formar com os megaeventos do Brasil, se é de melhorar o acesso ao esporte ou simplesmente consumi-lo.

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Na manhã de sexta-feira, 12, encerraram-se as Jornadas Bolivarianas com a presença do mexicano Maurício Mejía – jornalista e diretor editorial da revista Ludens Office – e o brasileiro Renato Cosentino Vianna Guimarães, membro do Comitê Popular Rio Copa e Olimpíadas.

Mejía apresentou números dos impactos sofridos pelo México na ocasião das Olimpíadas de 1968 e da Copa do Mundo de 1970. Dentre os principais destacam-se o número de praticantes de esportes entre a população que chega a 20% entre as mulheres e 60% entre os homens. Dentre todos, 45% dos jovens entre 12 e 29 anos nunca praticaram esportes. Além disso, o número de bibliotecas no país é de 8.258 – que o autor afirmou ser o relativo à cidade de Barcelona -, não existindo neste montante sequer uma na área de esportes. O reflexo disso é o baixo número de pós-graduados no país (cerca de 900 mil para uma população total de 112 milhões) e a média de leitura anual da população (que chega a meio livro).

Em contrapartida, 91% da população declaram ter pelo menos um aparelho de TV em casa. Mejía afirma também que desde 2007 morreram cerca de 100 mil pessoas na guerra ao narcotráfico. Estes dados apresentados pretendem problematizar a questão do alto investimento nos megaeventos sem políticas públicas que incentivem o esporte no território nacional (confira a entrevista exclusiva de Desacato.info com Mejía aqui)

petrobras_rio_de_janeiroNa sequência, Renato Guimarães falou do andamento das obras para as Olimpíadas e a Copa do Mundo na cidade do Rio de Janeiro. Em primeiro lugar citou a tentativa de invisibilização das favelas tanto por publicidades quanto pelo Google Maps, além do isolamento por muros de várias áreas marginalizadas da cidade. Afirmou que o risco de remoção em todo o Brasil é de 150 a 170 mil pessoas, 22 mil delas só no RJ distribuído em 24 comunidades.

Guimarães citou ainda a resistência da Vila Autódromo a ameaça de desapropriação e a falta de consulta popular na elaboração de projetos no Morro da Providência. Em ambos os lugares a especulação financeira ameaça a qualidade de vida das comunidades. A construção do teleférico no Providência com a desapropriação de 800 famílias e a construção de estradas que cortariam a Vila Autódromo foram problematizadas pelo carioca.

Por fim, apresentou o caráter elitista dos projetos dos estádios do Maracanã e da Arena Independência. O engolimento do Estádio de Atletismo Célio de Barros pelas obras do Maracanã prejudicaram principalmente atletas que treinavam para as Olimpíadas no país e que agora não dispõem de espaço para tal. Ainda no social, a Aldeia Maracanã foi a mais nova vítima do avanço das obras para a Copa. Encerrando, Renato Guimarães afirmou que os megaeventos esportivos servem menos para o esporte e mais pelo interesse financeiro.

Imagens:

Eddie Cottle: Diário Liberdade

Propaganda Petrobrás: Propagandas Antigas

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