Por Elaine Tavares.
Os povos originários de Dakota do Norte, nos Estados Unidos, conseguiram uma trégua com relação às obras de um oleoduto que – conforme se prevê – atravessará todo o território Sioux, causando profundas alterações no ambiente e na vida das comunidades. Houve muita luta contra essa obra na região de Standing Rock e criou-se um acampamento de resistência, que conta a presença de representantes de várias etnias originárias, próximo ao canteiro de trabalho da companhia. Na última investida, os tratores começaram a cavar bem em cima de um espaço sagrado, no qual os povos Lakota e Dakota (Sioux) reverenciam seus antepassados. Com a reação dos manifestantes a empresa chegou a usar até cachorros para barrar as gentes. Foi duro, mas as obras pararam.
Ainda assim, o acampamento, chamado de Oceti Sakowin, em honra dos sete fogos da tribo Sioux, deve continuar. A experiência tem sido bastante rica, pois além de juntar os próprios Sioux – jovens e anciões – numa luta conjunta, conseguiu ainda reunir outras etnias, não apenas dos Estados Unidos, mas de toda América Latina. Não bastasse isso, os povos originários também contam com o apoio e a participação na luta dos pequenos proprietários rurais da região. Eles sabem que igualmente sofrerão com a passagem do oleoduto por suas terras.
A obra do oleoduto foi estimada em 3,8 milhões de dólares e prevê uma tubulação que cruzará 1.200 milhas, levando aproximadamente 500 mil barris de petróleo desde o estado de Dakota do Norte até Illinois e Texas, passando por baixo do Rio Missouri, importante veia hídrica que, com o oleoduto, fica também ameaçada de contaminação.
Apesar da trégua, com a suspensão dos trabalhos, os indígenas não pretendem arredar pé. Sabem que o inverno está chegando e que não será fácil viver no acampamento. Naquelas áreas onde hoje estão (centro norte dos EUA, fronteira com o Canadá) os termômetros podem chegar até 20 graus abaixo de zero. Por isso eles se preparam para a “longa noite” e confirmam: não saem de lá enquanto não houver o compromisso com a definitiva paralisação das obras.
Autodenominados “protetores”, os povos originários insistem em dizer a sua palavra e estão dispostos a ir até as últimas consequências para impedir que seu território seja mais uma vez invadido e destruído. Na primeira grande investida dos colonos ingleses em terras originárias, no século 16, houve um genocídio. Aqueles que eram mais de 10 milhões de almas estão reduzidos a 250 mil. Mas, ainda assim, a resistência tem sido sistemática. E, de certa forma, o acampamento de Standing Rock também tem servido para bons debates e espaços de articulação.
Apesar de o movimento no estado de Dakota do Norte estar sistematicamente bloqueado na mídia comercial, os meios de comunicação alternativos estão atentos e, por conta disso, a história de resistência tem se espalhado e mobilizado cada dia mais pessoas em toda América Latina. “Todos temos lutas parecidas e são os povos indígenas que se levantam com o despertar do espírito para dizer que é chegada a a hora de proteger o que temos de mais valioso: nossa terra mãe”, diz Dave Archimbault, chefe da tribo Sioux de Standing Rock. Há pouco tempo uma luta parecida conseguiu impedir outro oleoduto na região de Keystone, Colorado, centro do país. Agora, o propósito dos Sioux e seus aliados é também garantir uma vitória. “As crianças não podem beber petróleo”, insistem.
Ainda que os povos indígenas sigam sendo demonizados pelos meios de comunicação comercial, um fato concreto não pode ser negado: são eles os que estão garantindo a proteção ao planeta, o que significa que protegem não apenas a terra, mas também tudo o que vive, bichos, gente e plantas. Ainda que conformem pouco mais de 4% da população das três américas (Abya Yala) é a gente originária que guarda mais de 80% da biodiversidade.
O ataque contra os territórios indígenas em toda América Latina diz respeito à expansão do capital. Espaços antes protegidos são violados em busca de petróleo ou minérios. Para garantir a extração das riquezas e a transformação disso em mercadoria todos os acordos têm sido quebrados e leis desrespeitadas. O direito à consulta sobre qualquer investida sobre o território indígena, ainda que um consenso internacional, é letra morta. Em nome da riqueza, as empresas e os governos repetem 1492. Extermínio, violência e roubo.
A oposição organizada contra as mineradoras, papeleiras, hidrelétricas e empresas de extração de petróleo, tem sido a grande luta do início desse milênio. Em praticamente todos os países da imensa extensão de Abya Ayala (que vai da Terra do Fogo ao Alaska) esse tem sido o embate mais significativo. A terra para o homem branco só tem valor como espaço de especulação. Já para os povos originários ela é morada dos deuses, dos ancestrais, fonte de vida. Daí a força que adquire a luta por protegê-la.
A batalha que os Sioux travam hoje em Standing Rock é semelhante a luta dos Mapuche, dos povos da Amazônia, dos Shuar, dos Guarani, dos Pataxó, dos Aymara, dos Quéchua, enfim, de todas as etnias originárias, guardiãs da vida. Compreender o significa que tem o território, na perspectiva indígena, não é coisa fácil para os não-índios, engravidados desde sempre com o ódio e com a desinformação sobre os povos originários. Mas, está mais do que na hora de as gentes começarem a entender. Sem terra, sem alimento saudável, sem água pura, a vida se extingue. Não se sobrevive comendo ouro ou bebendo petróleo. É tempo de virar o jogo.
O sistema capitalista de produção, no qual a vida de 99% das gentes não faz qualquer sentido, tem sido bastante eficaz na sua pedagogia de sedução, levando as pessoas a crer que os indígenas são inúteis e atrapalham o progresso. Mas, uma boa olhada na história e todos poderão perceber que são os povos autóctones os que protegem a terra. Não com a visão utilitarista de um certo movimento ambiental sustentável. Mas com a visão sagrada de que tudo precisa estar em equilíbrio, não apenas para o homem, mas para tudo o que vive.
No próximo dia 12 de outubro, o movimento originário celebra a luta incessante contra a destruição do seu mundo. Esse dia marca a data da invasão, em 1492. E os povos celebram, não pela chegada dos violentos europeus, mas pela a capacidade de resistência. Por isso soa como bênção essa pequena vitória Sioux. Ainda não está definitivamente descartado o oleoduto da empresa Energy Transfer Partners. Mas, a luta contra ele já garantiu novas alianças e novos adeptos. E quando vários povos se unem para defender a Terra, o mundo das mercadorias treme. Só as gentes unidas contra o capital garante a continuidade da raça.
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Foto: http://www.indianz.com/
Fonte: Iela.