Os efeitos da sociedade escravocrata e do projeto neoliberal na Educação brasileira. Por Paulo Lindesay

Os efeitos das relações raciais e demográficas na educação brasileira ao longo da nossa história.

Foto: Agência Brasil

Por Paulo Lindesay.

Desde o início da formação territorial do Brasil, o projeto de colônia de exploração que pautou a ocupação do território teve como fundamento relações de dominação e forte hierarquização. Os europeus estiveram no topo da hierarquia social, detendo o poder sobre a força de trabalho, a vida e os corpos de membros de populações autóctones e migrantes escravizados trazidos do continente africano.

Uma sociedade totalmente escravocrata foi legalmente aceita e praticada no Brasil desde o século XVI até o século XIX. Primeiramente, escravizaram os povos originários, depois intensificaram a escravização com a exploração dos povos negros, sequestrados do continente africano. Ao serem instalados no território brasileiro, os negros escravizados tiveram seus descendentes usados na condição de escravos alocados, sobretudo, nas fazendas dedicadas à monocultura. No momento contemporâneo, principalmente a partir do governo Bolsonaro, essa cultura escravocrata se acentuou.

O tráfico de escravos durou até o ano de 1850 e introduziu cerca de 4 milhões de africanos escravos na população brasileira. (Neide Lopes Patarra, 2011).

Após o fim da escravidão, iniciou-se um período de intensa migração europeia incentivada pelo Estado brasileiro visando pôr em marcha um processo de embranquecimento da população nacional, sob a justificativa de obter mão de obra qualificada. (Bassanezi, 1995).

A chegada de uma nova leva de migrantes europeus esteve concentrada entre os anos de 1870 e 1930. Estima-se que nesse período entraram no Brasil cerca de 4 milhões de pessoas, que se dirigiram, principalmente, para as regiões sul e sudeste do país, onde foram inseridas como mão de obra (ou como proprietários) no setor agrícola, industrial, em empregos urbanos e na construção de estradas. Diferentemente dos africanos inseridos no Brasil mediante migração forçada. Sob uma política de poder escravocrata.

O arcabouço legal, mas imoral, que garantiu as relações raciais no território brasileiro.

Em julho de 1890, o Marechal Deodoro da Fonseca e o político Francisco Glicério assinaram o decreto nº 258, garantindo o favorecimento da entrada de migrantes europeus no Brasil em relação às pessoas nascidas em outros continentes.

No artigo 1º – É inteiramente livre a entrada, nos portos da República, dos indivíduos válidos e aptos para o trabalho, que não se acharem sujeitos à ação criminal do seu país, excetuados os indígenas da Ásia ou da África, que somente mediante autorização do Congresso Nacional poderão ser admitidos de acordo com as condições que forem então estipuladas. A justificativa, ao menos do ponto de vista discursivo, para sustentar essa preferência, é a intenção de “preservar” e “desenvolver” traços já presentes na sociedade brasileira que teriam sido, teoricamente, herdados dos europeus.

A educação da população negra no Brasil.

A esmagadora maioria da população brasileira era composta basicamente por analfabetos até meados do século XX. Por um longo período da história do Brasil, diversos segmentos populacionais foram excluídos do sistema educacional, sendo que a própria legislação não reconhecia o direito universal à educação escolar, à educação pública. Até a presente data, infelizmente, a maior parte dos governantes negligenciou os investimentos públicos com EDUCAÇÃO, nas três esferas de governo, até o sistema federativo.

Em 1824, a Constituição Imperial restringia o acesso à educação primária aos cidadãos. A categoria “cidadão” era então definida como sendo todo aquele nascido em território nacional, incluindo filhos de escravos nascidos livres, pessoas libertas ou ainda filhas de pais estrangeiros, desde que esses não estivessem no Brasil a serviço de outra nação. Considerando que os escravos eram desprovidos de cidadania, por conseguinte, não lhes era estendido o direito à educação primária.

Em diversas províncias, era legalmente proibida a presença de negros livres ou libertos em instituições escolares quando eram naturais do continente africano.

Em alguns momentos do desenvolvimento da instrução pública, em diversas províncias, foi oficialmente negado o acesso da população negra às instituições escolares. A reforma da instrução primária realizada em 1837 na província do Rio de Janeiro, por exemplo, proibia a frequência à escola daqueles que sofressem de moléstias contagiosas, dos escravos e dos pretos africanos, ainda que livres e libertos. Nos níveis mais elevados do ensino, havia a predominância de pessoas brancas provenientes das elites da época.

Em 15 de outubro de 1827, é decretada a Primeira Lei Geral de Ensino, que designava a criação de colégios públicos nas vilas mais populosas e permitia a inserção de meninas no sistema de ensino público. Como podemos observar no corpo da lei, apenas se “permitia e não obrigava” o acesso das meninas aos estabelecimentos públicos. A obrigatoriedade do ensino para o sexo feminino foi fixada apenas em 1882.

O tratamento desigual entre a população das cidades maiores e aquela das áreas rurais e pequenos conglomerados urbanos também acirrou o fosso educacional entre a elite branca de um lado e brancos pobres, pardos e pretos livres, libertos e escravos de outro. Essa atitude corroborou para a falta de estruturas e as dificuldades educacionais de acesso da população negra e pobre à educação pública, no período contemporâneo.

Embora o Estado não se comprometesse a oferecer o ensino primário público e gratuito sem ressalvas para toda a população, a preocupação com a questão ganhava importância no debate governamental. Uma evidência nessa direção é a inclusão de questões sobre nível educacional no Censo de 1872, quando se indagou sobre a frequência escolar da população com idade entre 6 e 15 anos e sobre a alfabetização da população em geral.

Em setembro de 1878, o Decreto nº 7031 permitiu a matrícula de negros libertos maiores de quatorze anos em cursos noturnos. Deve-se salientar que a escolaridade obrigatória foi sempre pensada para crianças e adolescentes de até 14 anos no máximo, independentemente da cor da pele, como aponta a própria formulação da questão utilizada no censo de 1872. A mentalidade que predominava no aparelho estatal era de que a educação de fato para todos representaria um ônus pesado demais para os cofres públicos.

Na história brasileira, a educação da população negra só passa a ser vista como vantajosa quando há um período de diminuição do fluxo migratório europeu para o país. Concomitantemente, passa a se intensificar a entrada de trabalhadores negros na indústria, setor que exige maior qualificação profissional.

A Constituição de 1934 foi a primeira a destinar um capítulo à Educação e à Cultura e proclamá-la como um direito de todos. Ela manteve a gratuidade do ensino primário, tornando-o obrigatório, e delimitou uma parte do orçamento da união, estados, municípios e distrito federal a ser obrigatoriamente alocada para a manutenção e o desenvolvimento dos sistemas educativos. Apresentou dispositivos que buscaram organizar a educação nacional, propondo a criação de um plano nacional de educação e a organização das redes de ensino nos estados. Foi a primeira vez que houve uma preocupação em operar um sistema nacional articulado.

Uma síntese da legislação brasileira para Educação Profissional e Tecnológica no Brasil[ii].

  • 1909 – O presidente Nilo Peçanha assina o Decreto nº 7.566 em 23 de setembro, criando as já mencionadas 19 “Escolas de Aprendizes e Artífices”.
  • 1927 – O Decreto nº 5.241, de 27 de agosto de 1927, definiu que “o ensino profissional é obrigatório nas escolas primárias subvencionadas ou mantidas pela União”.
  • 1937 – A Constituição Federal promulgada pelo Governo Getúlio Vargastratou da educação profissional e industrial em seu Art. 129. Enfatizou o dever do Estado e definiu que as indústrias e os sindicatos econômicos deveriam criar escolas de aprendizes na esfera da sua especialidade. A Lei nº 378, de 13 de janeiro de 1937, transformou as escolas de aprendizes e artífices mantidas pela União em liceus industriais e instituiu novos liceus, para propagação nacional “do ensino profissional, de todos os ramos e graus” (Art. 37).
  • 1942 – O Decreto-Lei nº 4.073, de 30 de janeiro de 1942, conhecido como Lei Orgânica do Ensino Industrial, definiu que o ensino industrial será ministrado em dois ciclos: o primeiro ciclo abrange o ensino industrial básico, o ensino de mestria, o ensino artesanal e a aprendizagem; o segundo ciclo compreende o ensino técnico e o ensino pedagógico.
  • 1942 – O Decreto-Lei nº 4.127/42, que estabeleceu as bases de organização da rede federal de estabelecimentos de ensino industrial, constituída de escolas técnicas, industriais, artesanais e de aprendizagem, extinguiu os liceus industriais, transformou em escolas industriais e técnicas, as quais passaram a oferecer formação profissional nos dois ciclos do ensino industrial.
  • 1942 – Foi criado o SENAI(Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) pelo Decreto-Lei nº 4.048, de 22 de janeiro de 1942.
  • 1946 – O Decreto-Lei nº 9.613/46, conhecido como Lei Orgânica do Ensino Agrícola, tratou dos estabelecimentos de ensino agrícola federais.
  • 1946 – Foi criado o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial – Senac, pelo Decreto-Lei nº 8.621, de 10 de janeiro de 1946, bem como a aprendizagem dos comerciários foi regulamentada pelo Decreto-Lei nº 8.621, do mesmo dia 10 de janeiro de 1946.
  • 1946 – A Constituição de 1946definiu que “as empresas industriais e comerciais são obrigadas a ministrar, em cooperação, aprendizagem aos seus trabalhadores menores, pela forma que a lei estabelecer, respeitados os direitos dos professores”.
  • 1959 – Foram instituídas as escolas técnicas federais como autarquias, a partir das escolas industriais e técnicas mantidas pelo Governo Federal.
  • 1961 – Em 20 de dezembro, foi promulgada a Lei nº 4.024/61. Essa foi a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que passou a permitir que concluintes de cursos de educação profissional, organizados nos termos das Leis Orgânicas do Ensino Profissional, pudessem continuar estudos no ensino superior.
  • 1967 – As fazendas-modeloforam transferidas do Ministério da Agricultura para o MEC e passaram a ser denominadas escolas agrícolas.
  • 1968 – A Lei Federal nº 5.540, de 28 de novembro de 1968, permite oferta de cursos superiores destinados à formação de Tecnólogos.
  • 1971 – A Lei nº 5.692/71 definiu que todo o ensino de segundo grau, hoje denominado ensino médio, deveria conduzir o educando à conclusão de uma habilitação profissionaltécnica ou, ao menos, de auxiliar técnico (habilitação parcial).
  • 1975 – A Lei Federal nº 6.297, de 11 de dezembro de 1975, definiu incentivos fiscais no imposto de renda de pessoas jurídicas (IRPJ) para treinamento profissional pelas empresas.
  • 1978 – As Escolas Técnicas Federais do Paraná, do Rio de Janeiro e de Minas Geraisforam transformadas em Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFET’s), pela Lei nº 6.545, de 30 de junho.
  • 1982 – A Lei nº 7.044/82 reformulou a Lei nº 5.692/71 e retirou a obrigatoriedade da habilitação profissional no ensino de segundo grau.
  • 1991 – O Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) foi criado pela Lei nº 8.315, de 23 de dezembro de 1991, nos termos do art. 62 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, em formato institucional similar ao do Senai e do Senac.
  • 1994 – Foi instituído o Sistema Nacional de Educação Tecnológica, integrado pela Rede Federal e pelas redes ou escolas congêneres dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal. Na Rede Federal houve transformação gradativa das escolas técnicas federais e das escolas agrícolas federais em CEFET’s.
  • 1996 – Em 20 de dezembro de 1996, foi promulgada a segunda Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB),que dedicou o Capítulo III do seu Título VI à educação profissional. Posteriormente, esse capítulo foi denominado “Da Educação Profissional e Tecnológica” pela Lei nº 11.741/2008, que incluiu a seção IV-A no Capítulo II, para tratar especificamente da educação profissional técnica de nível médio.
  • 1998-2002 – Foram definidas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de Nível Técnico, pela Resolução CNE/CEB nº 04/99, com fundamento no Parecer CNE/CEB nº 16/99; em 2002, foram definidas as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Profissional de Nível Tecnológico pela Resolução CNE/CP nº 03/2002, com fundamento no Parecer CNE/CP nº 29/2002.
  • 2004-2008 – A Resolução CNE/CEB nº 1/2004, de 21 de janeiro de 2004, definiu diretrizes nacionais para estágios supervisionados de estudantes de educação profissional e de ensino médio.
  • A Resolução CNE/CEB nº 1/2005, de 3 de fevereiro de 2005, com fundamento no Parecer CNE/CEB nº 39/2004, de 8 de dezembro de 2004, atualizou as Diretrizes Curriculares Nacionais definidas para o Ensino Médio e para a Educação Profissional Técnica de nível médio.
  • A Resolução CNE/CEB nº 3/2008, de 9 de julho de 2008, com fundamento no Parecer CNE/CEB nº 11/2008, de 16 de junho de 2008, disciplinou a instituição e a implantação do Catálogo Nacional de Cursos Técnicos de Nível Médio – CNCTnas redes públicas e privadas de Educação Profissional.
  • 2008 – Lei 11.741introduziu importantes alterações no Capítulo III do Título V da LDB, o qual passou a tratar “da Educação Profissional e Tecnológica“, além de introduzir uma nova Seção no Capítulo II do mesmo título, a seção IV-A, quarta “da Educação Profissional Técnica de Nível Médio”.
  • 2012 – Foram definidas as atuais Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio, pela Resolução CNE/CEB nº 6/2012, com fundamento no Parecer CNE/CEB nº 11/2012.
  • 2014 – Em 25 de junho de 2014, foi sancionada a Lei nº 13.005/2014, que aprovou o novo Plano Nacional de Educação, que prevê “oferecer, no mínimo, 25% (vinte e cinco por cento) das matrículas de educação de jovens e adultos, nos ensinos fundamental e médio, na forma integrada à educação profissional”. E prevê “triplicar as matrículas da educação profissional técnica de nível médio, assegurando a qualidade da oferta e pelo menos 50% (cinquenta por cento) da expansão no segmento público”.
  • 2017 – Lei nº 13.415/2007, que introduziu alterações na LDB (Lei nº 9394/1996),incluindo o itinerário formativo “Formação Técnica e Profissional” no ensino médio. A nova redação da LDB refere-se aos critérios a serem adotados pelos sistemas de ensino em relação à oferta da ênfase técnica e profissional, a qual deverá considerar “a inclusão de vivências práticas de trabalho no setor produtivo ou em ambientes de simulação, estabelecendo parcerias e fazendo uso, quando aplicável, de instrumentos estabelecidos pela legislação sobre aprendizagem profissional”, bem como “a possibilidade de concessão de certificados intermediários de qualificação para o trabalho, quando a formação for estruturada e organizada em etapas com terminalidade”.

 Somente em 1971, durante o governo militar, a escolaridade obrigatória deixa de ser o ensino primário de 4   anos para abarcar o dito “Primeiro Grau”, que compreendia oito anos de escolaridade e deveria ser cumprido entre os 07 e os 14 anos de idade. Também se institui a realização de vestibulares para o ingresso nas universidades, sob a justificativa de vagas escassas.

Educação Básica

O sistema educacional brasileiro é dividido em Educação Básica e Superior. A Educação Básica inicia-se a partir dos 5 anos de idade e há permissão do Estado para iniciativas privadas, desde que atendam aos critérios estabelecidos em lei.

A Educação Básica, a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB – 9.394/96), passou a ser estruturada por etapas e modalidades de ensino, englobando a Educação Infantil, o Ensino Fundamental obrigatório de nove anos e o Ensino Médio.

Educação pública é uma das funções primárias mais importantes de uma nação. Mas, infelizmente, a maior parte dos governos de plantão negligenciou os investimentos públicos com educação, ao longo de décadas, nas três esferas de governo.

Na Constituição federal, está garantido, no artigo 205, que a EDUCAÇÃO é direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Os constituintes preocupados com essa situação garantiram, no artigo 212 da Constituição Federal, que a União deveria aplicar anualmente nunca menos de dezoito por cento (18%) de receita de impostos, proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, dessas receitas.

Historicamente, a principal reivindicação dos setores da Educação sempre foi que os governos municipais, estaduais e federais, juntos, investissem pelo menos 10% do PIB. Mas quando analisamos os números oficiais dos governos, constatamos o quanto os investimentos nesta área estão distantes da reivindicação histórica. Considerando o PIB corrente – janeiro de 2025 – R$ 11,875 trilhões e a reivindicação histórica de setores da Educação – 10% do PIB. O investimento com a EDUCAÇÃO deveria ser cerca de R$ 1,187 trilhão. Mas no ORÇAMENTO DA EDUCAÇÃO FEDERAL, executado em 2024, foi pouco mais de R$ 136,9 bilhões.

Em pouco mais de 24 anos, entre 2000 e 2024, o investimento total executado com a função de Educação, em valores correntes, foi cerca de R$ 1,491 trilhão. Realizando uma simples operação matemática, podemos constatar que o investimento médio anual em valores correntes, nesse período, não passou de R$ 62 bilhões. Isso comprova que os governos de plantão, baseados no Palácio do Planalto, têm negligenciado a educação brasileira há décadas.

Entre 2017 e 2022, os governos TEMER e BOLSONARO atacaram e destruíram totalmente a Educação Pública Federal. Em 2017, o governo TEMER editou o decreto n0 9057[7], que regulamenta o art. 80 da Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. No seu artigo 19, possibilitou que a oferta de cursos superiores na modalidade a distância admitirá regime de parceria entre a instituição de ensino credenciada para educação a distância e outras pessoas jurídicas, preferencialmente em instalações da instituição de ensino, exclusivamente para fins de funcionamento de polo de educação a distância, na forma a ser estabelecida em regulamento e respeitado o limite da capacidade de atendimento de estudantes.

Nesse período, o todo-poderoso Paulo Leman, dono da AMBEV, comprou mais de 50 escolas. Coincidência ou não, foram escancaradas as portas à privatização do setor da educação pública brasileira.

Ao analisarmos os dados oficiais do Tesouro Nacional na série histórica das despesas por função, entre 1980 e 1999. Observamos que o orçamento PRIMÁRIO DA UNIÃO era composto por dezesseis (16) funções públicas. A Educação e Cultura compunham uma única função. A partir do ano 2000, o governo Fernando Henrique Cardoso – FHC, desmembrou as 16 funções públicas primárias em 27 funções públicas primárias, quebrando a série histórica anterior.

Entre 2000 e 2024, nos dados oficiais do SISTEMA INTEGRADO DE PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO – SIOP, destaquei no orçamento da EDUCAÇÃO os valores: EMPENHADO, LIQUIDADO E PAGO. Assim teremos uma visão macro do tratamento dispensado à Educação Pública no Brasil, nos últimos 24 anos, pelos governos de plantão em Brasília.

Antes de analisarmos os números da Educação, vamos explicar os três termos importantes que compõem o orçamento público federal: EMPENHADO, LIQUIDADO E PAGO. No jargão do direito orçamentário, toda despesa realizada pelo Estado ocorre em três estágios. A primeira etapa se chama EMPENHO. Nela, o órgão público reserva uma quantia para um determinado pagamento. A segunda etapa é a LIQUIDAÇÃO, nome que se dá ao momento em que o órgão adquire os bens ou contrata os serviços. Por fim, quando o dinheiro sai da conta, ocorre o PAGAMENTO.

Agora vamos analisar os números da Educação nos últimos 9 anos nos governos Bolsonaro e Lula. Em 2019, o VALOR EMPENHADO foi de R$ 114 bilhões. Apesar do dinheiro reservado, foi executado apenas R$ 94 bilhões. O governo Bolsonaro deixou de executar, com a Educação, cerca de R$ 20 bilhões. Como podemos observar, não faltou dinheiro, faltou vontade política.

Mas alguém pode questionar que o valor empenhado não é autorização de pagamento. Então vamos usar a segunda etapa – valor liquidado. Isso significa que a Educação adquiriu bens ou contratou serviços em 2019, no valor de R$ 98,4 bilhões. Mas executou apenas R$ 94,4 bilhões. Realizando uma simples operação matemática entre o valor liquidado – valor pago, constatamos que o governo Bolsonaro deixou de executar em 2019 cerca de R$ 3,97 bilhões. Considerando os quatro anos do seu mandato, entre 2019 e 2022, o governo Bolsonaro deixou de executar em favor da função da Educação cerca de R$ 16,9 bilhões. Portanto, a falta de recursos para a educação é pura falácia. Isso tem uma explicação legal. Tudo garantido na aprovação da lei ordinária – n0 11.943/2009, no seu Art. 13. O superávit do Tesouro Nacional poderá ser destinado ao pagamento da amortização da dívida pública.


ORÇAMENTO DA EDUCAÇÃO EM VALORES CORRENTE: EMPENHADOS – LIQUIDADOS – PAGOS – 2019 E 2024 – R$ MILHÕES

ANO VALOR EMPENHADO VALOR LIQUIDADO VALOR PAGO VALOR NÃO PAGO
2019 114.081.564.557 98.450.528.247 94.474.263.880 3.976.264.368
2020 105.396.349.945 92.057.853.484 88.075.831.717 3.982.021.768
2021 112.482.016.397 100.283.398.333 96.055.905.717 4.227.492.617
2022 128.227.253.200 114.580.436.134 109.777.765.094 4.802.671.041
2023 151.115.501.984 136.080.946.381 129.461.795.955 6.619.150.426
2024&nbsp 163.529.468.488 144.041.975.979 136.994.296.730 7.047.679.249
Total 774.832.154.571 685.495.138.560 654.839.859.092 30.655.279.468

Fonte: Sistema de Orçamento Federal – SIOP

Em 2008, foi aprovada a medida provisória n0 450, convertida na lei 11.943/2009. No seu artigo 13, garante que o excesso de arrecadação e o superávit financeiro das fontes de recursos existentes no Tesouro Nacional poderão ser destinados à amortização da dívida pública federal. Portanto, os recursos não executados na Educação e nas outras 26 funções primárias, provavelmente, foram destinados ao pagamento da Dívida Pública Federal. Mais uma das engenharias aplicadas pelos donos do poder financeiro para garantir lucros crescentes e vitalícios, a partir da captura do fundo público. O grande capital financeiro rentista e as grandes corporações utilizam como sua principal ferramenta de captura da Nação – a Dívida Pública Federal.

No gráfico 1, comparei os valores correntes da série histórica da Educação, entre 2000 e 2024, com os valores do PIB nominal, no mesmo período. Observamos que os investimentos da União com a Educação, pelos governos de plantão, nesses 24 anos, nunca passaram de 1,55% do PIB Nominal. Mesmo somando os valores investidos pelos Estados e Municípios, a reivindicação histórica do setor da Educação (10% do PIB) ainda é um sonho muito distante. Precisaremos intensificar a nossa luta, envolvendo principalmente a população brasileira nesse debate, em direção à melhoria da qualidade educacional brasileira.

Já no gráfico 3, comparei os valores nominais da Despesa Geral da União com o orçamento da Educação, usando como base os dados do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento – SIOP, no mesmo período. O gráfico é muito claro. Nesses 24 anos, o investimento com a Educação Federal nunca passou de 4,10% da Despesa Geral da União. Enquanto o gasto com o serviço da Dívida Pública Federal captura quase 50% da Despesa Geral da União. Um grande negócio da China.

A conclusão que chegamos, ao analisarmos os dados oficiais do governo federal. As 27 funções públicas primárias estão sendo desidratadas para garantir a sustentabilidade do pagamento à Dívida Pública Federal, acordado com o sistema financeiro, em conluio com a maior parte do Congresso Nacional, que está a serviço do grande capital financeiro rentista. A previsão aprovada na LOA/2025 para o pagamento da Dívida Pública Federal foi de R$ 2,529 trilhões. Em relação à previsão da LOA/2024 (R$ 2,472 trilhões), houve um crescimento de cerca de R$ 57 bilhões.  Já a previsão do orçamento para Educação em 2025 será cerca de R$ 177 bilhões. Qual será o valor executado com a Educação no final de 2025?

Portanto, a luta pela EDUCAÇÃO DE QUALIDADE precisa compor a agenda dos partidos mais progressistas, dos movimentos sociais, dos movimentos sindicais, dos servidores (as) públicos, nas três esferas de governo e da população em geral. Precisamos aumentar a resistência contra o desmonte do Estado Social Brasileiro, principalmente a Educação.

Paulo Lindesay, Coordenador da Auditoria Cidadã/Núcleo RJ e Diretor da Assibge-SN em captura de tela.

 

 

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