Por Laerte Braga.
Carlos Alberto Parreira jamais disse que o “gol é um detalhe”. Mas que “o gol é o detalhe”. Na avidez de criticar o antigo técnico da seleção brasileira de futebol, a mídia distorceu suas palavras e transformou-as numa espécie de estigma do anti futebol. Sem favor algum Parreira é um dos melhores técnicos de toda a história do esporte no Brasil ou no resto do mundo.
Ou como ele mesmo disse ao final de Copa do Mundo de 1994, em seguida à conquista do título, “is may way”. A Copa foi nos EUA e Parreira se referia à música consagrada na voz de Frank Sinatra. Quer dizer bem mais que o meu modo, o meu caminho. A certa altura da letra fala em “no regretes”, ou seja, sem arrependimento.
“É sem dúvida o nosso tempo… prefere a imagem à coisa, a cópia ao original, a representação à realidade, a aparência ao ser… Ele considera que a ilusão é sagrada e a verdade é profana. E mais: a seus olhos o sagrado aumenta à medida que a verdade decresce e a ilusão cresce, a tal ponto que, para ele, o cúmulo da ilusão fica sendo o cúmulo do sagrado” – Feuerbach, prefácio da segunda edição de A Essência do Cristianismo”.
Cá embaixo, no cotidiano da mídia tanto destituída de princípios como de grandeza, o momento em que o apresentador do JORNAL NACIONAL usa o personagem Homer Simpson para rotular o telespectador de idiota, de passivo diante de uma prática constante de alienação, sem ter a menor idéia de quem seja Feuerbach, ou qualquer pensador que não os anunciantes do tele jornal que apresenta, está apenas refletindo isso como zumbi também passivo, mas que aceita o vazio do espetáculo capitalista e se empenha em transformá-lo em verdade, algo assim como um soldado de 1984, a obra de George Orwell.
Millôr Fernandes tinha uma concepção simples e objetiva – como todas as que enunciava – sobre grandes obras públicas, ou sobre governos, enfim, sobre essa febre que chamam progresso e no duro mesmo é capitalismo, embora o jornalista, nesse momento não o dissesse.
“Não há automóvel que justifique a remoção de um só ser humano em nome do progresso”
A Justiça deu ganho de causa ao governo de São Paulo no caso da desocupação de Pinheirinhos e os políticos exibem uma pesquisa em que as pessoas à volta de Pinheirinho se dizem felizes com a remoção das famílias que lá estavam.
Em Belo Horizonte a Prefeitura da cidade promoveu ato semelhante numa comunidade. No Rio estão prestes a remover famílias da Vila Autódromo.
A justificativa? A necessidade de obras públicas para transformar a cidade, construir o futuro.
Quem se detiver numa análise simples sobre o período da Idade Média vai perceber semelhanças entre o que ocorre nos dias atuais e aquele tempo. Os castelos e seus barões, os servos ao redor, sujeitos as leis da opressão e da barbárie, típicas da classe dominante.
Os castelos hoje são o poder da tecnologia. Quem detém a tecnologia, esse saber que muitas vezes é predador, subjuga os que dela dependem.
O ser humano é detalhe. Os servos bem entendido. Os trabalhadores que gravitam ao redor dessa dimensão desumana e cruel de “progresso”.
Esse “detalhe” mais que nunca dá razão a Marx. É luta de classes. Nada além de luta de classes, disfarçada na parafernália do espetáculo, na alienação produzida pelo espetáculo, que leva um trabalhador a supor que vestindo uma calça jeans de marca, tal e qual um Eike Batista, na tal de produção em série, é também parte do que Eike é.
Darcy Ribeiro falava no abestado, aquele que ao encontrar, andando pelo mundo nos primórdios do ser, o seu semelhante, disparou temendo ter encontrado a morte, quando no inevitável momento se tocassem, sentissem o sal de cada um e começassem a partilhar e compartilhar, até que a primeira sombra, como disse Millôr, gerasse a propriedade privada.
Ou o mais esperto virasse rei, o mais inteligente o sumo sacerdote e os tributos fossem instituídos, com a garantia do mais idiota, no caso o mais forte, armado de borduna para garantir a lei e a ordem divinas.
Há quem diga que guerras são necessárias para que haja uma espécie de realocação das pessoas, antes que o mundo seja exaurido daquilo que o mundo pode no fornecer.
Se assim o for nem o mundo cristão tem sentido.
Remover pessoas para que um empresário notoriamente ligado ao crime organizado, Nagi Nahas, possa construir, por exemplo, um shopping, para regalo da classe média em tubos e tubos de catchup e mostarda nas pizzas americanizadas (Felini dizia que pizza com requeijão e frango não era pizza, era coisa de americano), é bem mais que um crime.
É o solene desprezo pelo ser humano. Pode ser sintetizado na frase do jornalista Boris Casoy – “mas que merda, o mais baixo trabalhador na escala social” – referindo-se aos garis.
Remoções em áreas urbanas, em áreas rurais, soam como rebanhos transferidos de um curral para outro, ou abandonados nos pastos, enquanto o governador Sérgio Cabral e amigos gastam fortuna em Paris e exibem o poder em solas de sapatos de suas caras metades, ao custo de cinco ou seis mil dólares.
São os detalhes do “progresso”. Os castelos ampliados.
A Constituição proíbe praias particulares. As temos aos montes em condomínios fechados e garantidas pela Polícia Militar. Uma “instituição” de pistoleiros a serviço das elites, da classe dominante. Teve sua extinção recomendada pelas Nações Unidas.
O trabalhador é um detalhe em todo esse processo. O trabalhador é um detalhe no capitalismo.
O número de suicídios de soldados dos EUA nas guerras travadas mundo afora na política terrorista de dominação supera o número de baixas em combate no Afeganistão.
Para Obama ou qualquer presidente norte-americano isso é um detalhe. Nem se fala nos milhões de civis massacrados desde o fim da Segundo Grande Guerra nas políticas de expansão do império terrorista que hoje se associa ao sionismo e faz com que desapareçam as nações emergindo ISRAEL/EUA TERRORISMO “HUMANITÁRIO” S/A.
Os norte-americanos têm um quarto dos detentos em todo o mundo e a esmagadora maioria formada por negros, mulheres e pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza. Manoel Santos, presidente da Colômbia e ligado ao narcotráfico, como as forças armadas de seu país e grupos paramilitares, são os principais aliados no combate ao “terrorismo”.
Um condenado à morte na câmara de gás, por exemplo, leva pelo menos um minuto para morrer, aspirando cianeto e ácido sulfúrico. Amarrado a uma cadeira, acorrentado. O ato macabro é antecedido por uma prece tipo “que Deus guarde sua alma e faça o julgamento final” e em seguida um médico assina um atestado de óbito em que declara que o condenado morreu “sem sentir dor”.
A dor está em Pinheirinho, está nas áreas desocupadas em Belo Horizonte, na Vila Autódromo no Rio de Janeiro, nas fazendas do latifúndio que nos serve transgênicos e agrotóxicos todos os dias. Nos assaltos/juros que os bancos praticam com dinheiro público para salvá-los. Está nas ruas entupidas de automóveis com IPI mais baixo para permitir o sonho do carro próprio à classe média, aos trabalhadores.
O estômago está vazio e professores são tratados como se animais fossem por governo desumanos e robôs do modelo, do sistema.
O ser é detalhe para o capitalismo. E não há alternativa sem luta nas ruas, sem coesão e unidade nessa luta, sem percepção que é luta de classes. Isso a despeito das milhares de ogivas nucleares que dispõem ou de governos erráticos como o nosso.
Mas não é o detalhe. É um detalhe desprezível do qual se lembram de quatro em quatro anos no período eleitoral. Como se eleições fossem um fim e não um instrumento, dentre vários outros, para construir a democracia popular.
É só um detalhe, nada além de um detalhe. Como o desempregado que salvo por um bombeiro ao tentar pular do alto de prédio, foi vaiado pela multidão que esperava pela “tragédia” para seguir seu caminho e conferir os detalhes no JORNAL NACIONAL. Ou pagar o dízimo nas igrejas.
E para cada um dos bilhões de trabalhadores/detalhes, incômodo, diga-se de passagem, existe um Ratinho, um Faustão, um Huck, um Gugu, uma novela, para garantir o horário comercial do JORNAL NACIONAL.
Imagem: Lute