Brasil tem um dos piores perfis de distribuição de renda do mundo. Pelo Coeficiente de Gini, o Brasil é o 10º país mais desigual do globo e o quarto da América Latina, à frente apenas de Haiti, Colômbia e Paraguai. Um relatório de outubro da ONG britânica Oxfam a respeito da desigualdade social no Brasil, revela que os seis brasileiros mais ricos possuem a mesma riqueza que os 100 milhões de brasileiros mais pobres. Estudo divulgado no ano passado pela equipe do economista Thomas Piketty, que classifica a manutenção da desigualdade no Brasil como “chocante”, constatou que a renda média dos 90% mais pobres no Brasil é semelhante à dos 20% mais pobres na França, o que revela, como lembra o estudo, que o Brasil carece de uma vasta classe média. Segundo o referido trabalho, por outro lado, o 1% mais rico no Brasil tem renda superior ao 1% mais rico na França, o que revela a desigualdade de renda no Brasil. A desigualdade brasileira também fica evidente nas comparações relativas à gênero. Mesmo com maior escolaridade, segundo a ONU, a renda per capita da mulher é 66,2% inferior à dos homens.
Até 2014, quando os indicadores de renda vinham melhorando gradativamente, foram determinantes políticas, como: a) geração e formalização de empregos; b) valorização dos salários, com aumentos reais no salário mínimo; c) repasses da Previdência Social; d) aumento das transferências governamentais para os estratos de menores rendas (Programa Bolsa Família e Benefício de Prestação Continuada); e) combate à pobreza e à fome; f) formas de acesso da população ao consumo e à renda e ampliação do mercado interno de uma forma geral. Quando a crise mundial apertou, o golpe veio, também para interromper esse processo de melhoria da distribuição de renda. E não só por razões econômicas, mas também por motivações políticas e culturais. A melhoria de vida dos pobres despertou, inclusive, um ódio desenfreado destinado àqueles que melhoravam de vida, talvez originário do ódio destinado aos escravos, durante a secular prática da escravidão no Brasil.
O enfrentamento da grave crise atual requereria políticas que o Brasil vinha colocando em prática até 2014. Porém, com o golpe e a aplicação de um ultra liberalismo completamente fora de moda, que nem o Fundo Monetário Internacional (FMI) recomenda mais, é como se o Brasil tivesse sido invadido por uma potência inimiga. O catálogo de maldades dos golpistas está sendo encaminhado de forma muito veloz, para evitar reação social, e tudo indica que a destruição está só no seu início. Por exemplo, nitidamente querem acabar com o que for possível de serviços públicos como previdência social, SUS, ensino superior gratuito e o que for possível destruir enquanto estiverem no poder.
Apesar das análises enganosas de alguns economistas ligados ao golpe, não se observa reação consistente dos indicadores da economia, como mostrou o crescimento do PIB no 3º trimestre do ano, de meros 0,1%. O país atravessa a mais grave recessão da história, com dois anos e meio de queda da produção industrial, diminuição da renda e elevação do desemprego. O conjunto de ações do golpe vai contra os interesses da maioria e do mercado consumidor interno, a começar pelo seu núcleo central: a) destruição da regulação trabalhista; b) congelamento de gastos por 20 anos (Emenda da Morte); c) destruição da seguridade social; e assim por diante.
Todo este quadro já está levando à elevação da fome e da miséria no país. Portanto, é elevado também o risco de golpe militar, que, para quem presta atenção nos sinais, vem sendo repetidamente sinalizado. Os dados não trazem motivos para otimismo. Só a ação corajosa, contínua e perseverante dos brasileiros (as) é que poderá nos dar razões para otimismos no futuro.
[avatar user=”Jose Alvaro Cardoso” size=”thumbnail” align=”left” link=”attachment” target=”_blank” /]José Álvaro Cardoso é economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.