Por Joana Tavares. Classificado como maior tragédia do setor no Brasil, impactos de rompimento das barragens em Mariana ainda não são mensuráveis.
Em Paracatu de Baixo, um pequeno distrito de Mariana, na Região Central de Minas Gerais, quase todas as casas, escola, bares, comércio, igreja, quadra estão cobertos ou soterrados pela lama, que chegou três horas depois do rompimento das barragens de rejeitos de Fundão e Santarém, da mineradora Samarco, no distrito de Bento Rodrigues, também em Mariana. Duas semanas depois do terror, a comunidade parece um cenário de guerra: os espaços do que antes eram ruas – agora trilhos escorregadios de lama pesada – estão desertos, os cachorros abandonados perambulam em busca de água limpa. Há alguns caminhões e escavadeiras que retiram, lentamente, parte dos rejeitos. Os poucos homens que trabalham são de empresas terceirizadas pela Samarco, como a Integral, a mesma para a qual prestavam serviço a maior parte dos trabalhadores que estavam dentro das barragens no momento do rompimento.
Em frente a uma casa imponente e impecavelmente limpa, sem um traço de barro, quatro trabalhadores, igualmente limpos, ficam de plantão. Nenhum deles quer se identificar ou conversar com a reportagem – “quem fala é só a Samarco mesmo”, diz um deles – mas acabam escapando que ali é uma casa de campo de um diretor da Vale, a companhia que detém 50% das ações da Samarco, junto com a outra gigante BHP Billiton.
O diretor, no entanto, não está lá. O Corpo de Bombeiros, a Polícia Militar, a Assistência Social também não. Nenhum representante da prefeitura ou do estado faz qualquer tipo de acompanhamento do trabalho dos funcionários da Integral ou conversa com as poucas pessoas que permanecem na pequena cidade fantasma.
E parece que foi assim nos dias anteriores também. E no próprio dia da tragédia. Os moradores contam que estavam no campo da comunidade se preparando para começar um jogo de futebol, por volta de oito horas da noite, quando um helicóptero dos Bombeiros passou, avisando que tinham 15 minutos para sair dali. Eles já sabiam do desastre que havia chegado a Bento Rodrigues, a muitos quilômetros, mas não tinham certeza se a lama chegaria também em suas casas.
O helicóptero avisou, mas ninguém desceu para ajudar na retirada forçada. Nenhum órgão – público ou da empresa – acompanhou o momento em que a água do rio Gualaxo do Norte se transformou em mistura pesada de barro, restos de matéria orgânica, corpos de animais e pessoas mortas, invadindo a vida de mais de 300 pessoas que viviam em Paracatu de Baixo.
“Aqui toda vida foi um lugar bom de viver. Tinha a igreja, que a gente vinha todo domingo. Tem hora que a gente fica chocado pelo que aconteceu. Deus protegeu e minha casa não foi atingida. Essa propriedade aqui é minha e eu não vou embora e largar ela não. A gente é pobre, lutou muito pra conseguir”, diz seu Divino dos Passos, um dos poucos que permaneceu morando lá, apesar da falta de água, de luz e de informação.
Mas ele não acredita que as empresas possam ter algum tipo de responsabilidade pela situação. Não acredita ou não quer dizer: “Isso é coisa fatal. Não posso falar que a mineradora é culpada porque isso é culpa da vida. Não posso dizer que ela é ruim. Aqui na região muitas pessoas trabalham nela. Então a gente não pode falar que é ruim. Você sabe como é, né?”. Até agora, só quem passou por lá oferecendo algo a seu Divino foram trabalhadores da empresa. Eles ofereceram água e “alguma coisa para consertar a casa”.
A mulher e filhos de seu Divino foram para “hotéis” e pousadas na cidade de Mariana, assim como a maior parte dos atingidos de lá e de Bento Rodrigues. O acesso aos locais é controlado por funcionários da empresa. Faltam armários, estrutura para lavar roupas e espaço. Outras pessoas foram ainda para casas de parentes em diversos municípios e distritos da região e não estão recebendo assistência.
Lama tóxica
O roteiro de Paracatu de Baixo se repete ao longo das dezenas de cidades e distritos diretamente afetados na região: falta de informação, falta de suporte, descaso, medo. Em Barra Longa, município a 60 km do local do rompimento, a lama chegou doze horas depois. Também sem aviso prévio. Rafaela Siqueira Mol, comerciante, lembra que a madrugada do dia 5 de novembro foi de terror. Ela ajudava sua tia, dona Margarida, a retirar seus materiais de bordado – em preparação para uma feira de artesanato – quando a água chegou, tão pesada que foi difícil abrir a porta da casa para sair. “O rio estava enchendo devagar. Vinha muita sujeira, mas o pessoal falava que nem do leito ia sair. Lá para as três horas da manhã um policial disse que tudo seria alagado”, lembra.
Dona Margarida morava na praça principal de Barra Longa. A simpática quadra que abrigava o portal da cidade foi inundada pela lama, de onde foi retirada uma perna uma semana depois da tragédia. Mais de três metros de barro cobriram a casa da bordadeira, que perdeu tudo.
Os moradores se revezaram em mutirão para ajudar uns aos outros. Mas sem apoio da prefeitura, vereadores ou da empresa. O que se vê são os mesmos trabalhadores terceirizados, além da população, limpando a sujeira. Também sem avisar para onde estão sendo levados os rejeitos.
A lama que destruiu o povoado de Bento Rodrigues e matou dezenas de pessoas (o número oficial por enquanto é 11, mas estima-se em muito mais), arrasou Paracatu de Baixo, inundou a praça de Barra Longa, chegou ainda a dezenas de comunidades rurais e distritos como Gesteira, Paracatu de Cima, Ponte do Gama, Pedras, Campinas, entre outros, na região de Mariana.
A lama segue agora seu caminho na bacia do Rio Doce. Deixou Governador Valadares, a 300 km, sem água por sete dias. Atingiu Colatina, no Espírito Santo. Vai ainda chegar ao mar e impactar outros milhares de quilômetros de água oceano adentro. A mortandade de peixes, na piracema, já é lamentada por pescadores. O impacto na vida aquática em geral é impossível de medir.
Eduardo Barcelos, professor da Escola Politécnica Joaquim Venâncio/Fiocruz e engenheiro ambiental formado pela UFOP, destaca que a lama, além de seus componentes tóxicos, arrastou consigo outros materiais, como matéria orgânica (plantas, animais, pessoas, pastos, plantações) e restos de construção, além de fossas sépticas, tubulações de esgoto e outros. Ela é dura, parece um cimento, e pode ser vista muito metros acima dos rios que cortam a região.
“Esse material é uma mistura de água com lama que vem do processamento do ferro. Essa lama contém metais, de componentes tóxicos e cancerígenos. A concentração desses metais no corpo – não só humano – mas no solo, nas águas, nos animais, pode gerar consequências graves. A reação do metal no metabolismo não é imediata, mas de médio e longo prazo”, destaca.
Ele lembra ainda que se inicia agora o período chuvoso em Minas, que vai de novembro a fevereiro. E como a região é montanhosa, a tendência é que a lama escoe ainda mais rápido. “Esse material não vai ficar parado aqui. Ele vai atingir ainda muitos outros lugares”, frisa.
Os órgãos ambientais demoraram para dar pareceres oficiais sobre a composição da lama. Enquanto isso, a sociedade se mobilizou – inclusive com financiamento coletivo – e produziu algumas pesquisas. A Samarco e a Copasa negam a existência de metais pesados na água, mas laudos independentes e outro realizado a pedido da prefeitura de Baixo Guandu, no Espírito Santo, contestam a informação.
O Instituto Mineiro de Gestão de Águas (Igam) soltou resultados preliminares de sua análise, dizendo que “com os resultados preliminares dos parâmetros oxigênio dissolvido, pH, condutividade elétrica e turbidez na água, verificou-se que esses dois pontos apresentaram resultados de oxigênio dissolvido e turbidez em desacordo com os limites da legislação”.
A mesma linguagem distanciada e pouco clara é usada por outros órgãos públicos, que se esquivam de dar respostas conclusivas para a população que teme, inclusive, o rompimento de uma terceira barragem, três vezes o tamanho de Fundão.
Ameaça da Germano
O fantasma de Germano já ronda a região há muitos anos. Já se fala do risco de rompimento da imensa barragem, a mais antiga da região, de 1978, pelo menos desde 2005. Os trabalhadores tinham medo de ficar lá à noite. Santarém e Fundão são vizinhas, e menores. Apesar de a Samarco, 12 dias depois, afirmar que apenas Fundão rompeu, os moradores entendem que não é bem assim. E vivem torturados com o risco de um “acidente” ainda maior.
Em matérias na imprensa, a Samarco afirma que no dia 18 começou a contenção no Rio Doce e que está fazendo obras nas barragens de Germano e Santarém, que devem levar três meses para ficarem prontas. Diz ainda que monitora 24 horas a região e que, desta vez, as sirenes de alerta devem funcionar caso haja rompimento. A empresa admite esse risco.
A origem das minas dos Gerais
A mineração é da idade da região. Começou nos tempos de colônia. Aliás, foi nessa região que se fundou Minas Gerais, 300 anos trás, justamente com a exploração de minas de ouro. Esgotado o ciclo, foi a vez do ferro. E, nas pequenas cidades, está inscrito na memória das pessoas, que ouviram de seus avós e eles dos avós deles: quanto tem mina, tem trabalho. E dinheiro.
As antigas casas dos barões hoje são sedes ou propriedades de empresas. São muitas minas em atividade – como Timbopeba, Alegria, Fábrica Nova, São Luís – várias desativadas e outras prontas para começar a operação. Empresas são basicamente duas, a Vale e a Samarco, que exploram o minério de ferro. É o chamado “Complexo Mariana”.
Processos da mineração
Funciona mais ou menos assim: identifica-se uma mina (um morro ou serra) com concentração de ferro. As mineradoras começam a lavrar, que é o processo de extração do minério, com explosivos para desmontar a rocha. Depois o minério vai para britagem e moagem, para reduzir o tamanho do grão, até que o ferro vire pó. Isso é feito em usinas específicas, e não leva água. O que sobra desse processo é chamado estéril. Onde se aloca esse resíduo, o solo fica impróprio para agricultura ou qualquer outra atividade.
Depois o minério vai para a flotação, para fazer o refino, com o uso de água. Nessa fase, se usam reagentes para separar o ferro, como a amina, que é um composto de nitrogênio. Os restos dos compostos serão despejados, junto com a água contaminada, na barragem de rejeitos. Na região, são três as principais barragens, interligadas, que recebem os rejeitos das diversas minas: Fundão, Santarém e Germano, a maior e mais antiga de todas, que está sendo monitorada pela Samarco.
Depois, o pó segue para o último processo, que é o refino para a formação de pelotas, o produto final. São pequenas bolinhas prateadas que viram matéria-prima para a produção do aço e seus derivados.
Parte é transportado por ferrovias – no caso, que se liga à Vitória-Minas, até Porto Tubarão, em Vitória (ES) – e outra parte, ainda em forma de polpa de minério, é enviada por minerodutos. A Samarco possui três minerodutos em Minas, que saem da região de Mariana até Anchieta, também no Espírito Santo, onde se faz a pelotização. Esses dutos gigantes têm como meio condutor a água e funcionam 24 horas. Segundo o Comitê nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração, eles gastam uma média de 4.400 m³ de água por hora.
Em Minas Gerais, há poucas siderurgias, que agregam valor a essas pelotas de ferro e a transformam em aço ou ligas metálicas. Uma grande porcentagem das pelotas vai para a China, que revende eletroeletrônicos e outros produtos para o Brasil.
Licenças e condicionantes
“Na exploração de minério de ferro hoje, a única solução que a mineração dá para o tratamento do rejeito é a barragem. Hoje só existe essa tecnologia”, explica o engenheiro ambiental Eduardo Barcelos. Ele detalha que a mineração de ferro precisa da extração de grandes quantidades de material, para ser lucrativa. “Então a megamineração de ferro produz muito resíduo mesmo. E o jeito que eles sabem fazer é somente esse”, complementa.
As minas, usinas e barragens precisam de licenciamento do Estado. Atualmente, o processo precisa passar pelo Copam (Conselho de Políticas Ambientais) e outros órgãos. Mas isso não garante uma participação isonômica da sociedade civil, que tem menos representação que as empresas e precisa justificar seu voto, com provas, caso seja contrária a algum projeto. Em caso de concordância, basta dizer ‘sim’.
Para ser concedida a licença, se colocam condicionantes, que são etapas que o empreendedor precisa cumprir para colocar a atividade em operação. Toda licença ambiental tem validade, de duração variável. Na renovação, novas condicionantes são pedidas, como monitoramento e programas de comunicação com as comunidades.
Marcilene Ferreira, da Rede Nacional de Advogados Populares e moradora de Catas Altas, acompanhou todo o processo de concessão das licenças. Ela explica que, como as barragens são antigas, os processos vão se misturando, sem que condicionantes sejam cumpridas. Ela frisa a responsabilidade do poder público, que deixa que as licenças sejam renovas, postergando responsabilidades.
Foi o caso da barragem de Fundão. Em 2007, deveria ter sido entregue uma avaliação de ruptura. Essa condicionante voltou a entrar na revalidação da licença em 2013, assim como a construção de ações emergenciais de preparo às comunidades para situações de risco. Em 2014, a Samarco avisou ao governo que não faria esse preparo. “Não tinha um plano de evacuação ou mesmo mecanismos de alerta, como sirenes”, pontua.
Moradores de Bento Rodrigues, a comunidade mais perto das barragens, contam que quem avisou as famílias do rompimento foi uma trabalhadora terceirizada, que saiu em sua moto alertando as pessoas para deixarem o local. Mesmo doze horas depois, como foi o caso de Barra Longa, também não houve avisos da Samarco para que a população pudesse proteger seus bens.
Projeto de Lei
No começo de outubro, o governador Fernando Pimentel (PT) enviou à Assembleia Legislativa de Minas Gerais, em regime de urgência, o Projeto de Lei nº 2.946/2015, que altera o Sistema Estadual de Meio Ambiente (Sisema), com a intenção, entre outros pontos, de dar “mais agilidade aos processos de licenciamentos”. Se o PL for aprovado, a competência para conceder ou não uma licença passa a ser exclusiva do Executivo.
Marcilene critica o PL e explica: “É como se a gente desse uma carta branca para o governador. Se ele quiser acelerar qualquer licenciamento, com canetada ele faz isso, sem consultar sequer o Legislativo”.
Ela reforça que são necessárias mudanças na legislação. A principal delas é a participação das comunidades atingidas em todas as etapas do processo, e não só na fase de licença prévia, como é hoje. “É preciso disposições para fortalecer os pareceres dos órgãos públicos e impedir que a própria empresa se monitore”, destaca.
No dia seguinte ao rompimento da barragem, durante Fórum Brasileiro de Mineração que acontecia em Belo Horizonte, o secretário de Estado de Desenvolvimento Econômico, Altamir Rôso, classificou a Samarco como “vítima do rompimento” e disse que a fiscalização ambiental precisa deixar de ser realizada pelo Estado e passar para a responsabilidade da iniciativa privada.
Privatização e vale tudo
“Não há governança sobre os recursos minerais no Brasil, não há política de Estado. Desde a privatização da Vale, quem define tudo da mineração no país são as empresas”, avalia Maria Júlia Gomes Andrade, do Movimento pela Soberania Popular na Mineração. Ela cita como exemplo o ritmo de exploração das minas, o modelo de concessão, o investimento dos recursos, as facilidades jurídicas para as empresas, em detrimento das comunidades atingidas.
Em 1996, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso enviou ao Congresso a Lei Kandir, que isenta todas as empresas que exportam produtos brutos, como o minério, de pagamento de Imposto por Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), uma cobrança estadual. Com isso, bilhões deixam ser recolhidos em impostos, além da isenção de diversos pagamentos (como descontos em água e luz), e a sonegação.
Um ano depois, a estatal Vale do Rio Doce, estimada na época em R$ 30 bilhões, foi vendida por R$ 3,3 bilhões, em um processo cheio de irregularidades e questionado até hoje na justiça.
Marco regulatório
Desde 2013, está em discussão na Câmara dos Deputados um projeto de lei que reestrutura o marco regulatório da mineração no Brasil. Entre os principais pontos, estão a taxa de CFEM (que são os royalties da mineração), a forma de concessão da exploração das minas e a criação de uma agência nacional que regule o setor.
Movimentos e organizações da sociedade civil questionam o conteúdo do novo marco, pois apontam que não existe nenhum nível de proteção sócio-ambiental para os atingidos. Eles defendem que a mineração no país vai além de uma discussão administrativa e tributária. “Na prática, este código como está quer intensificar a produção, na medida em que fragiliza ainda mais as comunidades que vivem em torno dos empreendimentos e flexibiliza ainda mais os mecanismos de proteção às aguas e ao meio ambiente como um todo. Durante a discussão do marco, as empresas foram ouvidas, mas a população teve muito pouco espaço para uma participação real”, critica Maria Julia.
A Comissão especial que havia sido formada para analisar o texto venceu o prazo formal e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB/RJ) criou, em outubro, uma nova comissão, que ainda aguarda a indicação dos partidos para que comece a operar. Nesta semana, após a tragédia de Mariana, Cunha anunciou que vai colocar o tema de novo em regime de urgência.
Leonardo Quintão (PMDB/MG), foi relator da comissão anterior, e é um defensor das empresas mineradoras na Câmara. Quase metade, 42%, dos custos de sua campanha foi financiada pelo setor. “O setor ambientalista que não quer (votar), é contra a mineração no Brasil. Mas o meu Estado (Minas) depende do setor, a vida humana depende disso (da mineração)”, disse Quintão, para a revista Exame.
Empresas e Estado
A Vale, que detém metade ações da Samarco, e a australiana e maior mineradora do mundo, BHP Billiton, a outra metade, não têm emitido opiniões oficiais, a não ser os clássicos lamentos. Quem tem respondido pelo ocorrido é a Samarco. Foi em sua sede em Mariana que o governador do estado, Fernando Pimentel, deu coletiva de imprensa no fim de semana da tragédia, é lá que fica a Polícia Militar, Defesa Civil, Corpo de Bombeiros e outros. São seus trabalhadores que ficam nos hotéis impedindo acessos e que impedem a chegada em Bento Rodrigues. Foi um de seus diretores, Kleber Terra, de Operações e Infraestrutura, que disse que a empresa não “precisa pedir desculpas à população”.
A empresa tem dito que está fazendo obras de contenção nas barragens e prestando ajuda aos atingidos. “A Samarco está focada na mitigação das consequências sócio ambientais com total compromisso perante a sociedade e o meio ambiente, prestando toda a assistência necessária”, disse em nota depois que seu presidente teve pedido de habeas corpus concedido pelo Tribunal de Justiça do Espírito Santo, que impede que ele seja preso durante a investigação criminal em curso sobre as causas do rompimento.
Além das investigações da Polícia Civil e Federal, a presidência da república e governo do estado criaram um “Comitê de Gestão e Avaliação de Respostas”. A Assembleia Legislativa montou uma comissão especial sobre barragens que vem realizando audiências sobre o caso.
“É evidente que a empresa, a Vale, estava trabalhando no limite da irresponsabilidade. Sem tirar a responsabilidade do Estado, a responsabilidade direta é dela. Esse é um dos pontos que vamos analisar. O segundo ponto é traçar qual o quadro da mineração em Minas”, diz Rogério Correa, relator da comissão, deputado estadual do PT. Depois de levantados e encaminhados os documentos, será decidido se será montada uma CPI.
Negociação e expectativas
O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), que acompanha os atingidos desde o dia da tragédia, junto com a Arquidiocese de Mariana e outras organizações, entregaram um ofício ao governador e à presidenta cobrando um plano emergencial de atendimento às famílias – que contempla o pagamento de um salário mínimo por pessoa, moradia digna entre outros –, o reassentamento de qualidade, reestruturação das atividades produtivas, levantamento dos danos e plano de recuperação para toda a bacia e “a participação ampla dos atingidos em todas as etapas do processo”.
Na última quarta (18), MAB, atingidos, arquidiocese e outros tiveram a primeira reunião com representantes da mineradora, em uma mesa de negociações mediada pelo governo. Joceli Andrioli, da direção do MAB, denunciou que a Samarco está violando um direito fundamental dos atingidos, que é o direito à auto-organização.
Beatriz Cerqueira, presidenta da CUT Minas, também reforça o coro contra a postura da empresa e do governo: “Livremente, a Samarco chantageia a cidade de Mariana pelo poder econômico e pelos impactos que a suspensão do seu trabalho na região causará. Muita gente já está dando retorno do investimento que as mineradoras fizeram nas eleições de 2014. Na verdade, quem está pagando esta conta é o povo”, escreveu, em balanço sobre as audiências que tem participado.
Os movimentos e organizações envolvidas no acompanhamento dos atingidos reforçam a todo tempo: ainda não temos uma dimensão da tragédia. Sem precedentes na história da mineração do Brasil, ela traz à tona as contradições do modelo de exploração do meio ambiente e da população, além do papel das empresas e do Estado.
Ela reflete um modelo, que segue em operação não só na região de Mariana, mas no país. “Não podemos aceitar que nossas comunidades sofram esse impacto. Não podemos tolerar essa afronta, a forma como as informações estão sendo negadas pelas empresas e o descaso com as pessoas que perderam seus entes queridos e sua estrutura de vida. A BHP Billiton, a Samarco – que na verdade é Vale – exploram tudo aqui e nós não vemos a cor do dinheiro. A Vale, que antigamente era do Rio Doce, matou o rio Doce”, resume Sandra Vita, da associação comunitária nascentes e afluentes da Serra do Caraça e moradora do distrito de Morro Água Quente, distrito de Catas Altas.
Foto: Reprodução/Brasil de Fato
Fonte: Brasil de Fato