Os bastidores econômicos do governo federal. Tem ou não tem dinheiro?

Por Paulo Lindesay – Diretor da ASSIBGE-SN / Coordenador do Núcleo Sindical Canabarro / Coordenador da Auditoria Cidadã Núcleo RJ
PIB dos últimos 12 meses em valores correntes (janeiro/2024) – R$ 10,944 trilhões

Antes de analisarmos os dados oficiais do governo federal, precisamos esclarecer alguns conceitos básico de dados financeiros: Operação Compromissada, Conta Única do Tesouro, Reserva Internacional e Depósito Voluntário Remunerado.

1 – O que é uma operação compromissada?

Uma operação compromissada é definida pela venda de títulos públicos com o compromisso de recomprá-lo em um prazo determinado, pagando juros diários, sendo que, o comprador também assume o compromisso de revender o título – sempre na data estabelecida e pelo preço que foi combinado.

Saldo das operações compromissadas, em janeiro de 2024 – R$ 1,411 trilhão ou 12,9% do PIB.

2 – O que é Depósito Voluntário Remunerado?

Com os depósitos voluntários remunerados, as instituições financeiras podem realizar depósitos de recursos no Banco Central pelo prazo de 1 dia útil. Depois, recebem esses recursos com uma taxa de remuneração. A taxa de remuneração é definida pelo Banco Central, com o objetivo de ajustar a taxa Selic efetiva.

Saldo do depósito voluntário remunerado, em janeiro de 2024 – R$ 134,1 bilhões ou 1,2% do PIB.

3 – O que Conta Única do Tesouro?

A Conta Única do Tesouro Nacional, mantida no Banco Central do Brasil, acolhe todas as disponibilidades financeiras da União, inclusive fundos, de suas autarquias e fundações. Constitui importante instrumento de controle das finanças públicas, uma vez que permite a racionalização da administração dos recursos financeiros, reduzindo a pressão sobre a caixa do Tesouro, além de agilizar os processos de transferência e descentralização financeira e os pagamentos a terceiros.

Saldo na conta única do tesouro, em janeiro de 2024 – R$ 1,493 trilhão ou 13,6% do PIB.

4 – O que são as reservas internacionais?

Reservas internacionais – ou reservas cambiais – são ativos (crédito) que os países possuem em moeda estrangeira. No caso do Brasil, essa moeda é majoritariamente o dólar.

Essas reservas funcionam como uma espécie de seguro para o país garantir o cumprimento das suas obrigações no exterior, como empréstimos com outros países, por exemplo. Além disso, também auxiliam na estabilidade diante de choques de natureza externa, como crises cambiais (lembram da crise financeira internacional de 2008?), e de interrupções nos fluxos de capital para o país.

Saldo das reservas internacionais, em fevereiro de 2024 – US$ 352 bilhões ou R$ 1,750 trilhão (dólar em fevereiro/2024: R$ 4,973).

Os recursos no cofre do governo federal, em 4 fontes (janeiro e fevereiro/2024): R$ 4,789 trilhões ou 43,75% do PIB corrente de dezembro de 2023:
  • Operações Compromissadas – Saldo janeiro/2024 – R$ 1,411 trilhão ou 12,9% do PIB;
  • Depósitos Voluntários Remunerados – Saldo janeiro/2024 – R$ 134,1 bilhões ou 1,2% do PIB;
  • Saldo na Conta Única do Tesouro Nacional – Saldo janeiro/2024 – R$ 1,493 trilhão ou 13,6% do PIB;
  • Reservas Internacionais – Saldo fevereiro/2024 – US$ 352 bilhões (dólar R$ 4,973) – R$ 1,750 trilhão ou 15,99% do PIB.
5 – Arrecadações de receitas federais – 2023 e janeiro de 2024:

Arrecadações de receitas federais (janeiro e dezembro de 2023) – R$ 2,318 trilhão ou 21,32% do PIB corrente em dezembro/2023.

Considerando as 4 fontes de recursos federais: R$ 4,789 trilhões + arrecadações de receitas federais = R$ 2,318 trilhão.

O governo federal tem estoque em recursos federais na ordem de R$ 7,137 trilhões e crescendo. Esse colchão de liquidez está colocado à disposição de quem? Deus mercado ou povo brasileiro?

Comparando as arrecadações de receitas federais de 2022 (R$ 2,218 trilhões) e 2023 (R$ 2,318 trilhões). Podemos constatar que houve um crescimento de receitas federais, na ordem de R$ 100 bilhões. Se recuarmos um pouco mais no tempo e compararmos as arrecadações de 2021 e 2022, vamos constatar que houve um crescimento da arrecadação de receitas federais na ordem de mais R$ 340 bilhões, em apenas um ano.

Em 2022, o recorde da série histórica de arrecadações de receitas federais – R$ 2,218 trilhões. Mas ao final de 2023, esse recorde, em valores correntes foi quebrado – R$ 2,318 trilhões. Como podemos observar os números das arrecadações de receitas federais, seguem uma trajetória de crescimento. Na recente divulgação de dados fiscais da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB), os números de janeiro de 2024 apontam para um recorde na arrecadação das receitas federais, alcançando a cifra de R$ 280,6 bilhões. Portanto, essa é uma notícia animadora para os interesses dos servidores(as) públicos federais, para nossa campanha salarial 2024.

6 – Reservas internacionais:

Outro destaque importante a fazer. Entre junho de 2019 (US$ 388 bilhões) e dezembro de 2022 (US$ 324 bilhões), o governo Bolsonaro queimou das nossas reservas internacionais, cerca de US$ 64 bilhões (dólar em dezembro/2022: R$ 5,34) ou R$ 342 bilhões. O deus mercado, a grande mídia e os asseclas de plantão, não deram nenhum destaque na queima de mais de R$ 342 bilhões das nossas reservas internacionais. Onde o governo Bolsonaro gastou cerca de R$ 342 bilhões das nossas reservas internacionais?

A partir da eleição do presidente Lula, as reservas internacionais começaram a ser recompostas. Entre dezembro/22 (US$ 324 bilhões) e dezembro/23 (US$ 355 bilhões), cresceu cerca de US$ 31 bilhões. A quem interessa a recomposição das nossas reservas internacionais? O governo Lula não pode usar parte das nossas reservas internacionais para investir na estrutura do Estado brasileiro, na melhoria dos serviços públicos e nas reestruturações das carreiras federais? Não acredito que haja nenhum impedimento legal. Já que o governo Bolsonaro queimou mais US$ 64 bilhões ou R$ 342 bilhões das nossas reservas internacionais e ninguém reclamou. Em fevereiro de 2024, as reservas internacionais foram reduzidas em cerca de US$ 3 bilhões.

7 – Receita corrente líquida X despesa com pessoal – dado consolidados (2023):
  • Receita Corrente Liquida (RCL) – janeiro e dezembro de 2023 – R$ 1,233 trilhão;
  • Despesa Total com Pessoal – Poder Executivo Civil – janeiro e dezembro de 2023 – R$ 321 bilhões ou 25,99 % da RCL;
  • Limite Máximo da LRF – janeiro e dezembro de 2023 – R$ 617 bilhões ou 50 % da RCL;
  • Limite Prudencial da LRF – janeiro e dezembro de 2023 – R$ 586 bilhões ou 47,5 % da RCL;
  • Limite de Alerta da LRF – janeiro e dezembro de 2023 – R$ 555 bilhões – 47 % da RCL;
  • Despesa com Pessoal do Poder Executivo Civil – – janeiro e dezembro de 2023 – (R$ 321 bilhões) em relação ao PIB corrente janeiro de 2024 (R$ 10,944 trilhões) = 2,93% do PIB.

OBS.: Como podemos observar, os governos federais, ao longo dessa pequena série histórica, entre 2010 e 2023, nunca utilizaram os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal para despesa com Pessoal da União (máximo – R$ 617 bilhões ou 50% da RCL, prudencial – R$ 586 bilhões ou 47,50% e alerta – R$ 555 bilhões ou 45%).

Usando a Despesa com Pessoal Consolidada de 2023, podemos confirmar os nossos argumentos. A Despesa com Pessoal consolidada R$ 321 bilhões ou 25,99 % da RC, estava muito longe do pior limite, o de alerta (R$ 555 bilhões). O governo federal poderia ter executado parte dos R$ 234 bilhões do limite prudencial para reestruturar as carreiras públicas. Como podemos afirmar, nem o Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF, seria impedimento legal para o aumento com a Despesa com Pessoal.

Usando o PIB Nominal como referência em relação a Despesa com Pessoal/Encargos Sociais, entre 2010 e 2023. Podemos constatar que a média percentual da Despesa com Pessoal em relação ao PIB, nunca chegou a 5%. Com os dados consolidados de 2023, a Despesa com Pessoal chegou a pouco mais de 2,93% do PIB.

Pagamentos com correção monetária e cambial da dívida mobiliária (dívidas em títulos públicos) entre 2018 e janeiro de 2024 – R$ 1,392 trilhão.

Analisando a série histórica da Despesa da União, por função, entre 2018 e janeiro/2024, vamos encontrar dados referentes aos pagamentos das correções monetárias e cambiais da dívida mobiliária (títulos), valores esses contidos nos Encargos Especiais/Refinanciamento. Em pouco mais de 72 meses, os governos federais, sangraram os cofres públicos em mais de R$ 1,392 trilhão.

Comparando a execução orçamentária da educação, entre 2018 e janeiro/2024, no SIOP cerca de R$ 629 bilhões. Em relação ao pagamento efetuado a título de correção monetária e cambiária da dívida mobiliária. O pagamento representa mais de 2,2 vezes o orçamento da educação no período.

Orçamento da educação federal entre 2018 e 2023 – valores correntes consolidados – R$ 613,415 bilhões.
  • Educação 2018 – R$ 95,589 bilhões
  • Educação 2019 – R$ 94,474 bilhões
  • Educação 2020 – R$ 88,076 bilhões
  • Educação 2021 – R$ 96,056 bilhões
  • Educação 2022 – R$ 109,778 bilhões
  • Educação 2023 – R$ 129,462 bilhões

O pagamento realizado, em 2022, a título de correção monetária e cambial da dívida mobiliária – R$ 352 bilhões. Representou mais de 3,2 vezes o orçamento da educação. Até janeiro de 2024, o pagamento a título de correção monetária e cambial da dívida mobiliária, já consumiu cerca de R$ 73 bilhões. Qual será o tamanho do sangramento aos cofres públicos ao final de 2024?

Pagamentos de correção monetária e cambial da dívida mobiliária entre 2018 e janeiro de 2024 – R$ 1,392 trilhão.
  • 2018 – correção monetária e cambial da dívida mobiliária (títulos públicos) – R$ 96 bilhões;
  • 2019- correção monetária e cambial da dívida mobiliária (títulos públicos) – R$ 88 bilhões;
  • 2020 – correção monetária e cambial da dívida mobiliária (títulos públicos) – R$ 132 bilhões;
  • 2021 – correção monetária e cambial da dívida mobiliária (títulos públicos) – R$ 307 bilhões;
  • 2022 – correção monetária e cambial da dívida mobiliária (títulos públicos) – R$ 351 bilhões;
  • 2023 – correção monetária e cambial da dívida mobiliária (títulos públicos) – R$ 344 bilhões;
  • 2024 – correção monetária e cambial da dívida mobiliária (títulos públicos) – R$ 73 bilhões.
8 – Pagamento ao serviço da dívida pública federal:

Na LOA/2024, aprovado no Congresso Nacional, a previsão da Despesa Geral da União, cerca de R$ 5,391 trilhões. Desse total, cerca de R$ 2,479 trilhões ou 45,99% da Despesa Geral da União, serão destinados a Dívida Pública Federal. Como tem dinheiro para pagar uma dívida ilegal, ilegítima e odiosa. Mas não tem dinheiro para reestruturações das carreiras federais e investir na qualidade dos serviços públicos que beneficia a maior parte da população brasileira?

A previsão do Orçamento com Pessoal/Encargos Sociais, na LOA/2024, cerca de R$ 407 bilhões ou 7,5% da Despesa Geral da União.

Portanto, podemos observar nos números oficiais dos governos federais, que o problema do Brasil não é falta de dinheiro, mas a destinação desse dinheiro. Uma decisão de governo. Servir ao grande capital financeiro rentista e as grandes corporações ou a maior parte da população brasileira? Uma decisão política de governo federal.

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