Fepal.- A 29 de novembro de 1947 a ONU cometia seu maior erro histórico, ao aprovar a Resolução 181, que adotou relatório de uma comissão contendo a recomendação de partilha da Palestina. Nascia o primeiro regime de apartheid, com aval das potências vencedoras da 2ª Guerra Mundial e as bençãos da organização que prometia acabar com as guerras e genocídios, o colonialismo e o racismo. Desde então a ONU, basicamente, nada fez que corrigisse este erro e lá se vão 75 anos de limpeza étnica, genocídio continuado, colonialismo, violência, seis milhões de refugiados (quase metade da atual população palestina em todo o mundo) e um sistema racista, imposto ao povo palestino por um regime de Apartheid que se autoproclama estado e se autodenomina Israel.
Digamos algo não comumente trazido às tribunas: a ONU e toda a Comunidade Internacional precisam fazer autocrítica deste grave erro, porque, além dos crimes de lesa-humanidade que dele derivam, a humanidade está diante de um dilema fatal: ou garante a sobrevivência do Direito Internacional, ou legaliza o Apartheid israelense. Se vencer a segunda opção, morre a própria ONU, todo o Direito Internacional e o primado dos Direitos Humanos será sepultado. Pior ainda: virarão regra os nascimentos de novos estados, artificialmente constituídos por estrangeiros e impostos a todos os povos do mundo pela força das armas e garantidos por regimes supremacistas. Ficaremos em compasso de espera para ver onde nascerá o próximo regime de Apartheid.
A própria ONU começou sua lenta autocrítica em 29 de novembro de 1977, 30 anos após dar início, mesmo que involuntariamente, à catástrofe palestina, ainda hoje vivida, ao aprovar, também por resolução, a instituição do Dia Internacional de Solidariedade com o Povo Palestino, que hoje lembramos. O fazemos a 45 anos consecutivos. A data é importante e de lá para cá muitas coisas mudaram para melhor, como a admissão da Palestina na ONU, mesmo que na condição de estado-observador, mas ainda estamos longe do fim dos crimes de lesa-humanidade impostos ao povo palestino pela máquina assassina israelense.
Incrivelmente, para dar início ao processo de autocrítica, a ONU precisou ver a limpeza étnica na Palestina acontecer, inaugurada em dezembro de 1947, dias após a aprovação da Resolução 181, desaparecerem 531 cidades e povoados palestinos, mais de dois terços de sua população expulsa ou morta, 76% de seu território tomado pela força e pelo terror, suas riquezas roubadas para integrarem o Produto Interno Bruto de um regime de Apartheid, que passa a existir sobre os escombros e cadáveres do povo palestino.
Precisou, ainda, ver a tomada integral da Palestina, em 1967, com mais mortes e refugiados. Depois outra guerra, em 1973. As tomadas de território de outros países da região. A invasão do Líbano nos anos 1970, aprofundada em 1982, com incontáveis massacres, dentre eles a carnificina promovida por Israel e seus aliados nos campos de refugiados palestinos de Sabra e Chatila.
Tudo isso para que finalmente nascesse, ao menos, um dia de solidariedade às vítimas do primeiro massacre havido após o término da 2ª Guerra Mundial, sofrido pelo povo palestino para que nascesse um regime de Apartheid.
E nos 45 anos de vigência desta data internacional de solidariedade à Palestina, os crimes não cessaram. A ocupação da Palestina pelos israelenses se aprofundou e sua violência aumentou. A pequena faixa de Gaza, território palestino costeiro ao Mediterrâneo ao sul, vive, desde 2007, um dos cercos mais cruéis que a humanidade já conheceu. Jerusalém vem sendo limpada etnicamente para que somente judeus e o judaísmo estejam presentes nesta cidade sagrada. Deixará de ser cristã e muçulmana. Deixará de ser metrópole do monoteísmo para ser sede de um falso deus, racializado, que diviniza o Apartheid.
E enquanto outros apartheids acabaram, o último deles na África do Sul, israelense segue vivo, agora formalizado, em 2018, com a Lei do Estado Nação Judeu. O Apartheid de Israel segue impune e vai, aos poucos, servindo de modelo para o mundo.
Definitivamente, a Comunidade Internacional não pode seguir numa gangorra, que oscila entre os que apoiam os crimes israelenses e os que optam comodamente pela omissão. Não faltam mecanismos e legalidade para que a ONU e a Comunidade Internacional avancem da mera mea culpa, uma vez ao ano, no dia 29 de novembro.
Ainda que a ONU tenha suas responsabilidades na catástrofe Palestina, ela também instituiu o arcabouço legal que torna Israel um estado pária e passível de exclusão da própria organização. Ainda que injusta, a Resolução 181 destinou 42,9% da Palestina ao seu povo originário, que compunha entre 70% e 75% da população e detinha ao redor de 94% da terra. Agora os palestinos têm apenas 22% de sua terra e, ainda assim, sob ocupação.
A ONU aprovou, em 11 de dezembro de 1948, a Resolução 194, que reconheceu ter havido limpeza étnica na Palestina e, por isso, determinou que todos os refugiados palestinos têm direito ao retorno e a receber compensações.
A Resolução 273, de 11 de maio de 1949, que admitiu Israel como estado membro da ONU, conteve a cláusula condicionante de que a admissão ocorreria conquanto fossem acatadas pelos israelenses as resoluções 181 e 194. Isso até hoje não se deu e Israel segue membro da ONU!
Israel não apenas não cumpriu estas resoluções, como aprofundou seus crimes na Palestina, ocupando-a integralmente desde 1967.
Às dezenas de resoluções da ONU para a Palestina, das quais nenhuma foi cumprida por Israel, somam-se muitas outras que definem os crimes de lesa-humanidade, todas em vigor há décadas e impunemente confrontadas por Israel. Citamos algumas, as mais emblemáticas:
• A Declaração Universal dos Direitos Humanos (Resolução 217-A, de 10 de dezembro de 1948) afirma que os direitos e liberdades humanas não podem ter distinção de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação;
• A Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio (Resolução 260, de 9 de dezembro de 1948) define genocídio como um conjunto de atos “cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso”, destacando-se dentre eles o “assassinato de membros do grupo”, o “dano grave à integridade física ou mental de membros do grupo” e “submissão intencional do grupo a condições de existência que lhe ocasionem a destruição física total ou parcial”;
• A Declaração sobre a Concessão da Independência aos Países e aos Povos Coloniais (Resolução 1514, de 14 de dezembro de 1960) condena a submissão dos povos ao colonialismo;
• Aprovada pela ONU em 6 de novembro de 1962, a Resolução 1761, de “Sanções recomendadas contra a África do Sul em resposta à política governamental de apartheid”, pediu boicote e sanções a este regime, corte de relações diplomáticas, econômicas e militares, bem como rejeitando passagem aos navios e aeronaves sul-africanas, além de considerar este país em violação da Carta das Nações Unidas e uma ameaça à paz e segurança internacionais;
• A Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial (Resolução 2106, de 21 de dezembro de 1965) determina a promoção dos direitos humanos sem discriminação de raça, sexo, idioma ou religião;
• A Convenção Internacional sobre a Supressão e Punição do Crime de Apartheid (Resolução 3068, adotada pela ONU em 30 de novembro de 1973, tendo entrado em vigor em 18 de julho de 1976), define o apartheid como um crime de lesa-humanidade.
Apenas diante destas resoluções, textos aos quais falta apenas citar Israel, já temos que é um estado integralmente ilegal, que não pode figurar entre os estados-membros da ONU. Neste grau de ilicitude internacional, para não falar da imoralidade quase sem precedentes na história das nações, Israel não pode seguir um minuto mais na ONU. Mas eis que segue na ONU e, pasme-se, a Palestina não, senão como estado apenas observador!
Foram necessárias mais de 7 décadas para que a ONU começasse a reconhecer que Israel é um regime de apartheid, bem como que as principais organizações internacionais de direitos humanos, dentre elas a Human Rights Watch e a Anistia Internacional, emitissem relatórios declarando este regime como de apartheid.
Mais de 7 décadas para que um tribunal, o Tribunal Penal Internacional, aceitasse investigar os crimes de lesa humanidade cometidos na Palestina, dentre eles o de Apartheid, assim como, há duas semanas, a ONU aceitar a remessa à Corte de Haia do pedido da Palestina para que se investigue as ações israelenses como práticas coloniais, algo já tipificado e condenado em resolução de 1960.
Então pedimos ao mundo que pondere sobre este desequilíbrio, sobre estas ofensas ao Direito Internacional e acerca da dubiedade da ONU, que aceita em seu seio um ente estatal que não cumpre uma só de suas resoluções, nem mesmo a que o admitiu como estado-membro.
Diante disso, a Palestina precisa que a solidariedade ultrapasse as manifestações verbais de apoio e ganhem substância, seja mais concreta.
Neste sentido, pedimos que o próximo governo do Brasil ratifique os quatro acordos de cooperação com a Palestina, já aprovados pelo Congresso Nacional:
• Acordo de Livre Comércio entre Mercosul e Palestina;
• Acordo de Cooperação Cultural entre Brasil e Palestina;
• Acordo de Cooperação Técnica entre Brasil e Palestina; e
• Acordo de Cooperação Educacional entre Brasil e Palestina.
Necessitamos, ainda, que o Brasil recuse a implementação dos acordos de cooperação com Israel nos campos bélicos e da alegada segurança, recentemente aprovados pelo Congresso Nacional, pois impactam diretamente na ocupação da Palestina e tornam o Brasil cúmplice dos crimes israelenses contra o povo palestino, um sócio de um regime de apartheid.
É paradoxal, mas o dia 29 de novembro e a solidariedade à Palestina precisam deixar de existir. Seguirmos lembrando esta data é a certeza de que a Palestina segue sob ocupação, sob apartheid, sob experimento social genocida. Oxalá a Palestina seja um país livre e que a solidariedade vindoura contribua para torná-la próspera, democrática, segura, para todos os palestinos, com o retorno de seus 6 milhões de refugiados e com Jerusalém sua capital.
Mas isso só acontecerá quando a solidariedade à Palestina ultrapassar o limite quase simbólico de eventos e manifestações, tornando-se um freio efetivo aos crimes de Israel, quiçá excluindo este regime de apartheid da ONU até que cumpra com todas as suas resoluções, com todo o ordenamento jurídico internacional.
Muito obrigado pela solidariedade, por esta sessão solene, pelo apoio à Palestina. Sem ela, associada à luta do povo palestino, talvez não estivéssemos aqui abordando este tema.
Palestina Livre a partir do Brasil, 29 de novembro de 2022, 75º ano da Nakba.