6. A Rosa Púrpura do Cairo (1985)
Um dos mais famosos filmes sobre filmes (e sobre a magia da sala de cinema), A Rosa Púrpura do Cairo é o filme romântico perfeito de Woody Allen. Segue uma linha narrativa comum a muitos outros títulos, abordando o dilema de um protagonista entre dois amantes, o triângulo amoroso que poderá ter consequências dramáticas para todos os intervenientes. Mas esta fórmula, que Allen tem repetido até à exaustão (já que a podemos também encontrar em filmes recentes como Meia-Noite em Paris e Homem Irracional), nunca foi tão bem utilizada como nesta história – que é a de uma mulher que se apaixona pelo homem que vê no ecrã, que por sua vez, foge ao ecrã para a amar.
Numa das ideias mais belas do cineasta, o personagem e o ator que o interpreta encontram-se na realidade. Será que, no final, o mundo dos sonhos (e da cumplicidade com o grande ecrã) é melhor do que a vida mundana? Que cada um tire as suas conclusões, enquanto se delicia com o romance entre a ingénua Mia Farrow e o Jeff Daniels do mundo da película, enquanto Daniels ator (uma estrela egocêntrica típica de Hollywood) descobre este milagre e deseja recolocar o seu eu imaginário no ambiente a que pertence. Conto moral e poético sobre as relações humanas, A Rosa Púrpura do Cairo tem algumas das mais bonitas sequências dos filmes de Woody Allen, por “culpa” de um elenco magistral e de uma cinematografia bastante indicada ao ritmo e densidade desta história de amor.
8. – Uma Comédia Sexual numa Noite de Verão (1982)
No princípio do século XX, um inventor e a sua mulher convidam dois outros casais para passarem um fim de semana na sua acolhedora casa de Verão. Os resultados serão inesperados: reacendem-se paixões antigas, são revelados segredos e mentiras, e algumas mudanças acontecerão entre os três casais. Tudo isto ambientado com uma atmosfera poética, impecavelmente filmada e concretizada, com magníficas interpretações de todo o elenco (com Woody Allen e alguns dos seus atores-fetiche a marcarem presença).
Uma Comédia Sexual numa Noite de Verão é isso mesmo: uma belíssima comédia e que, infelizmente, tem sido injustamente subvalorizada. Ao contrário do que parece, este filme é mais do que uma espécie de paródia neurótica ao universo do humor shakespeariano. É uma fábula mágica sobre o amor, com alguns dos melhores diálogos dos filmes de Woody Allen.
Tem as bases de muitos filmes posteriores do cineasta sobre as relações amorosas, mas o toque impressionista (parece constantemente que estamos dentro de uma pintura) salva a originalidade do filme, tal como a abordagem classicista, e rigorosa, que a narrativa utiliza para a temática. A surpresa maior está no desenvolvimento da história, com elementos de “comédia de enganos”, que nos remete para direções diferentes, nunca deixando, por isso, de retratar as personagens e os seus conflitos de uma forma sensível e, simultaneamente, divertida.
9. – As Faces de Harry (1997)
Um dos filmes mais esquecidos de Woody Allen, mas que é também um dos mais originais e… provocadores, de toda a sua carreira. Tal como em Balas sobre a Broadway, é aqui abordada a relação entre o artista e a sua obra, mas com outra perspetiva, mais fantasista e filosófica. Allen é Harry Block (apelido que homenageia o protagonista de O Sétimo Selo, um dos filmes preferidos do realizador), um escritor perseguido pelas suas personagens e pelas referências reais que o ajudaram a construí-las.
As Faces de Harry é uma sátira intrincada à mente criativa, aos exorcismos que um autor remete nas suas obras, e à forma como é difícil de escapar desses “filhos de papel” após terem sido criados. É um dos filmes mais imprevisíveis de Woody Allen porque, além de ser mais negro e adulto do que o habitual, embarca por caminhos surpreendentes e extremamente divertidos, numa narrativa em que o real e a imaginação se confundem com grande eficácia.
Talvez seja o filme que melhor exemplifique o que Woody Allen pensa sobre o seu próprio processo criativo e sobre as histórias dos seus filmes. As personagens são o espelho do autor, só que “um bocadinho disfarçadas”, tal como Block refere, em certo ponto da trama – e não é isso que Allen tem feito ao longo das décadas, das mais variadas maneiras? Vale a pena ainda mencionar a quantidade de cameos que se sucedem ao longo deste filme, com várias estrelas famosíssimas de Hollywood que representam personagens e situações imaginadas por Block, e que em muito se assemelham à realidade da vida do protagonista, com uma ou outra exceção – uma das sequências mais divertidas é a do realizador “desfocado”, interpretado por Robin Williams, uma pequena brincadeira visual que resulta num sketch hilariante.
10. – Balas sobre a Broadway (1994)
Tendo como pano de fundo a Nova Iorque dos anos 20, Woody Allen arquitectou uma comédia rocambolesca, em que a máfia e os bastidores do teatro são também introduzidos. Com algo de humor negro e, também, momentos dramáticos singulares, Balas sobre a Broadway segue a história do dramaturgo David (John Cusack), que fará tudo para que a sua nova peça seja um êxito na Broadway (contrariando o triste destino de obras anteriores). Esse sucesso só será possível graças ao seu novo mecenas que, por coincidência, é também um dos grandes líderes da máfia nova-iorquina, que obriga David a dar um dos papéis à sua namorada (Jennifer Tilly). Ela acha que tem um “enorme” talento para revelar – o protagonista cedo perceberá a verdade -, e para participar na peça, terá de ser acompanhada pelo guarda-costas Cheech (Chazz Palminteri). Mais tarde, numa inteligente reviravolta narrativa, Cheech ajudará David a melhorar a peça, tornando-se o co-autor da mesma.
John Cusack encarna a persona alleniana, num filme repleto de figuras com características semelhantes: são personagens neuróticas, arrogantes, inseguras e, em muitas ocasiões, completamente imprevisíveis. Balas Sobre a Broadway segue o percurso moral mais convencional de muitos filmes de Woody Allen (a infidelidade, as discussões filosóficas, os pormenores mais subtis das relações humanas), mas tem muito mais do que isso. Para além de uma história construída de forma exemplar (com alguns dos melhores diálogos escritos por Allen), que satiriza alguns estereótipos da sociedade americana da época (e que inverte a função de outros), o filme conta com brilhantes prestações de um magnífico elenco, e também, com um olhar único, e melancólico, sobre a relação entre o artista e a sua criação.
Fonte: Máquina de Escrever.