22.06.2012 – O que acontece no Paraguai, com o pedido inusitado de impedimento do presidente Fernando Lugo, e julgamento relâmpago, não se configuram em surpresa numa América Latina onde os golpes de estado são recorrentes. Basta lembrar o último golpe em Honduras (em 2009) que acabou, inclusive, respaldado com novas eleições totalmente ilegais. E isso não é obra do acaso ou da vontade de alguma força interna. Faz parte de um projeto de dominação dos Estados Unidos que não quer ver qualquer possibilidade de uma América livre e soberana. Mel Zelaya, em Honduras, foi deposto porque se acercou da Alba, comandada por Hugo Chávez.
Agora, os golpistas atuam no Paraguai, região estratégica, parte da tríplice fronteira tão cobiçada por sua riqueza energética. Fernando Lugo vem da teologia da libertação, tem caráter progressista, pendendo para a proposta de integração latino-americana, próximo de Chávez. Ao império isso já é suficiente para uma intervenção, mesmo que boa parte das políticas de Lugo não se distancie das velhas práticas neoliberais.
Na última semana, um conflito entre a polícia e camponeses na região de Curuguaty, a 250 quilômetros de Assunção, deixou seis policiais e 11 camponeses mortos, deu o motivo para que a velha e sempre desperta direita se mobilizasse. Por um lado, o confronto mostra que o campo está ardendo, que os camponeses estão em luta buscando mudar a imobilidade agrária do país. Para se ter uma ideia, durante o governo do ditador Strossner, mais de 10 milhões de hectares de terra foram distribuídos de forma ilegal aos seus aliados. Milhares de camponeses perderam suas terras criando o fenômeno dos sem-terra. Com a democratização do país, esses trabalhadores fortaleceram as lutas e o próprio presidente Lugo atuou junto com eles quando ainda não era o mandatário da nação.
O massacre de Curuguaty está envolto em mistérios. A mídia internacional e local divulga que havia, junto aos camponeses, membros de um grupo guerrilheiro e que foi o ataque desses membros que provocou a reação policial. Mas, nada está comprovado. O acontecido está sob investigação. O fato é que essa explicação é típica. Era o que se dizia do MST, no Brasil, quando a luta desse movimento começou. O que, é claro, ficou evidenciado como mentira. É mais provável que a infiltração seja de paramilitares, típicos dos contragolpes imperialistas.
O fato é que os congressistas viram aí um bom motivo para enfrentar e destruir o presidente Lugo. Os partidos tradicionais que sempre mantiveram de rédeas curtas o poder, seguiram em maioria no Congresso e a frágil aliança que garantiu a vitória ao presidente acabou sem força no parlamento. Colorados e Liberais têm, juntos, 29 das 45 cadeiras do Congresso. Nesse sentido, podem impor qualquer coisa que queiram. Assim, decidiram acusar o presidente pelo massacre e instituíram um processo de impedimento.
Algumas coisas são muito surpreendentes nesse caso. Primeiro, a elite política – boa parte aliada dos latifundiários – se viu, de um dia para outro, defensora dos pobres camponeses. E, segundo, definiu um processo de impedimento tão rápido, 24 horas, no qual a defesa presidencial teria direito a apenas duas horas. Conforme os advogados do presidente, em qualquer juízo a defesa tem 18 dias para preparar defesa, não há sentido de o presidente ser julgado em rito sumário, ainda mais que os motivos não se qualificam como passíveis de se exigir um impedimento. Quem acompanhou o debate desta sexta-feira no congresso paraguaio, pode observar o raivoso discurso dos congressistas contra os sem-terra, a favor do latifúndio, o que mostra muito bem o que está em jogo nessa ação golpista.
Ainda na sexta-feira, durante a sessão do congresso, chanceleres dos países da Unasur estiveram presentes e se manifestaram dizendo que o processo não estava sendo democrático e que todos gostariam de ver a ordem democrática ser respeitada. Foi feita a proposta de que o congresso seguisse os prazos, que discutisse melhor o tema e ouvisse o povo sob pena de uma decisão apressada, sem garantir direito a defesa, causar profunda comoção no país. “Se os congressistas não respeitarem o processo democrático será muito ruim para o povo paraguaio e para toda América Latina”, expressou Alí Rodríguez, secretário-geral da Unasur.