Por Marina Duarte de Souza.
A Emenda Constitucional (EC) 95 implementada durante o governo de Michel Temer (MDB) e mantida pelo governo de Jair Bolsonaro (sem partido) prometeu congelar os recursos do orçamento da união para despesas básicas. Entretanto, como previsto por uma grande parte da sociedade civil, a promessa caiu por terra e, na verdade, os recursos da Saúde estão caindo cada vez mais.
A denúncia é do pesquisador de economia da saúde e consultor do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Francisco Funcia, que analisou dados do orçamento da União aos quais o CNS teve acesso.
Funcia atesta: a receita da Saúde vem em “queda livre” desde a implementação da emenda.
A EC 95 – do Teto de Gastos – representou, na prática, a desvinculação do gasto mínimo 15% da receita da União com a Saúde. Isso ocorre porque os gastos do governo foram limitados ao valor utilizado ano anterior, reajustado somente pela inflação acumulada.
Por conta disso, aponta o pesquisador, mesmo que a receita da União tenha crescido, em 2019, cerca de 27% em relação a 2016, não houve um crescimento compatível na Saúde. Com a EC 95, o recurso destinado à pasta será sempre aquele valor de 2017 somado à inflação.
“Quando eu comparo o quanto da receita está sendo alocada para a saúde eu percebo que cada ano que passa está alocando menos. Eu estou, inclusive, voltando aos percentuais do fim da década passada”, explica Funcia.
Enquanto em 2017, quando a emenda passou a vigorar, os gastos com os serviços públicos de saúde representavam 15,77% da arrecadação da União, em 2019, os recursos destinados à área representaram 13,54%.
R$ 20 bilhões perdidos
Se em 2019, o governo tivesse aplicado o mesmo patamar que aplicou em 2017, 15% da receita corrente líquida de cada ano, a Saúde teria um orçamento de cerca de R$ 142,8 bilhões em 2019 – e não R$ 122,6 bilhões aplicados. Ou seja, um encolhimento de R$ 20,19 bilhões nos recursos saúde da população.
Segundo Funcia, a projeção permite afirmar que a Emenda Constitucional 95 não preserva os recursos da saúde, como o argumento utilizado pelo governo Temer à época. Ele explica que e medida não leva “em consideração que as necessidades de saúde da população crescem e significa não realocar a célula do crescimento da receita para atender estas necessidades crescentes de saúde da população”.
Emenda da Morte
O economista e vice-presidente da Associação Brasileira de Economia da Saúde (Abres), Carlos Ocke, endossa a análise de que o gasto público está diminuindo e explica que desde a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), pela Constituição de 1988, há um “subfinanciamento” ao orçamento da pasta.
Ele alerta para a redução progressiva da chamada renda per capita da saúde, o valor aplicado em um ano pelo Estado na saúde da população dividido pelo número de cidadãos. O valor investido por pessoa, que chegou a R$ 595 em 2014, passou a ser de R$ 555, em 2020. “Em vez de crescer o gasto público federal per capita em saúde, tem-se retirado investimentos, considerando que a população está crescendo e que a população está envelhecendo e, portanto, existe uma curva crescente dos custos de saúde associados ao envelhecimento.”
Segundo Ocke a Emenda Constitucional 95 representou uma descontinuidade desse padrão para pior e está provocando o “estrangulamento e sucateamento do SUS”, além de impactar diretamente a distribuição de renda.
“Nessa perspectiva de redução gastos públicos e de retirada do Estado na economia e na redistribuição de renda, que é disso que se trata as políticas sociais universais cumprem esse papel. Você aumenta o gasto privado das famílias e acelera o movimento de privatização simultaneamente a uma queda do gasto público e simultaneamente a uma piora do quadro epidemiológico. Então você vê claramente que o bem-estar social das famílias e dos trabalhadores piorou, você pode verificar isso quando você olha o aumento da pobreza e o próprio aumento da desigualdade.”
O economista ressalta que, na prática, essa política aumentou a desigualdade do acesso à saúde, piorou as condições de oferta e qualidade do SUS. “A gente vê isso nos dados do aumento de quadro de dengue e no próprio retorno do sarampo talvez, no aumento da mortalidade infantil e materna, na mortalidade precoce em doenças crônicas em especial no câncer, no retorno de doenças preveníveis e a queda do nível de vacinação”, avalia.
Ocke avisa que a tendência para 2020 é a situação da saúde e da população brasileira piorar ainda mais, dado que tramitam no Congresso Nacional novas Propostas de Emenda Constitucional (PECs) que alteram a regulação dos gastos públicos da União, estados e municípios de diferentes maneiras.
As PECs foram encaminhadas pelo governo Bolsonaro em novembro do ano passado e são englobadas no que a equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, chama de “Plano Mais Brasil”: PEC Emergencial, PEC dos Fundos Públicos e PEC do Pacto Federativo.
A primeira é a PEC 186/2019, trata da possibilidade de redução compulsória de salários dos servidores públicos em até 25%, acompanhada da redução equivalente da jornada de trabalho. A segunda, PEC 187/2019, autoriza o governo a extinguir um conjunto de fundos públicos atualmente existentes e permite a utilização dos saldos bilionários existentes em tais fundos pelo comando econômico. E a terceira PEC é a 188/2019, a principal das três, prevê, entre outras medidas, a unificação dos gastos mínimos obrigatórios para saúde e educação.
“Esse quadro de austeridade fiscal que já era grave e já era de sucateamento, caso as PECs sejam aprovadas caracterizando, sem exagero do prefixo, uma política de hiper austeridade fiscal, você piora ainda mais esse quadro. É muito grave”, prevê o economista.
Edição: Rodrigo Chagas.