Por Cristiane Sampaio.
A declaração do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-RJ) sobre a possibilidade de um “novo AI-5” no Brasil provocou reações de todos os lados do mundo político. A bancada do Psol, com o apoio das siglas PT, PDT, PSB, PCdoB e Rede, apresentou, na noite de ontem quinta (31), uma notícia-crime junto ao Supremo Tribunal Federal (STF). Os partidos argumentam que a conduta do deputado configura incitação e apologia ao crime, tipos previstos nos artigos 286 e 287 do Código Penal.
Assinado pelo ditador Costa e Silva em 1968, o Ato Institucional nº 5 (AI-5) foi um decreto que instaurou a fase mais repressiva do regime militar no Brasil, deixando um rastro de intensa cassação de direitos, demissões, aposentadorias forçadas e mortes. Em uma entrevista veiculada nesta quinta no canal da apresentadora Leda Nagle, Eduardo afirmou que, se a esquerda brasileira resolvesse radicalizar, a resposta a ser dada poderia ser com “um novo AI-5”.
“Espero que o STF, como já respondeu à questão da hiena e do leão, responda à altura a esse atentado à democracia, a esse desvirtuamento do exercício parlamentar. Nós vamos resistir nas ruas e aqui no parlamento contra a ditadura. Não aceitamos ditadura”, frisa o líder do Psol, Ivan Valente (SP).
Como penalidade para esses casos, a lei prevê possibilidade de detenção de três a seis meses ou pagamento de multa. Os cinco partidos também preparam uma representação contra Eduardo Bolsonaro no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados. O documento deverá ser protocolado na próxima terça-feira (5).
O grupo afirma que a manifestação do pesselista descumpre a Constituição Federal, as normas internas da Casa e do Congresso Nacional porque fere as instituições democráticas e representativas, como é o caso do Poder Legislativo, por exemplo. No documento, os partidos pretendem pedir a cassação do filho do presidente da República.
“Ele abusa das prerrogativas conferidas aos parlamentares, em especial a imunidade parlamentar. O deputado está usando a imunidade pra defender o fim da democracia, ameaçar o parlamento e atacar a Constituição, que ele jurou defender”, afirmou o líder da oposição, Alessandro Molon (PSB-RJ).
Já a líder da minoria, Jandira Feghali (PCdoB-RJ), disse que “liberdade de opinião não pode violar a Constituição, principalmente proferida por um agente público”. “O Brasil receber uma declaração de volta do AI-5 em pleno 2019 é um atentado à jovem democracia”, acrescentou.
Após as fortes reações, Eduardo Bolsonaro voltou a falar sobre o tema, durante entrevista ao programa “Brasil Urgente”. “Eu peço desculpas a quem porventura tenha entendido que estou estudando o retorno do AI-5 ou achando que o governo, de alguma maneira, estaria estudando qualquer medida nesse sentido. Essa possibilidade não existe. Agora, muito disso é uma interpretação deturpada do que eu falei”, afirmou.
A nova manifestação não abrandou as críticas. O líder da oposição disse que “o cargo público exige grande responsabilidade e não tolera ataques à democracia disfarçados de erros” e afirmou que o pedido de cassação deverá prosseguir.
Ressonância
A rejeição à declaração do deputado veio de diferentes setores político-ideológicos. “O que ele disse é muito grave, gravíssimo. De zero a dez, o nível de gravidade é dez”, atribuiu, por exemplo, o presidente do Conselho de Ética, Juscelino Filho (DEM-AM), que irá se debruçar sobre o pedido de cassação feito pelos opositores.
Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP), presidentes da Câmara e do Senado, respectivamente, também se pronunciaram. O primeiro disse que manifestações como a do deputado “são repugnantes, do ponto de vista democrático, e têm de ser repelidas como toda a indignação possível pelas instituições brasileiras”.
Alcolumbre disse que “não há espaço para que se fale em retrocesso autoritário”. “É lamentável que um agente político, eleito com o voto popular, instrumento fundamental do Estado democrático de Direito, possa insinuar contra a ferramenta que lhe outorgou o próprio mandato”, acrescentou, em nota pública divulgada à imprensa.
“De forma leviana, o parlamentar defende a volta de um instrumento ditatorial antagônico ao artigo primeiro da nossa ?Carta Magna?: ‘Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente’. É um ultraje contra os fundamentos do Estado Democrático de Direito, em especial a garantia do pluralismo político e a independência e harmonia entre os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário”, disseram também, em nota conjunta, sete líderes partidários do Senado. O grupo representa as siglas PT, Rede, PSB, Pros, PDT, PSD e Cidadania.
PSL
A rejeição contou com apoio até mesmo do PSL, partido de Eduardo Bolsonaro, que pertence à extrema direita e tem diferentes membros defensores de práticas como as da ditadura militar. O repúdio se dá em meio ao forte racha que a sigla vive atualmente, marcado por uma oposição entre o presidente da República e o presidente da sigla, Luciano Bivar, que disputam o comando da legenda.
Diante do contexto interno inflamado, Bivar e a executiva nacional do partido afirmaram, em nota, que a declaração seria “uma tentativa de golpe ao povo brasileiro”. Bivarista, o deputado Júnior Bozzella (PSL-SP) chegou a dizer que “o filho do presidente, calado, é um poeta”.
“O primeiro golpe foi tentar tomar o PSL, o segundo foi usar o Palácio do Planalto para tomar a liderança do partido, e agora flerta com um novo AI-5 para instaurar uma ditadura no país”, alfinetou Bozzella, em entrevista à colunista Mônica Bergamo, da Folha de São Paulo.
Histórico
No histórico de Eduardo Bolsonaro, outras manifestações se somam à declaração veiculada pelo programa da apresentadora Leda Nagle nesta quinta. Na última terça (29), por exemplo, ele afirmou, no plenário da Câmara, que o país poderá fazer uso de repressão policial se houver protestos populares como os que vêm sendo registrados no Chile, onde a população têm ido em massa às ruas para bradar contra o aumento do custo de vida, resultado das políticas neoliberais.
Em outubro do ano passado, antes das eleições presidenciais, o pesselista afirmou que, se o STF impugnasse a candidatura do pai, teria “que pagar pra ver”. “Se quiser fechar o STF, […] manda um soldado e um cabo”, disse à época, numa declaração que gerou forte reação, inclusive de magistrados da Corte.
Nos bastidores, a leitura é de que as manifestações do clã Bolsonaro sobre possíveis avanços do autoritarismo devem ser contidas de forma energética porque agravam a crise institucional do país e, como consequência, ajudam a turvar o ambiente político.
“Esse tipo de declaração é altamente corrosivo, perigoso, estimula inclusive ações cada vez mais hostis. Se a sociedade naturaliza uma declaração dessas como algo normal, mais dificuldade o parlamento tem pra tratar a questão ou a gravidade que nós entendemos que ela tem”, afirma o líder da bancada do PT na Câmara, Paulo Pimenta (RS).