Por Marcelo Coltro*
Blog do Cadu.
Caro leitor, se me permite o inusitado encontro contigo nessa reflexão, permita-me dizer ser muito oportuno para o momento político que vivemos contextualizar o Programa Mais Médicos, como dispositivo de Política de Saúde na efetivação do SUS-Sistema Único de Saúde.
O SUS, sempre foi motivo de ataques por parte daqueles grupos ligados ao complexo medico industrial, que pretende fragmentá-lo. Assim, objetivam deslocar as ações do público para o sistema privado para lucrar mais, tirando a participação popular na gestão pública e o controle social à margem do sistema. A intenção seria diminuir ou desqualificar o acesso às pessoas, por meio do término da gratuidade, estrangulamento de ações e diminuição de profissionais para o atendimento da população nas suas necessidades; entre outras “metas” que estão sendo anunciadas para o sacrifício inicial de uma política nebulosa que se anuncia. O sistema será ferido de morte.
Reconhecemos que no SUS há inúmeros desafios a enfrentar: financiamento, força de trabalho e modelos de gestão. Reconhecemos também que muitos avanços foram feitos nesses poucos anos de Sistema Único de Saúde, sendo hoje o maior sistema público de saúde do mundo. O Mais Médicos também foi um grande desafio, pois configura-se na maior força tarefa médica do mundo, um programa com êxito e transformador da realidade de quem sequer tinha atendimento antes do programa.
Mas para entrar na questão do Mais Médicos, precisamos conversar um pouco mais; ou seja, para dar conta de atender a todos os brasileiros e brasileiras de forma integral, é fundamental que existam serviços – Unidades Básicas de Saúde, Ambulatórios, Hospitais…em quantidade adequadas, articuladas entre si nas chamadas Redes de Atenção a Saúde, que se organizam em complexidades de acordo com a região e o problema a ser enfrentado.
Vamos nos concentrar no local onde os profissionais do Programa Mais Médicos foram designados para atuar, na Atenção Primária à Saúde ou ainda Atenção Básica à Saúde, onde estão os Centros de Saúde ou as Unidades Básicas de Saúde – os “postinhos” já não são a realidade do Brasil. Trabalham nos Centros de Saúde, profissionais articulados em equipes e no Brasil, estrategicamente nas Equipes de Saúde da Família onde atuam Agentes Comunitários de Saúde, Técnicos e Auxiliares, Enfermeiros, Médicos e outros profissionais, numa trama de saberes cada vez mais complexos e sistematizados para poder dar conta de aproximadamente 85% das queixas da população.
Na Atenção Primária à Saúde se pretende organizar o acesso ao sistema, a porta de entrada como dizemos, deixando assim os hospitais e serviços de Média e Alta complexidade com maior capacidade de atender casos que demandem especialistas de outras áreas e tecnologias médicas industriais com maior racionalidade.
Enfim, as Unidades Básicas de Saúde são o tipo de serviço com maior grau de concentração populacional, próximos das residências dos usuários e com capacidade de se vincular às pessoas e às famílias. Cada Unidade Básica possui um Conselho Local de Saúde que oportuniza a participação do Controle Social em todos os espaços de gestão do sistema. Aposto que você não sabia disso, sabia?
È por isso que atualmente o SUS é um dos maiores exemplos de política pública no Brasil. A primeira Conferência Nacional de Saúde foi realizada no Governo Vargas em 1939, mas foi no período de Redemocratização do país, na VIII Conferência Nacional de Saúde em 1986 que surgiram os pilares do Sistema Único de Saúde – seus princípios e diretrizes – que foram base da Constituição Cidadã de 1988. No Brasil, o direito humano à saúde é também um direito legal, garantido pela Constituição no seu artigo 196. Ter saúde amigo, é um direito seu!
A partir de ano de 2003, o Brasil passa a conhecer e enfrentar com maior profundidade os caminhos para a efetivação do SUS. O sistema vai se estruturando na arquitetura legislativa e ampliando significativamente sua estrutura física, a ponto de existirem milhares de “postos” ou Unidades Básicas de Saúde novos, porém sem o profissional médico no serviço. Foram no período realizadas 30.000 ordens de serviço para reforma e ampliação e 11.000 construções de novas instalações. Fato a ser destacado também que na maioria dos lugares os profissionais médicos na Atenção Básica ficavam por poucas horas no trabalho ou trabalhando em vários locais devido à falta de profissionais estimada no mercado de trabalho médico no Brasil. Tem até histórias de consultórios de médicos sem cadeiras para o paciente sentar, para o atendimento ser mais rápido…eu sinceramente nunca vi.
Chega-se ao diagnóstico que faltam médicos no Brasil. A carência de profissionais médicos para a dimensão do sistema fica evidente, principalmente nas regiões mais carentes, mais afastadas e com maior necessidade; a periferia das grandes cidades, a Amazônia Legal, os extremos territoriais do país, pequenas cidades e principalmente os bolsões de pobreza, historicamente esquecidos.
O Programa Mais Médicos para o Brasil foi proposto em julho de 2013, após amplo debate na sociedade e no Congresso Nacional, sendo convertido na Lei 12.871 em outubro de 2013. Em grande medida isso só foi possível pela Marcha Nacional de Prefeitos que foi a Brasília com o slogan “Cadê o Medico?” pressionar o Governo Federal. Muitos prefeitos inauguraram serviços de saúde, novinhos, bem equipados, mas… não tinham médicos. A população fica de olho.
As manifestações de massa nas ruas, no mesmo ano, exigiram ações de forte impacto aos desejos e anseios da população por políticas públicas abrangentes e de dimensões iguais ao SUS. Nesse contexto surge o Programa Mais Médicos pois não bastavam somente instalações físicas, era preciso médicos atendendo a população nesses locais. Quais seriam esses médicos? De que estrutura afinal precisam? Quanto devem ganhar mensalmente?
De fato, O Brasil iniciou tardiamente essa política em relação a outros países que possuem sistemas públicos semelhantes ao Brasil. Em 2013, o Brasil possuía uma media nacional de 1 medico para cada 1.800 habitantes, numero inferior a países como Argentina, Uruguai, Portugal, Espanha, Reuno Unido, Italia, Alemanha, Australia e Cuba. A distribuição dos Médicos no Brasil também configurava-se muito desigual, com 22 Estados da Federação com média abaixo de 1/1,8 medico por habitante, 5 estados com media inferior a 1/1000 e 700 municípios sequer haviam médicos atuando. Coincidentemente esses estados apresentavam os piores indicadores de saúde, maiores índices de pobreza, distantes da universidades, de maior vulnerabilidade social, de difícil acesso e por isso sem provimento profissional. Porque os médicos brasileiros não foram trabalhar nesses locais?
Outro fator que deve ser analisado é o do crescimento populacional no país e o envelhecimento da população. Esses dois fatores, mas não somente eles, acarretaram demandas para a área da saúde nos últimos anos, que exigiram respostas mais contundentes por parte do SUS para enfrentar essas questões. O país com 204 milhões de habitantes só consegue formar 64% da necessidade médica do mercado de trabalho. O programa Mais Médicos para o Brasil não gerou desemprego médico no Pais, eu pelo menos não começo nenhum médico desempregado, você conhece?
O Programa Mais Médicos para o Brasil então se estruturou em três eixos fundamentais: O Provimento Emergencial; a Ampliação da Infraestrutura e a Formação de Profissionais para trabalhar no SUS. Hoje, o programa conta com 18.640 profissionais médicos e médicas, atuando em 4.650 municípios brasileiros e 34 distritos sanitários indígenas – cabe destacar que 100% das comunidades indígenas no Brasil tem médicos hoje, assim como populações Quilombolas e Assentamentos da Reforma Agrária – a cobertura populacional é de 65 milhões de brasileiros diretamente. Isso não é pouco.
Em Santa Catarina, o Programa Mais Médicos para o Brasil significa a cobertura de 1.200.000 habitantes, com aproximadamente 700 profissionais médicos atuando no Provimento na Atenção Básica em 240 municípios catarinenses. Responsável por 40% de todas as consultas realizadas no Estado. A concentração maior de estrangeiros significa que os médicos brasileiros não foram suficientes em quantidade para ocuparem as vagas solicitadas por adesão voluntaria pelos municípios nos Editais Públicos que organizam o programa.
Mas gostaria de ressaltar também, que esse programa do Governo Federal, não se mede somente com números. O encontro de profissionais nas Unidades Básicas de Saúde, durante toda a semana, cumprindo horário, foi um divisor de águas para a vida de muitas pessoas e ultimamente foi possibilitado aos usuários do sistema, através de uma pesquisa da UFMG – que entrevistou 14.000 pessoas no país – avaliar o programa e 93% das pessoas atendidas tem uma avaliação positiva dessa política. Se uma única vida tivesse sido salva, o programa já teria sido um êxito, afinal, quanto vale uma vida?
Para operacionalização desse programa e distribuição de profissionais nos mais variados rincões do Estado e periferias de grandes cidades, contamos com o apoio na logística de vários órgãos governamentais, federais, estaduais e municipais. As Forças Armadas Brasileiras tiveram também um papel de destaque que deve ser referido. Foi preciso contar com as Forças Armadas Brasileiras para a maior operação de Guerra em tempos de Paz realizada no Brasil- ao invés de soldados os Aviões da Forca Aérea Brasileira descarregaram médicos e médicas; ao invés de ódio e bombas – saúde e democracia.
Para que isso fosse entendido de todo seria necessário a compilação de um tratado para essa política humanitária; o resultado está estampado na alma daqueles e daquelas que se beneficiam do atendimento diário desses profissionais e suas equipes. Sintonias de origem social e de cor que romperam preconceitos ao singularizarem afetos humanos e necessidades sociais.
Para que o Brasil consolide o SUS, será necessário também entender que o Governo Federal, Estados e Muncipios vem enfrentando com seriedade os desafios da saúde pública no pais. O aumento do número de vagas e escolas de medicina estão sendo construídos para substituição da força de trabalho médica estrangeira que se aproxima.
Se um dia lutamos pela redemocratização e nela consolidamos o desejo do Sistema Único de Saúde, agora devemos consolidar a Democracia. Nada de pontes ou atalhos para o passado. O Mais Médicos representa um dispositivo na operacionalização desse imenso sistema. Vamos seguir trabalhando para garantir a ampliação constante dos direitos sociais dos trabalhadores e trabalhadoras: nenhum passo para trás! A saúde é a maior expressão de felicidade de um povo. Se ontem lutamos por liberdade, hoje pela democracia. A esperança há de vencer o medo e a injustiça mais uma vez.
*Marcelo Coltro – Médico. Referência Técnica para o Programa Mais Médicos para o Brasil no Estado de Santa Catariana.