Por Raquel Rolnik.
Neste momento, a Prefeitura de São Paulo está testando viagens de ônibus sem a presença do cobrador, em uma linha que vai do Metrô Jabaquara até o Terminal Santo Amaro, na Zona Sul, e que tem em média 2% das passagens pagas em dinheiro. Já faz algum tempo, especialmente depois da implantação da bilhetagem eletrônica, que a gestão municipal tenta eliminar os cobradores dos ônibus da cidade.
Atualmente, em média, 6% das viagens são pagas em dinheiro vivo e, por isso, a Prefeitura entende que os cobradores ficam ociosos na maior parte do tempo. A eliminação dessa atividade impactaria positivamente em uma redução de custos, o que em tese, teria efeitos benéficos no preço da passagem.
A princípio, esse raciocínio parece fazer sentido. No entanto, desconsidera outras funções que esses trabalhadores exercem nos ônibus, como auxiliar pessoas com mobilidade reduzida, oferecer aos usuários informações que deveriam constar nos pontos de embarque ou dentro dos veículos, mas não constam, entre outras atividades que fazem com que os motoristas não fiquem sobrecarregados.
Esta mudança também sinaliza para outra questão, muito mais ampla: a substituição do trabalho humano por sistemas automatizados e robotizados. Nos Estados Unidos, já circulam em algumas cidades carros sem motorista, que vêm sendo testados pela Uber e o Google. As duas empresas competem para desenvolver a tecnologia, que, para a Uber, por exemplo, seria uma forma de transformar seu negócio em algo ainda mais lucrativo. Um dos carros da empresa, no entanto, capotou há alguns dias em Tempe, no Arizona, colocando a Google à frente da corrida. Carros sem motoristas, portanto, não são nenhuma ficção, e sim um processo em curso.
Aplicadas nos mais diversos setores, tecnologias desse tipo poderão substituir parte significativa da mão de obra na próxima década. Tal cenário levou Bill Gates, dono da Microsoft, uma das empresas responsáveis pela revolução tecnológica que vivemos, a propor que seria necessário cobrar uma espécie de imposto dos fabricantes de robôs que substituem pessoas. O tributo, segundo Gates, deveria então ser aplicado na recolocação dos humanos no mercado de trabalho. Outras pessoas já falam em cotas obrigatórias de empregos para humanos!
Se não precisarmos mais de cobradores, nem de motoristas, nem mesmo dos “auto”-empregados motoristas de Uber, qual será o futuro do trabalho humano? Em uma sociedade onde a renda – e a sobrevivência – está ligada ao trabalho e, nos últimos cinquenta anos, a mecanismos de proteção social, a destruição destes mecanismos, aliada também à obsolescência do trabalho, desenha um cenário tenebroso…
Comentário feito originalmente na última quinta-feira (6) na Rádio USP. Confira a íntegra.
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Foto: Trolebus.
Fonte: Blog de Raquel Rolnik.