Por Silvio Reis.
“Toda pessoa é mais parecida com a sua época do que com o seu pai”, segundo um provérbio árabe. “Um país pode ser avaliado pela qualidade de seus provérbios”, defendem os alemães. Portugueses acreditam que “um provérbio não mente”. Para o dramaturgo austríaco Karl Kraus, “um aforismo não deve necessariamente ser verdadeiro, mas deve superar a verdade”. Iorubás nigerianos têm outra visão: “um provérbio é o cavalo que pode levar alguém rapidamente à descoberta de ideias”.
Com a ideia de registrar animais em provérbios, o jornalista Cristovam Araújo lançou o livro Os bichos nos Provérbios, em 1950. Quase 70 anos depois, o êxodo rural, o envelhecimento populacional e outros fatores resultaram no desuso de provérbios e ditados populares no Brasil. A extinção animal no mundo só afeta bichos selvagens. Os domesticáveis, que representam a maior parte das expressões populares, são protegidos.
Segundo o historiador Luís da Câmara Cascudo, “Os ditados populares sempre estiverem presentes ao longo de toda a História da humanidade. Dos egípcios, no terceiro milênio a.C (…) foram objeto de educação na Idade Média e bem utilizados nas navegações dos séculos XV e XVI”.
No Antigo Testamento, o Livro dos Provérbios ou Provérbios de Salomão defendeu valores morais que tiveram efeito milenar. Mas nem todos funcionaram na prática. O capítulo 15:17 sugere vegetarianismo: “Melhor é um prato de hortaliça, onde há amor, do que o boi gordo, e com ele o ódio”. No Livro dos Mil Provérbios (1302), o teólogo catalão Raimundo Lúlio divide, simbolicamente, os carnívoros: “A besta que não come carne não faz companhia à besta que come.”
Na Idade Média, o pintor holandês Pieter Bruegel reforçou o cristianismo na pintura Provérbios Flamengos (1559) e incluiu animais para divulgar uma conduta correta de vida. Em mais de cem provérbios pintados, três animais estão entre os cinco mais citados em provérbios e expressões populares de vários países, em diferentes épocas.
Influenciado pela Revolução Francesa e a Revolução Industrial Inglesa, o londrino William Blake escreveu O Casamento do Céu e do Inferno (1790) para criticar o pensamento cristão. Na ideologia antibíblica do autor, os animais do poema Provérbios do Inferno são, em sua maioria, selvagens e bem diferentes do quinteto domesticado que lidera as expressões populares: “Os tigres da ira são mais sábios que os cavalos da educação”.
No contexto alemão e político de 1812, os irmãos Grimm destacaram na fábula Os Músicos de Bremen quatro dos cinco animais mais proverbianos. Jumento, cachorro, gata e galinha querem se libertar do trabalho escravo. O texto ganhou adaptação teatral italiana e chegou ao Brasil em 1977. Os Saltimbancos foi traduzido por Chico Buarque há mais de 40 anos.
No Brasil, uma recente pesquisa jornalística com 2.500 provérbios, ditados e expressões populares com animais revelou que apenas cinco bichos respondem por 43,68% do total de frases. Com exceção da zebra, os equinos lideram com uma dose cavalar de 343 termos, ou 13,72% das expressões. Um provérbio explica essa identidade: “Cavalo é como gente: engana que é uma barbaridade”.
Em segundo lugar nesse ranking estão os cães: “Para o cachorro que tem dinheiro, os homens dizem ‘meu senhor cão’”. Sem os búfalos, bovinos ocupam a terceira posição: “Parece sempre à vaca velha que nunca foi bezerra.” Galináceos vêm depois: “Galo fecha os olhos quando canta porque sabe a música de cor”. Em quinto lugar, os gatos: “Livros, gatos e meninas loiras são a melhor decoração para um quarto” (ditado francês).
Entre os 150 animais pesquisados, quase a metade, 74, têm apenas uma ou até duas expressões. Este desequilíbrio é uma forma de dominação. Com a interferência humana, o bicho mais fraco, fisicamente, se torna o mais forte, simbolicamente.
Minhocas na cabeça
A pesquisa surgiu de “minhocas na cabeça”. Cerca de vinte livros impressos e digitais, entre outros acervos, foram consultados. O levantamento priorizou expressões ocidentais, com abertura para provérbios de diversos países que se propagaram no Brasil. Não por acaso, o Leão foi 15º mais bem pontuado. O camelo chegou ao 18º lugar.
Se aumentar a quantidade e diversidade das 2.500 expressões avaliadas, a classificação dos animais será alterada. Se forem incluídos termos de duas publicações macaenses, como o Dicionário Comparado de Provérbios e Ditos Populares Brasileiros e Chineses e o Dicionário Trilíngue de Ditos e Provérbios, a abordagem oriental pode alterar a predominância dos domesticados.
Na pesquisa, mais de 10% de frases são da categoria Generalizados, em que a espécie animal não é informada. Predominam termos abrangentes como pássaros, aves, peixes, animais, répteis, insetos, caçadores.
Outra conclusão relevante é que os ovinos, em 7º lugar, e caprinos em 10º, reforçam a grandeza quantitativa da família Bovidae, que inclui os bovinos. Por outro lado, cães foram prejudicados pelo fato de a raça canina galgo ter sido excluída, por não ser muito conhecida no Brasil.
Lobo e cobra foram os selvagens mais pontuados. Ratos ocupam a 11ª posição na pesquisa e, curiosamente, são os animais secundários com maior quantidade de expressões: 26. Secundários ou terciários são aqueles que aparecem na frase depois de um animal principal. Esta análise específica não fez parte da pesquisa para evitar repetição de frases.
O bicho vai pegar
A produção de novas expressões populares com animais, nos últimos 50 anos, ainda é um acervo inexpressivo no Brasil e não se limita a publicações tradicionais. O blog bem-humorado Confraria do Zé Japé, que se autodenomina Uma Faixa de Gaza no Nordeste, divulga dizeres antigos e novos: “Leva mais chifre do que pano de toureiro”. Em Ditados e Adágios Gaúchos, “Pode tomar o mate que os micróbios são de casa.”
Numa microrregião do Sul de Minas Gerais, caracterizada pelo agronegócio, dois livretos Boca a Boca foram publicados em 2006 e 2007. Em mais de mil expressões coloquiais, não chega a 5% a quantidade de citações animais: “Atropelei uma plantação de minhocas”. Muitos bichos nativos dessa região, principalmente pássaros, mudaram de endereço.
O Brasil (Imperial) foi o segundo país do mundo a lançar selos postais e destacou três animais: Olho de Boi, de Cabra e de Gato. O país acertou na escolha popular dos 25 representantes do Jogo do Bicho, criado em 1892. Apenas três bichos tiveram menos de cinco expressões proverbiais na pesquisa. Os demais alcançaram média e alta pontuação. Detalhe: o jogo tem dois equinos, burro e cavalo, e dois bovinos: touro e vaca.
O surgimento de expressões populares também passa pela recriação. Um provérbio haitiano ganhou modernidade tecnológica ao ser recriado: “O peixe que está sendo microondas não teme o relâmpago”.
Algumas versões de “pagar o pato” tiveram diferentes sentidos. Em Portugal, jogadores montados em cavalos deveriam arrancar de uma só vez um pato preso a um poste. Pagava o pato quem não conseguisse pegar a ave. Outro provérbio português diz que “sempre sai caro o barato, sempre o tolo paga o pato”. Em 1908, o filólogo João Ribeiro registrou no livro Frases Feitas: “São muitas as histórias que se contam; mais numerosas são ainda as que se podem inventar para ir ter à conclusão de que alguém pagou o pato sem o comer”.
Ao acrescentar gírias entre as expressões populares, o quinteto proverbial da pesquisa é substituído pela diversificação animal: bicho-grilo, lesma, mico, ficar de bode, abelhudo, tapa na pantera, tromba de elefante, fazer um gato, pé de galinha (rugas), pular um tubarão (séries televisivas), negociar com tubarões, chupeta de baleia, deu zebra, o bicho vai pegar…
O Wikipédia informa que o provérbio mais antigo do mundo, criado por volta de 1800 a.C., foi gravado em uma tabuleta de argila suméria: “A cadela por sua atuação apressadamente trouxe o cego”. Não é de hoje que equinos, cães, bovinos, galináceos e gatos disputam popularidade no formigueiro humano.