Estava na zona, trabalhou o dia todo.
Empresários miseráveis entediados
fugiram do escritório à francesa para encontrá-la.
Políticos promíscuos, assessores insignificantes,
sindicalistas, policiais, um bombeiro e duas cabeleireiras.
A grana foi boa, o aluguel pago, a internet salva.
Amanhã descanso. Filho adotivo, gato resgatado,
amigas de visita e no fim do dia o coral da igreja.
Chovia em Desterro, muito, a água quebrava no telhado.
Um livro? Não. Um vinho? Acabou.
Um CD do Chico? Pode ser. O travesseiro vazio.
Sábado tem mais. É a noite vocacional. A dos sonhos.
Só com amigos e amigas. Só com ‘legais’, só com gente.
Desceu até a cozinha, comeu um pedaço de melão,
lambeu os dedos, tocou de leve a foto de quando ainda
adolescente era Olívio, pobre, estudante,
franzino, alto, delicado e ingênuo.
Lívia transitou com suavidade cada degrau,
apagou a luz, aspirou os jasmins, virou a cabeça
e foi feliz, muito feliz, de alguma maneira era ela, só ela
a saber que isto acabaria, sem dívidas, sem dúvidas, sem dádivas,
e voltaria à faculdade, vitoriosa, Lívia vitoriosa, única, transcendente. Lívia livre, prelúdio de amor.
Por Raul Fitipaldi.
Pintura: La “Suite Vollard “de Pablo Picasso”.