Por Roberto Rockmann.
Além de novos modelos de financiamento atraentes para o capital privado e da adoção de múltiplas opções de transporte, mudar o quadro atual dos congestionamentos nas metrópoles exige uma política capaz de reduzir disparidades regionais e aumentar a criação de empregos nas regiões periféricas. A ocupação do solo tornou-se um assunto mais urgente por conta da valorização dos imóveis nos últimos anos. A oferta de serviços e de trabalho está cada vez mais distante das habitações das famílias de menor renda, afetadas pela infraestrutura urbana deficiente.
O Brasil registra um déficit de moradias estimado em cerca de 5 milhões de domicílios. Fora a defasagem, o País ganhará até 2024 cerca de 17 milhões de novas famílias, 10 milhões com renda entre 1 e 3 salários mínimos, segundo estudo da FGV Projetos publicado no ano passado. Ao se considerar uma atualização do valor médio das habitações de, aproximadamente, 68 mil reais, nos próximos dez anos seria preciso investir 760 bilhões de reais, ou 76 bilhões por ano, para suprir a demanda.
São Paulo é o símbolo do caos. A zona oeste da cidade oferece 20 vezes mais vagas de empregos e ofertas de serviços do que a leste. As seis subprefeituras que formam o Centro expandido (Sé, Pinheiros, Lapa, Vila Mariana, Santo Amaro e Mooca) reúnem 17% da população e 64% dos empregos. A chamada ZL concentra quase 40% da população, mas apenas 15% dos postos de trabalho. Pesquisa da TomTom, empresa europeia de tecnologia de transporte, aponta que os motoristas de São Paulo e do Rio de Janeiro perdem mais de 45 minutos para cada hora dirigida nos períodos de pico, o que leva as duas cidades brasileiras à liderança no ranking dos maiores congestionamentos nas Américas.
No Programa Minha Casa Minha Vida, uma das preocupações do governo tem sido entregar as moradias e acoplar demandas de serviços sociais e econômicos. Isso exige uma ampla articulação, principalmente nas regiões metropolitanas. Também há necessidade de uma melhor análise da política de uso e ocupação do solo urbano e da discussão de onde localizar habitações de interesse social nos municípios e estados.
Para a terceira etapa do programa, o governo projeta melhorias, entre elas a qualificação dos projetos. A União prepara um caderno de diretrizes, feito por pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro, com indicações de tamanho de quadras, largura de calçadas ou sugestões para sistemas viários próximos.
Os trens, que na década de 1950 realizavam cerca de 100 milhões de deslocamentos anualmente, hoje mal transportam 2 milhões de passageiros por ano em trechos de longa distância. Não há interligação entre o Rio de Janeiro e São Paulo por trilhos. Com o desinvestimento do governo federal e dos estaduais na rede, os trens de passageiros perderam competitividade e começaram a ser desativados, substituídos pelo transporte de rodovias. Hoje, apenas duas linhas férreas recebem transporte de passageiros: a Estrada de Ferro Carajás, entre a maranhense São Luís e a paraense Carajás, e a Estrada de Ferro Vitória-Minas, entre Vitória e Belo Horizonte.
No Rio de Janeiro, estudo do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas mostra que os bondes realizavam mais de 600 milhões de viagens por ano na década de 1950. Os carros, menos de 20 milhões. Em 2005, os bondes não mais existiam, enquanto os veículos respondiam por mais de 1,6 bilhão de viagens anuais. A cidade mudou de uma mobilidade essencialmente pública e movida a eletricidade (o bonde e o trem) para outra que mistura a mobilidade pública e privada e depende essencialmente de combustíveis fósseis, aponta o estudo do Ipea.
Isso não ocorreu apenas no Rio de Janeiro. O uso de transporte público no Brasil caiu de 68% na década de 1980 para 51% em 2005, enquanto o automóvel passou de 32% para 49%. Atualmente, os sistemas sobre trilhos respondem por menos de 10% da demanda de transporte público, e apenas em São Paulo e Rio de Janeiro se observam demandas mais expressivas.
Nas áreas urbanas dos municípios com mais de 60 mil habitantes, são realizados por dia cerca de 150 milhões de deslocamentos, 35% deles a pé, 32% por transporte coletivo e 28% por automóvel. No transporte coletivo, os ônibus atendem a maior parte dos deslocamentos (84%). Nos Estados Unidos, algumas grandes cidades também seguem o padrão de privilégio ao carro. Em Los Angeles, 80% da população utiliza o automóvel como meio diário de transporte.
Os brasileiros que utilizam transporte público de vez em quando, raramente ou nunca atribuem a baixa utilização a problemas de capilaridade e frequência (26%) e à lentidão e atrasos frequentes (24%). Um em cada dez brasileiros alega que o preço do transporte público é um limitador e outros 8% dizem que o transporte público é desconfortável, sujo, cheira mal ou está sempre lotado, aponta pesquisa da Confederação Nacional da Indústria.
Fonte: Carta Capital