Por Tadeu Rover.
O Facebook terá que informar os dados de uma usuária ao senador afastado Aécio Neves (PSDB-MG). De acordo com decisão do juiz Antonio Carlos de Figueiredo Negreiros, da 7ª Vara Cível, que confirmou liminar julgada por ele anteriormente, é “incontroverso a veiculação de mensagem atrelando o nome do autor [Aécio Neves] a suposto envolvimento com atividades criminosas e investigações policiais ainda em curso”.
Na ação, que tramita em segredo de Justiça, o parlamentar alegou que foi ofendido por uma usuária e que, devido à grande repercussão do caso, houve dano a sua imagem. Por isso, pede os dados dela para que possa tomar as medidas legais cabíveis.
O despacho publicado no Diário da Justiça Eletrônico de São Paulo não menciona qual foi o comentário que motivou a ação em 2016.
No perfil da usuária, no entanto, é possível ver algumas publicações em que ela cita Aécio Neves. Na mensagem com mais compartilhamentos (veja ao lado), diz que o político é ligado ao tráfico de drogas e citado na operação “lava jato”.
Além dos dados cadastrais, Aécio também tentou obter os dados pessoais e a “porta lógica de origem” utilizada pela usuária. O senador afastado também pediu que o caso tramitasse em segredo de Justiça.
Liminar concedida
Em setembro de 2016, ao analisar o pedido cautelar, o juiz Antonio Carlos de Figueiredo Negreiros entendeu que o teor difamatório dos comentários justificam o interesse de Aécio Neves em obter os dados da usuária, para que possa tomar as medias cabíveis.
O segredo de Justiça, contudo, foi negado naquele momento. “Não vislumbro risco de destruição ou remoção de provas que justifique a tramitação do processo em segredo de Justiça”, registrou o juiz.
Menos de um mês depois, contudo, o segredo foi decretado “para preservar o sigilo do usuário da curiosidade alheia”. Desde então o processo tramita em segredo, não sendo possível sequer acompanhar o andamento processual no site do Tribunal de Justiça de São Paulo.
Conflito de princípios
Em decisão publicada nesta terça-feira (20/6), a tutela antecipada foi confirmada, e o Facebook, obrigado a fornecer os dados de cadastro e registro de internet da usuária. A decisão ainda impede a rede social de informar à usuária sobre os requerimentos, “a fim de impedir a destruição de provas”.
Em sua decisão, o juiz explicou que não há princípios constitucionais absolutos, devendo no caso de conflito entre eles preponderar o mais relevante de acordo com o caso concreto.
Apesar de não ser objeto da ação, o juiz considerou necessário fazer juízo de valor da publicação que motivou a ação. Isso porque, segundo ele, o fornecimento de dados sigilosos de usuário de rede digital só se admite na hipótese de ato ilícito.
Ao analisar o conteúdo, o juiz concluiu que houve abuso do direito de manifestação do pensamento por parte da usuária. Assim, considerando que houve a probabilidade de dano à imagem de Aécio Neves, julgou o pedido procedente.
“Considerando que fora identificado aos autos a afronta ao direito à honra e à imagem do autor, observa-se que o fornecimento de dados e registros pertencentes aos criadores das páginas revela-se pertinente”, afirmou.
“Porta lógica”
O juiz julgou inviável o pedido do senador afastado para que o Facebook fosse obrigado a disponibilizar a “porta lógica” da usuária. De acordo com o juiz, a rede social é um provedor de aplicação, não sendo obrigado a guardar essa informação. Segundo a decisão, informações relativas à porta lógica de origem devem ser solicitadas aos provedores de conexão.
A porta lógica é um instrumento que surgiu com a expansão da internet, que passou a permitir a utilização de um mesmo Protocolo de Internet (IP) por mais de um usuário simultâneo. Há ainda uma discussão sobre quem deve armazenar a informação da porta lógica.
Em artigo publicado na ConJur, o advogado Marcelo Frullani Lopes ressalta que, segundo especialistas e a própria Anatel, apesar de não estar prevista na lei, essa informação é indispensável para que se identifique de forma unívoca o usuário infrator.
No entanto, afirma Frullani, não é consenso entre os provedores a definição de quem deve guardar essas informações. Nas decisões citadas em seu texto, ele aponta que dentro do próprio Tribunal de Justiça de São Paulo há divergência.
Kaminski critica segredo de Justiça adotado no caso.
“Fregueses” do Marco Civil da Internet
O advogado e professor Omar Kaminski, coordenador do site Observatório do Marco Civil da Internet, afirma que alguns políticos se tornaram grandes “fregueses” do Marco Civil da Internet, no que tange a pedidos de identificação e remoção de conteúdos.
O próprio senador afastado já ingressou com ações semelhantes. Em 2014, Aécio Neves conseguiu na Justiça o direito de obter dados de mais de 20 usuários do Twitter que estariam supostamente ofendendo o político, então candidato à Presidência da República.
Mais recentemente, outros dois políticos do PSDB também se utilizaram do Judiciário para obter dados de usuários. A Justiça de São Paulo confirmou liminar que obrigou o Twitter a fornecer dados de seis usuários ao governador de São Paulo, Geraldo Alckmin.
Em abril, o juiz Fernando Henrique de Oliveira Biolcatti, da 22ª Vara Cível de São Paulo, determinou que o Facebook forneça os IPs dos usuários suspeitos de articular protestos em frente à casa do prefeito de São Paulo, João Doria.
“Segredo” de Justiça
O advogado critica ainda o segredo de Justiça adotado no caso de Aécio Neves. Para ele, essa ação deveria ficar sujeita ao escrutínio e interesse público. “É um caso até banal, caso possamos considerar que processar usuários de redes sociais por ‘ofensas morais’ é algo ‘banal’, especialmente em se tratando de políticos, figuras públicas que são.”
A divulgação do nome do senador no despacho publicado reforça ainda um problema que envolve o segredo de Justiça e processo eletrônico, apontado por Omar Kaminski em artigo publicado na ConJur.
O professor aponta que só foi possível saber do processo porque o nome do autor acabou indexado nos mecanismos de busca após a publicação no DJSP tê-lo citado nominalmente.
Em seu texto, o advogado cita casos em que a proteção do segredo de Justiça falhou, como agora no caso de Aécio Neves. Para ele, essa discussão ainda precisa ser aprofundada.
“Há um nítido despreparo, e um descompasso, e urge um tratamento mais rigoroso das informações sensíveis (especialmente dados pessoais e informações sigilosas) contidas nos processos eletrônicos. Há necessidade de, no mínimo, mais atenção em relação ao manuseio e armazenamento das informações por todos os envolvidos”, afirmou.
Clique aqui para ler a decisão.
Processo 1107049-21.2016.8.26.0100
*Texto alterado às 16h25 do dia 21/6 para correção.
Fonte: Conjur.