Ódio, mentiras e defesa do nazismo. Por dentro dos grupos pró-Bolsonaro no WhatsApp

Por Vinícius Segalla.

DCM.- Entre os milhares de grupos de conversa de WhatsApp mantidos por simpatizantes e políticos de direita, em que se espalham notícias falsas e mensagens de ódio desde antes das eleições de 2018, um novo perfil de fórum de debates tem surgido, de cunho ainda mais radical, assumidamente defensor de teorias e políticas nazi-fascistas.

Eu, Vinícius Segalla, jornalista, ao longo dos últimos seis meses, tenho participado de dezenas desses grupos. No início de agosto do ano passado, obtive convites para entrar em três grupos de discussão de WhatsApp. Eram eles: “Mito 2022”, “Apoiadores de Bolsonaro” e “Brasileiros Conservadores”. A partir daí, utilizando meu telefone celular pessoal e sem jamais esconder minha foto ou meu nome, passei a integrar cada vez mais grupos, sempre por meio de convites que surgiam dentro dos próprios grupos.

Assim, atualmente, pelo menos até a publicação desta reportagem, participo de 49 grupos de WhatsApp de direita. Entre eles, estão “Michelle Bolsonaro”, “Agora é 38“, “Viva Sergio Moro!“, “Militantes Bolsonaristas“, “Aliança Brasil 7“, “Ustra Vive 7“, e “Aliança Patriota“.

Algumas características de forma e conteúdo são comuns a todos os grupos de direita de que faço parte:

  • Apoio incondicional ao presidente Jair Bolsonaro e às políticas implementadas por seu governo
  • Intensa proliferação de notícias falsas e mensagens de ódio contra adversários políticos de Jair Bolsonaro e seu governo
  • Apoio incondicional à pessoa e às ideias do escritor Olavo de Carvalho
  • Proibição de divulgação de links e notícias produzidas por veículos de comunicação da imprensa tradicional brasileira, tratada genericamente como “Extrema-Imprensa”, “Mídia Esquerdopata” ou nomes semelhantes. Apenas são aceitos links e notícias produzidas por veículos alinhados ao governo Bolsonaro, como “Terça Livre”, Jornal da Cidade” ou “Presidentebolsonaro.com”.
  • Expulsão sumária daqueles que desrespeitam as regras acima

Circulam pelos grupos com frequência listas de nomes e números de telefones que já foram expulsos de um ou mais fórum de debates, identificados como “sabotadores, infiltrados da Esquerda e defensores da corrupção”. Também não se permite a defesa de ex-membros do governo ou ex-simpatizantes de Bolsonaro, como Alexandre Frota, Gustavo Bebiano, Joice Hasselmann e Nando Moura.

Interessante notar que o youtuber conservador Nando Moura ainda mantém centenas de milhares de seguidores em suas redes, mas foi definitivamente banido dos grupos de Whatsapp, o que evidencia o alinhamento completo desses grupos com o governo, e não simplesmente com o pensamento de direita ou conservador. De fato, são grupos bolsonaristas, e não de direita ou conservadores, como mostra a descrição abaixo, do grupo “Brasileiros Conservadores” apenas um exemplo entre todos de que participo.

Descrição do grupo deixa claro seu alinhamento inegociável com Jair Bolsonaro

São incentivadas e compartilhadas críticas e ataques a todos os órgãos de imprensa que publiquem qualquer reportagem considerada demeritória a Bolsonaro, seu governo e apoiadores. Tais veículos, não importando sua linha editorial, ganham apelidos que – via de regra – remetem ao comunismo ou ao pensamento de Esquerda. Assim, a Rede Globo se tornou Red (Vermelha) Globo, o Estadão virou Esquerdão, a Folha de S.Paulo foi batizada de Foice de S.Paulo, o site Antagonista passou a ser Antagobosta, o site de buscas Google se tornou Goolag. A rádio Jovem Pan é o veículo que mais recentemente caiu em desgraça dentro dos grupos.

Abaixo, alguns exemplos de críticas aos meios de comunicação tradicionais.

O termo “comuno-nazi-fascista” é utilizado com frequência para identificar aqueles que criticam Jair Bolsonaro ou seu governo. No caso acima, serve para criticar a Rádio Jovem Pan e o STF

Deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Rede Globo: alguns dos alvos favoritos dos ataques nos grupos bolsonaristas

Nem mesmo o site de extrema-direita “O Antagonista” passa livre da ira dos grupos bolsonaristas de WhatsApp

É de se destacar também a disseminação sistemática de notícias falsas. Todos os grupos reproduzem e compartilham notícias falsas diariamente. Via de regra, tratam sobre políticos e partido de esquerda, órgãos de imprensa, cortes do poder Judiciário e críticos do governo Bolsonaro.

São basicamente três as fontes de notícias falsas:

1 – Mensagens sem identificação do autor ou de autores desconhecidos. Este tipo de notícia falsa sequer tenta se passar por uma reportagem de um veículo de imprensa. São mensagens apócrifas ou de autoria de pessoas desconhecidas do público, que circulam de grupo em grupo, sempre tomadas como verdade por aqueles que as comentam.

A primeira imagem abaixo, que é uma reprodução de uma postagem de Instagram, que identifiquei circulando em 13 grupos, dá conta de que João de Deus e Roger Abdelmassih seriam libertados em virtude da revogação da antecipação de pena após a condenação em segunda instância. Em outra, há a notícia falsa de que o ministro do STF Gilmar Mendes foi quem ordenou a expulsão do vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ) de todas as redes sociais (o nome do grupo em que a imagem foi capturada é “Anti-Feminismo“).

No terceiro exemplo, uma auxiliar de serviços gerais de Porto Alegre é identificada falsamente como sendo vice-diretora do PT. Finalmente, no quarto exemplo, é utilizado um vídeo de Luiz Inácio Lula da Silva em que o ex-presidente faz um agradecimento a um funcionário do Instituto Lula de nome Marcola, mas que nos grupos de WhatsApp monitorados passou a ser identificado como sendo Marcola, chefe do PCC.


2 – Vídeos do Youtube. São links para vídeos de youtubers de direita ou para montagens em estilo de reportagem, com fotos e áudio de narradores ao fundo, com toda a sorte de mentiras.

O PSL, ex-partido de Jair Bolsonaro e atual sigla de seus filhos Flávio e Eduardo, também é alvo de notícias falsas

Em vídeo com notícia falsa que circulou nos grupos bolsonaristas, partidos de esquerda são acusados de recrutar crianças para uma guerra civil

Na fake news bolsonarista, Lula foi vaiado por membros do PT, que teriam aplaudido Bolsonaro

3 – Notícias falsas da “imprensa independente”. São links para sites que se dizem jornalísticos, mas que são, na realidade, a principal fonte das fakes news que circulam nos grupos. Identificar quem são os proprietários desses domínios e os reais produtores de seu conteúdo seria de grande valia para entender como se orquestra o sistema de disseminação de mentiras pelas redes da direita bolsonarista.

Tal tarefa, porém, dependeria de ordens judiciais dentro e fora do Brasil, já que a maioria é registrada em outros países, e as informações que se pode obter por meio de páginas públicas sobre seus proprietários não são capazes de mostrar a real identidade de seus donos. Veja, abaixo, alguns exemplos.

Em uma das centenas de notícias falsas publicadas pelo site presidentebolsonaro.com, Luciano Huck teria convidado Lula para ir ao programa “Caldeirão do Huck”

Em outro caso emblemático, o site presidentebolsonaro.com publicou a notícia falsa de que uma filha do ex-prefeito de Santo André (SP) Celso Daniel teria acusado Lula de ter sido o mandante do assassinato de seu pai. (https://presidentebolsonaro.com/video-filha-de-celso-daniel-acusa-lula-de-ter-matado-seu-pai/). Na verdade, nenhuma filha de Celso Daniel jamais disse algo sequer parecido com isso. Para criar a fake news, o site faz uso de um vídeo de 2018, em que uma senadora do PSDB (Mara Gabrilli) faz críticas a Lula, mas não afirma ser ele o mandante da morte do ex-prefeito.

A publicação inverídica circulou amplamente nos grupos de Whatsapp, levando a mais uma onda de ódio contra o ex-presidente.

 

O pitoresco site “Templário de Maria” é outra das fontes de fake news dos grupos bolsonaristas

A Defesa do Nazi-Fascismo

Todo o conteúdo desta reportagem faz parte de um levantamento jornalístico que venho fazendo há seis meses. Minha ideia não era publicar essas informações agora. Meu objetivo era reunir mais fatos de relevância jornalística a respeito de tais grupos antes da publicação, já que deverei ser expulso de todos eles assim que esta reportagem for divulgada.

Fato é que os grupos que acompanho vêm sendo já utilizados com fins eleitorais para o pleito municipal deste ano. Era minha intenção mostrar como essa rede de fóruns de direita estaria novamente a serviço dos candidatos da direita, fazendo uso de campanhas de ataques orquestrados e muitas notícias falsas.

O que me fez mudar de ideia começou a ocorrer há cerca de um mês e ultrapassa a esfera eleitoral, ocupando o campo sob tutela do Direito Penal. É que, há 30 dias, de grupo em grupo, de convite em convite, acabei por me deparar com uma rede de grupos de WhatsApp assumidamente defensora do Nazismo. São grupos onde se afirma que o Holocausto jamais existiu. São grupos onde se ofendem pessoas por serem negras ou judias. São grupos onde se defende abertamente a figura de Adolf Hitler e o Nacional Socialismo alemão. São grupos pelo meio dos quais são marcados encontros e reuniões que se dizem apoiadoras do nazi-fascismo.

A Lei penal 7.716/89 descreve, em seu artigo 20:

“Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
Pena – Reclusão de um a três anos e multa.

§1º – Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular, símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo.
Pena – reclusão de dois a cinco anos e multa.

Assim, diante do cometimento de crimes ao vivo e sob o meu olhar, achei melhor tornar tudo público o quanto antes. O DCM compartilha do meu entendimento.

Sem mais delongas, seguem as imagens abaixo. Estou à disposição das autoridades policiais para auxiliar em toda e qualquer investigação.

    

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