Por Camila Rodrigues da Silva, para o Desacato.
Foto: Diogo G. Andrade.
Estive em atos do Movimento Passe Livre em Florianópolis nos anos de 2009 e 2010. Eles foram muito diferentes do “Primeiro Grande Ato” de ontem.
O trajeto dos anos anteriores ocupavam tradicionalmente os trechos entre o Terminal do Centro (Ticen), a Avenida Mauro Ramos, a Avenida Hercílio Luz e Praça XV, encerrando o movimento em frente ao Terminal. Ontem, a multidão (há quem arrisque 20 mil no auge da manifestação) saiu do TICEN, foi para a Mauro Ramos e entrou na Beira Mar tranquilamente, após a Polícia Militar fechá-las previamente. Soube (eu entrei na Mauro Ramos), que o pessoal também passou pela Assembleia Legislativa. Subir a ponte Colombo Salles, então, foi moleza. E que vista linda da sempre interditada ponte Hercílio Luz! Não sei quem definiu o trajeto, mas muita gente aproveitou para “tirar foto para postar no Facebook”, parafraseando o famoso funk contemporâneo.
A última passeata pelo Passe Livre da qual participei, nessa mesma época do ano, em 2010, tinha tanta viatura e tanto policial, que arrisco dizer que havia um fardado para cada manifestante. O grupo tinha cerca de 500 pessoas com uma escolta desproporcional. Era fácil ver carros do Choque ao redor. Lembro de ter contado 15 viaturas. Esse dia 18 de junho foi bem tranquilo. Havia menos polícia do que quando naquele ano, não era possível ver NENHUM carro do Bope ou do choque.
As palavras de ordem costumavam ser “Vem para luta, vem, contra o aumento”, “Ilha da magia, tem que ser mago para pagar essa tarifa”, “Não é ladainha, a tarifa está mais cara que a tainha”, “Quem não pula, quer tarifa”. Parte do movimento cantou e pulou o Passe Livre e a Tarifa Zero, mas não foi a maioria. Tentou-se cantar uma das melhores frases de efeito: “Ilha da magia: ela é do povo, não é da burguesia!” mas, entoada em plena Beira Mar, recebeu pouco coro e muitos olhares de reprovação ontem à noite, nas diversas vezes em que tentou sem ecoada.
A terça-feira de ruas e pontes cheias em Florianópolis cantava em uníssono “Vem para rua”, “Sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor”, “Se a corrupção não acabar, o Brasil vai parar”, “Professor vale mais que o Neymar”. Carregava-se muitas faixas sobre a PEC 37 (proposta de Emenda Constitucional que, se aprovada, retira o poder de investigação criminal do Ministério Público), algumas faixas em inglês (!) escritas “We are out of Facebook (nós saímos do Facebook)”, “Fora Dilma”, “Chega de corrupção”, “Desculpe o transtorno, estamos mudando o país” . Uma moça que passava pela Beira Mar pintou os olhos de roxo, como os dos atores globais. Outra, de nariz de palhaço, levantava o cartaz “Metade da sua vida é imposto”. Muitas máscaras do Guy Fawkes, aquelas usadas pelo grupo Anonymous. Do teto solar de um Jetta, carro que custa cerca de R$ 65 mil, subiu uma folha sulfite com os escritos: “eu apoio a luta”. Havia também, em menor número, faixas como “Corrupção é o caralho, a gente quer a tarifa zero”, “Estupro RBS, a gente não esquece”.
O episódio mais simbólico foi a de uma moça, que estava parada dentro de um ônibus no “pé da ponte” há mais de uma hora, e disse estar orgulhosa de tudo aquilo que estava acontecendo e que, na quinta, estaria nas ruas. Há três anos, um dos atos do Passe Livre foi parar a rótula da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), na Trindade, por alguns minutos, para explicar o motivo dos atos para a população. Não foi um sucesso. “Vocês estudantes estão fazendo a população ficar com raiva, ficar contra vocês”, disse uma mulher, enraivecida porque queria voltar para casa logo – aqui em Floripa, “voltar logo” de ônibus demora bastante. Essa comparação dá uma dimensão do poder das grandes TVs. Paradoxalmente, a Globo e a RBS, particularmente, foram bem xingadas pela maioria.
Voltemos ao ato de ontem. Chegamos de volta ao Ticen, e mais dois terços já haviam dispersado. Teve o momento, que sempre há nos atos do Passe Livre, de todos se sentarem entre o Mercado Público e o Ticen e decidir o que fazer. Tradicionalmente, também, a polícia cerca esse círculo de pessoas sentadas –e isso se repetiu ontem.
Foram colocadas duas propostas: pular as catracas do Ticen ou seguir de volta à Assembleia Legislativa. A maioria do que restou votou por pular catraca – o que também é comum. O que foi incomum foi a reação da PM que, dessa vez, não se moveu. Os seguranças do terminal também não. Visualmente, arrisco que cerca de mil pessoas pularam a catraca.
Em 2010, muita gente tomou cassetadas nas pernas enquanto pulava. Perguntei a um deles sobre o motivo da passividade e ele respondeu que foram orientados a não reprimirem naquele dia, já que era muita gente, as pessoas poderiam quebrar tudo e daria muita confusão.
É excelente que a Polícia Militar de Santa Catarina não tenha sido agressiva com a população como foi a de outros Estados. Mas não há como negar o estranhamento em relação ao movimento de ontem, principalmente pelo esvaziamento político. Ora, como muitos estão dizendo, “ninguém é a favor da corrupção!” Não há como ignorar a aflição de não ter ideia como tudo isso vai acabar.
Ao fim do ato, após a pulação de catracas, um amigo comentou de forma precisa: “se foi o ato mais cheio de pessoas em Florianópolis, talvez tenha sido o mais vazio de sentido”. Segundo a multidão, “quinta vai ser maior”. Para quem? Para quê?