Por Leonardo Sakamoto.
Desde que começou a ocupação da Reitoria da Universidade de São Paulo por alunos que reivindicam uma universidade pública mais democrática tem sido comum setores contrários veicularem reclamações denunciando um suposto “viés político” da ação. Os alunos estariam querendo “outras coisas” além dos interesses acadêmicos.
A mesma crítica sofrem os movimentos sociais que lutam pela reforma agrária ou os que defendem o acesso universal à moradia de qualidade nas cidades. São taxados de estarem “fazendo política” e não de lutarem para conseguirem um teto ou uma terra.
(Suspiro de preguiça…)
Essas críticas são estúpidas. É claro que as ocupações da USP, de terras improdutivas ou de prédios abandonados têm um objetivo muito maior do que apenas obter concessões de curto prazo. Elas não servem apenas para eleger um reitor de forma direta, desapropriar uma fazenda ou destinar um prédio aos sem-teto. Isso é importante, mas não é tudo.
Os problemas enfrentados pelos envolvidos nesses atos políticos não são pontuais, mas sim decorrência de um modelo que enquanto explora o trabalho, concentra a renda e favorece classes de abastados, deprecia a coisa pública (quando ela não se encaixa em seus interesses) ou a privatiza (quando ela se encaixa).
Pois é política uma decisão de entregar vultuosos recursos para grandes obras de engenharia completamente desnecessárias, que beneficiam alguns poucos, alegrando empresas amigas de campanhas, e negar aumentos que tirariam da categoria “vergonha-master” o valor do salários dos professores. Da mesma forma que a reforma agrária precisa vir acompanhada de uma mudança de prioridade, em que o latifúndio daria lugar à pequena agricultura.
Essas ocupações são atos políticos sim – e devem ter orgulho disso. Uma disputa de poder em âmbito local que está conectada com outras globais que, no horizonte histórico, poderá resultar na manutenção da pilhagem econômica, social e cultural da grande maioria da sociedade ou levar à implantação de um novo modelo – mais humano e participativo.
Democracia é algo gostoso de ser pronunciado, mas difícil de acatar. Porque o seu resultado não é, necessariamente, aquilo que esperamos que seja. Pode não ser o melhor ou mais preparado, na minha opinião, que é conduzido a um cargo, mas sim aquele que a maioria acredita ter essas qualidades. A maioria pode estar errada, claro. Mas faz parte do processo histórico ela perceber isso por conta própria e não ser guiada por alguns iluminados que acreditam conhecer a História do começo ao fim. A beleza da democracia está na divisão de responsabilidades, principalmente as decorrentes do fracasso. Mas também a inclusão de assuntos de interesse da maioria na pauta cotidiana.
Como garantir que uma centena de membros do Conselho Universitário, não eleitos para tanto, consiga entender a dimensão do ensino, da pesquisa e da extensão que guiam o cotidiano de mais de 140 mil professores, alunos e funcionários da comunidade da mais importante universidade do país? Como deixar na mão desse punhado de gente (e do governador do Estado, que pode pinçar qualquer nome de uma lista tríplice) o poder de escolher quem irá dirigir os rumos da universidade?
As carpideiras do mercado vão se lamuriar, afirmando que o caminho mais fácil seria a privatização da USP, através da cobrança de mensalidades, de taxas, de venda de espaços publicitários, de produção de pesquisa voltada apenas à necessidade das corporações, em suma, de otimização da gestão educacional utilizando critérios de sucesso considerados efetivos pelo mercado. Como uma empresa.
Uma universidade pública, como qualquer órgão público, deve ser gerida pelos princípios da impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade, eficiência e legalidade. Portanto, não fazer esbórnia com o dinheiro da sociedade. Mas também não ignorar as necessidades dessa sociedade nas decisões sobre qual conhecimento terá sua produção financiada. Conhecimento que beneficia a quem?
A USP já não se tornou um burgo ao se fechar para a cidade, tempos atrás, com um muro alto que impede aos contribuintes de fora de sua comunidade acadêmica terem acesso àquela enorme área verde nos finais de semana? E dar as costas à cidade fisicamente, ignorar a sociedade que a criou, é bastante simbólico do que acontece nos processos internos.
Assim como eu, muitos paulistanos, ricos e pobres, usavam a gigante área verde do campus principal da USP para fazer um piquenique no final de semana, empinar pipa, jogar um futebolzinho ou aquela partida de taco, namorar, caminhar, tai-chi, comer grama, correr atrás do próprio rabo, enfim, viver. Em outros tempos, era considerado um respeitado espaço cultural e de lazer tão importante quanto parques como o Ibirapuera ou o Carmo, com shows musicais e atividades esportivas.
Mas, sob a justificativa de garantir a segurança de salas de aula, laboratórios e escritórios, a reitoria da universidade restringiu o acesso do campus nas tardes de sábado e nos domingos. Porque, afinal de contas, a USP não é lugar para se divertir e sim para aprender – como se a dissociação de uma coisa da outra não significasse o fracasso de um povo.
A verdade é que colocar o “patrimônio” acima da qualidade de vida da milhares de pessoas é bastante representativo sobre a visão de mundo dos que controlam a universidade. A quem pertence a mais importante universidade do país e quem faz as suas normas? A quem ela serve? O coletivo, com discussões democráticas visando ao bem comum, ou alguns iluminados, falando em nome de todos?
Portanto, torçamos pelo sucesso dos estudantes que, hoje, vão dormir fora de casa. A luta deles mostra que o futuro não será tão sombrio quanto desejariam os ridículos donos do poder.
Foto: Facebook Ocupação USP