Nas recentes eleições gerais realizadas na Áustria, sagrou-se vitorioso um partido de extrema-direita, herdeiro dos ideais do nazismo. O nome desta agremiação é Partido da Liberdade da Áustria, cuja sigla em alemão é FPÖ.
Para muitos, pode soar estranho e incompreensível que uma agremiação filonazista tenha o termo Liberdade em seu nome. Porém, se recorrermos a nossa memória recente, vamos encontrar outros casos em que essa palavra estava presente de maneira enfática na boca de certos expoentes políticos também reconhecidamente vinculados às aspirações de cunho nazista.
Um deles refere-se ao atual presidente argentino, Javier Milei, quem, ao ser confirmado como vencedor do pleito presidencial em 2023, o primeiro que disse foi: “Ganó la libertad, carajo!” Além disso, até mesmo quando lançou suas forças policiais para reprimir violentamente os aposentados que protestavam contra a retirada de vários de seus direitos básicos, ele também colocou esse fato como uma grande vitória da liberdade.
Aqui mesmo em terras tupiniquins, o personagem político mais claramente identificado com os postulados do nazismo nunca titubeia em se dizer um firme defensor da liberdade em todos os sentidos. Logicamente, estamos nos referindo ao conhecido patriarca do bolsonarismo, para quem a imposição de regras para o funcionamento dos grandes conglomerados de comunicação digital deve ser tomado como um atentado à liberdade de expressão.
Seriam os expoentes dessa corrente política uns verdadeiros farsantes que nem sequer se envergonham de mentir tão descaradamente ao tachar de libertário um movimento político caracterizado pelo emprego da repressão mais brutal contra aqueles vistos como seus inimigos?
Porém, embora muitos desses sujeitos estejam constantemente fazendo uso de falsidades para amparar seus posicionamentos, não creio que, na questão específica de sua visão do significado da liberdade, eles estejam mentindo. É que o conceito de liberdade não é uno e imutável. A ideia da liberdade é sempre aquilo que o grupo social que a está expressando considera como sendo justo para si.
Portanto, a liberdade não significa o mesmo para um banqueiro que para um morador de rua, assim como um grande latifundiário e um trabalhador rural sem terras, por exemplo, não a entendem de igual maneira. Cada grupo social vê como justo e louvável aquela concepção de liberdade em que seus interesses sejam priorizados.
Feito o esclarecimento recém exposto, indaguemo-nos sobre o que poderia conformar a liberdade para um defensor do pensamento de extrema-direita, do tipo do nazismo, fascismo, bolsonarismo e assemelhados.
Em primeiro lugar, é fundamental que tenhamos consciência de que estas variantes ideológicas estão todas inteiramente dedicadas a servir aos donos do grande capital em momentos de crise aguda, ou seja, naquelas situações em que a manutenção de seus privilégios de classe não conseguem ser sustentada por meio de convencimento sem o emprego da repressão aberta.
Os banqueiros e os grandes proprietários rurais, por exemplo, consideram que sua liberdade deve implicar que seus capitais tenham a possibilidade de operar ou deixar de operar das maneiras que mais condigam com seus interesses específicos. Assim que qualquer entrave que seja anteposto à livre movimentação desses capitais costuma ser visto como uma afronta ao sagrado direito de os capitalistas disporem de seus bens como melhor lhes convenha.
Consequentemente, em vista do que acabamos de mencionar, quando os trabalhadores procuram se organizar em sindicatos ou associações em busca de alcançar melhores condições de barganha, os banqueiros e agro-empresários se sentem violados em seus sagrados direitos de propriedade, em outras palavras, eles consideram que sua liberdade está sendo violentada. E, creio eu, eles costumam estar sendo sinceros quando assim se manifestam.
Contudo, a compreensão do significado da liberdade vai ser muitíssimo diferente se, em lugar dos pontos de vista dos banqueiros ou grandes empresários rurais, os interesses a levar em conta sejam os dos trabalhadores. Em tal situação, o nível de liberdade aumentará ou diminuirá em conformidade com a elevação ou redução da capacidade de os trabalhadores travarem suas lutas por melhorias em suas condições de vida. Assim, se o governo fizer aprovar leis que favoreçam sua organização sindical, isto significará uma elevação de sua capacidade para desfrutar de sua liberdade.
Em sociedades de classes antagônicas, como é o caso de todas as sociedades capitalistas, o nível de liberdade de cada grupo social será sempre relativo e dependente de seu grau de autonomia em relação com as outras classes existentes na mesma. Quanto mais liberdade os capitalistas tenham, menos liberdade terão as classes trabalhadoras, e vice-versa.
Por isso, quando os nazistas, fascistas e bolsonaristas exigem e cobram total liberdade, eles defendem o poder absoluto para as classes pudentes se imporem sobre o conjunto dos trabalhadores. Pode acontecer que boa parte das massas seguidoras dos movimentos nazistas, fascistas e bolsonaristas estejam iludidas e não tenham ciência disto e acreditem que, ao clamar por liberdade, estejam lutando pelo bem de todos, mas os que dirigem os movimentos de extrema-direita têm total conhecimento do significado relativo do conceito.
No capitalismo, o nível de liberdade é sempre derivado do resultado da luta de classes. Nada é concedido ao trabalhador por livre e espontânea vontade dos capitalistas. A escravidão não acabou porque os capitalistas foram bonzinhos e ofereceram mais liberdade para seus trabalhadores. Qualquer melhoria nas condições de vida dos trabalhadores será sempre em função de sua luta e de sua organização. Para tal, é fundamental conquistar maiores graus de liberdade, pois, se dependesse da vontade dos capitalistas, a escravidão seria reimplantada sem nenhuma vacilação.
Jair de Souza é economista formado pela UFRJ; mestre em linguística também pela UFRJ.
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