Por Léa Maria Aarão Reis.
Uma plateia superlotada do Teatro Casa Grande, no Leblon, Rio de Janeiro, local de encontros políticos memoráveis, nos tempos duros da ditadura civil-militar, aplaudiu de pé, durante vários minutos, o documentarista Silvio Tendler, depois da exibição do seu mais recente longa metragem (70 minutos), O veneno está na mesa 2, lançado na ocasião.
Perseguindo a ideia de ampliar ao máximo as plateias dos seus filmes e tornar acessível a todos sua fértil produção cinematográfica, o DVD desta suíte de O Veneno está na mesa 1 já estava sendo vendido, nessa noite, por R$5,00. Dentro de alguns dias estará circulando na internet gratuitamente dentro da filosofia de Tendler do copie e distribua dos filmes que faz, nas redes sociais, TVs comunitárias e públicas.
Depois da sessão houve debate com Luiz Claudio Meirelles, pesquisador da Fiocruz e ex-gerente da Anvisa, com Nívia Silva, do Movimento dos Sem Terra (MST) e o diretor.
Meirelles chamou a atenção para o projeto de lei que está para ser votado no Senado que retira do Ministério da Saúde (da Anvisa) a competência para analisar e decidir, em conjunto com órgãos dos ministérios do Meio Ambiente e do Ministério da Agricultura sobre questões relacionadas ao uso de agrotóxicos no país, em prejuízo grave à saúde pública do país. Ressaltou também a sistemática campanha de desinformação ao cidadão sobre os males dramáticos que o uso desses produtos tóxicos representa na mesa do brasileiro e a ocultação, por parte da mídia, até de episódios de crianças mortas, no campo e de mulheres que enlouquecem, intoxicadas nos ambientes rurais. Episódios que, criminosamente também, não são informados à população.
No documentário, o presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, doutor em Saúde Pública e especialista em Medicina Social acrescenta: “Para além das decisões científicas e das decisões econômicas, que são os interesses do agronegócio, a saúde pública acaba sendo sacrificada.”
Se em O Veneno 1 são denunciadas as perversas consequências do uso de agrotóxicos, este documentário de agora enfatiza o modelo agrícola nacional de hoje, com seus malefícios para a saúde pública. Em contraposição, apresenta as experiências agroecológicas empreendidas em praticamente todas as regiões do Brasil, mostrando a existência de alternativas viáveis, colocadas em prática por centenas de agricultores, produtores de alimentos saudáveis que respeitam a natureza, os próprios trabalhadores rurais e os consumidores.
Um dos alertas do filme é o de que o país precisa se posicionar, com urgência, diante do dilema apresentado – que aliás constitui uma encruzilhada planetária: qual o mundo onde queremos viver e que desejamos aos nossos descendentes? O mundo envenenado do agronegócio ou da liberdade e da diversidade agroecológica?
O outro alerta à população mostra como estamos nos alimentando mal e perigosamente por conta de um modelo agrário perverso, baseado no agronegócio.
Para quem não sabe: o Brasil é o país que mais consome agrotóxicos no mundo inteiro – 5,2 litros/ano por habitante. Número assustador. E mais: em um intervalo de 90 em 90 minutos alguém, no Brasil, é intoxicado por agrotóxico – consumidor ou trabalhador rural.
Muitos desses herbicidas, fungicidas e pesticidas estão proibidos em quase todo mundo em virtude do risco que representam à saúde pública. Mas acabaram sendo desovados nos países periféricos que vivem processos econômicos desenvolvimentistas segundo o modelo capitalista clássico. Lembra a professora e pesquisadora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará, Raquel Rigotto: “Nas plantações de bananas, no país, é utilizado o triclorfom. Causa câncer. No cultivo de cebola, parationa metílica. As plantações de maçãs são pulverizadas com abamectina e as terras onde se planta hortaliças a pulverização contamina terra e águas por metal.”
O perigo que esses produtos mortais representam se estendem aos trabalhadores rurais – são quem manipula os venenos. E, é claro, aos cidadãos que os consumem. No filme, testemunhos de alunos e de uma professora de escola rural vizinha a grande plantação polvilhada com produtos tóxicos, de propriedade de empresas transnacionais, atestam que “os aviões que pulverizam esses produtos passam tão baixo sobre o telhado da escola que sentimos até o calor de seus motores.”
No modelo predatório de desenvolvimento aqui posto em prática, comenta-se: “caminhamos céleres para o deserto verde, terra arrasada para os pobres e muita riqueza para os já ricos.” O lucro fica com as transnacionais aqui instaladas, empresas que fabricam agrotóxicos como a Bayer, Monsanto, DuPont, Syngenta etc. como denuncia O veneno 2 cujo objetivo é mostrar e alertar para como estamos, desinformados que somos, nos alimentando mal e perigosamente por conta de um modelo agrário perverso baseado no agronegócio.
O doc mostra, por exemplo, a efervescência que não é noticiada pela mídia tradicional, a velha, em todo Brasil – do Rio Grande do Sul ao Rio Grande do Norte, Amazônia, Ceará, Pernambuco, Mato Grosso, Espírito Santo, Paraná, Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais –, das cooperativas que operam no sistema agroecológico, em harmonia com as leis da natureza. E com lucro.
“A produção do agronegócio, de alimentos com venenos é uma situação escandalosa,” comenta João Pedro Stédile, outro entrevistado no filme, líder do MST e parceiro de Tendler na elaboração do documentário. Os dois atualmente já estão trabalhando na pré-produção de outro filme, sobre as privatizações feitas no país. “As técnicas da agroecologia são tão produtivas quanto aquelas chamadas técnicas modernas,” diz Stédile. “Está mais que provado que podemos produzir sem venenos sem desequilibrar o meio ambiente.”
Nesse modo de trabalhar a terra respeitando os ciclos naturais, “há um grau de artesanato, sem dúvida”, diz um agricultor da agroecologia, em O veneno está na mesa 2. “O que não significa, de modo algum, que não utilizamos tecnologias modernas e que nosso negócio seja ‘pequenino’.”
Foto: Teatro Casa Grande
Fonte: Carta Maior.