Por Thiago Burckhart, para Desacato.info.
Hoje em dia a estética é um valor negado. Não refiro-me à banalização da noção estética e a busca pela perfeição visual, que inclui a perfeição corporal, no sentido da “esteticomania”, como fala Marcia Tiburi. Mas sim à estética compreendida em sua etimologia (aisthésis) que significa percepção, sensibilidade, sensação, ou seja, percepção pelos sentidos.
Num contexto marcado pela falta de pensamento, ação, e emoção, a estética é um valor negado, rejeitado, marginalizado. A brutalidade nossa de cada dia calcada em uma racionalidade que em certo sentido é irracional, faz com que nossa relação com os valores mais humanos se desmanchem no ar. Esse desmanche, em muitos casos, ocorre em nome da própria estética, ou melhor, em nome de uma visão deturpada do que é a estética e de suas potencialidades.
Vendem-se sentimentos/emoções/afetos!
Num contexto marcado pela razão instrumental, pela vida de plástico e por emoções de plástico, buscam-se e vendem-se emoções. A felicidade, um conceito relevante e importante na história da filosofia – que remonta a eudaimonia aristotélica – foi substituída pela felicidade mercadológica. O deus dinheiro passou a controlar a dimensão estética da vida, fazendo-nos idolatrar o sentido do “parecer” em detrimento do “ser”, e portanto, do sentir.
Assim, procuram-se sentimentos. Em praticamente todos os lugares as emoções e afetos são plasticamente produzidos e vendidos com o objetivo de propiciar momentos de alegria anestésica, pois elas não estão mais presentes nos cotidianos. As emoções passam a ser mercantilizadas, vendidas no livre mercado da felicidade.
A estética, ou seja a percepção pelos pelos sentidos, é o que nos permite construir sentidos à existência. Num contexto onde não há sensibilidade, sentimentos e emoções, não há também sentido em ser humano. Diga-se, não há sentido em ter sentidos. Desse modo quando os sentidos não são criados autonomamente por nós mesmos podem ser facilmente substituídos pelos sentidos que nos são vendidos no livre mercado da felicidade.
Estética, ética e política
A estética, portanto, ao ser definida como a sensação, sensibilidade, percepção pelos sentidos, tem a potencialidade de reconfigurar a dimensão ética e política (ação) que também fazem parte da vida humana. O valor da estética é o de afetar e mudar mentes, humanizar. Apesar de historicamente serem vistas como coisas apartadas, a estética possui uma intrínseca relação com a ética, já que as percepções de cada pessoa podem alterar sua forma de pensar a relação com o outro, dando espaço para a ação, a política, nos termos pensados por Hannah Arendt.
Nesse contexto, a estética tem a potencialidade revolucionária de proporcionar a todos a percepção, e a partir disso pensá-la em termos éticos e praticá-la em termos práticos. Enquanto a dimensão estética interior for sistematiamente negada pela sociedade e pelos mecanismos de dominação biopolíticos e tanatopolíticos o valor da estética enquanto potencialidade será negado, e juntamente com ela a capacidade humana de emancipação.
Thiago Burckhart é estudante de Direito.
Imagem: http://pt.slideshare.net/joaopaulorodrigues927/tica-aristteles