
Redação.
A avalanche de decretos do novo mandato de Trump comoveu o mundo e, particularamente, América Latina. Os desafios para enfrentar o imperialismo, mesmo este em aparente decadência, são enormes para os países da nossa região. O crescimento de uma extrema direita radical de tom fascista, disposta a subverter permanentemente a legalidade e a legitimidade em favor dos seus propósitos, torna o cenário ainda mais duro.
As relações comerciais dos nossos países não são as mais favoráveis da história; nosso poder de decisão no âmbito do próprio Sul Global é limitado. A ausência de instrumentos como a UNASUL e o debilitamento da CELAC pelas investidas do imperialismo conseguem fragilizar as relações históricas de irmandande que, em algum momento, permitiram enfrentar diversos impérios e, nos primeiro anos do atual século, o maior de todos, os Estados Unidos.
Que futuro nos espera? Como se reaglutinam forças para o enfrentamento do campo democrático e popular contra esse avanço desesperado do imperialismo e seus asseclas regionais?
Sobre essa situação tão difícil que atravessamos, Raul Fitipaldi, conversou, para o Portal Desacato, com um dos mais importantes pensadores contemporâneos da Pátria Grande, o sociólogo e polítólogo, Atilio Borón. A seguir o diálogo:
O declinio do poder imperialista
Raul Fitipaldi. O presidente Trump assinou mais decretos executivos em 100 dias do que em todo o seu primeiro mandato. Vários deles afetam diretamente as relações com os países da nossa região e, em alguns casos, foram revertidos ou suspenso. Isso poderia sugerir um grau de desespero e declínio por parte do imperialismo norte-americano diante do avanço comercial da China na América Latina?
Atilio Borón. O presidente Trump foi um hiperativista na produção de ordens executivas, o que chamamos de decretos presidenciais em espanhol — um número enorme, muito mais do que em todo o seu primeiro mandato. E acho que isso reflete a situação muito delicada que o imperialismo norte-americano está atravessando. Hoje falar sobre o declínio do império norte-americano não é mais uma questão única ou exclusiva da esquerda, porque até mesmo tanks conservadores, como a Rand Corporation, têm insistido, justamente, na questão do declínio do poder dos Estados Unidos no cenário internacional e a necessidade de tomar algumas medidas para evitar um colapso catastrófico.

Isso pode parecer um exagero da minha análise, mas não seria a primeira voz autorizada a falar da possibilidade de uma queda muito retumbante, muito dramática do império americano. Porque não só a Rand Corporation tem dito isso. Se você ler atentamente o último livro escrito por Zbigniew Brzezinski, publicado pouco antes de sua morte, chamado Visão Estratégica: América e a Crise do Poder Global, ele coloca nada menos que 6 temas, que, na sua visão, reproduzem de alguma forma o que aconteceu com a União Soviética e o colapso da União Soviética. Isso dito por um pensador da direita radical e por um estrategista do império notre-americano, que o que fez em toda sua obra foi tentar fortalecer o imperialismo norte-americano demonstra claramente que isto não é mais uma questão de pessoas que somos críticas do imperialismo, mas é uma realidade objetiva e tangível.
Um cisma dentro da classe dominante e da elite dirigente dos Estados Unidos
Alguma das coisas sobre as quais fala Zbigniew Brzezinski naquele livro do ano 2012, era a polarização política dentro dos Estados Unidos. Ele já via essa polarização com grande preocupação. Ele morreu antes de ver Donald Trump eleito em novembro de 2016. E se hoje Brzezinski voltasse a escrever seu livro, ao ver o grau tremendo de polarização que se produziu na política notre-americana, e que ele define isso como um cisma dentro da classe dominante e da elite dirigente dos Estados Unidos, suas vozes de alarma seriam muito mais fortes do que antes. Essa é uma das coisas que ele ressalta. Também destaca a questão da crescente desigualdade econômica, que mina a legitimidade dos sistemas político e social.
Então, evidentemente, o fato de que exista este hiperativismo presidencial de Donald Trump, produzindo toda essa série de decretos, fala claramente da gravidade dessa situação e como ele está tentando resolvê-la de alguma forma. Poderíamos quase dizer que com uma esperança mágica de que essas questões possam ser revertidas por meio do decisionismo presidencial, ou seja, a decisão política que resolve problemas que são de fundo e não serão resolvidos. É por isso que, tomou muitas decisões, mas muitas delas também foram revertidas. E tiveram que ser revertidas porque são realmente impraticáveis ou requerem condições que não estão presentes de forma alguma no momento atual.
Pense, por exemplo, na sua proposta de acabar com a guerra na Ucrânia em 24 horas. Bem, já se passaram mais de 3 meses e não há sinais de que a guerra esteja prestes a terminar. Ele quer expulsar os imigrantes; os mal chamados imigrantes ilegais, mas bem, no final das contas, ainda hoje, ao analisar o número diário de imigrantes expulsos, Barack Obama expulsou muito mais que Donald Trump. E se Trump quer ficar com o Canal do Panamá, ele pode dizer isso, mas é evidente que há um longo caminho entre dizer e fazer. Ele obteve uma pequena vitória ao fazer que o Panamá saisse da faixa da rota da China, mas isso parece mais um gesto em direção ao Governo dos Estados Unidos porque, na realidade, a relação do Panamá com a China nesse terreno eram muito fraca. Estados Unidos também não comprou a Groenlândia, como disse que iria comprar, nem vai incorporá-la.
Então, parece que esse hiperativismo representa a fraqueza de um império que busca desesperadamente se reconstruir. Mas nem Trump, nem seus assessores, nem a direita, lêem corretamente, nem os próprios globalistas, ligados ao Partido Democrata, perceberam da enorme importância e solidez com que se vai formando o sistema multipolar que hoje caracteriza o cenário internacional, o que representa um obstáculo fenomenal aos planos do imperialismo norte-americano. Trump quer retornar a uma época em que a voz dos Estados Unidos era uma voz de ordem e obediência, irrefutável para todos os países, e neste momento sabemos que isso não é possível. Pode causar muito dano? Sim. Está causando muito dano a alguns países, por exemplo, na nossa América, muito dano a Cuba, à Venezuela. Ainda tem muita capacidade de causar dano, mas isso não significa que tenha capacidade de reconstruir aquela ordem que muitos sonhavam: Make America Great Again, ou seja, uma ordem unipolar onde os Estados Unidos não teriam mais rivais. Isso acabou, não tem como isso funcionar e na verdade, o que vem a seguir são tempos muito complexos de reacomodação, onde os Estados Unidos continuarão sendo um país muito forte, mas não terão mais as chaves para administrar o sistema internacional como tradicionalmente fizeram, especialmente no período que vai desde o colapso da União Soviética em 1991 até, digamos, alguns anos atrás, quando o sistema internacional mudou definitivamente e assumiu um caráter multipolar, não há uma data exata de quando isso aconteceu, mas digamos que é um fenômeno que é um fenômeno quem vem se marcando de forma muito nítida nos últimos 5 ou 6 anos.
R.F. Há uma crescente lacuna ideológica e referencial em nossa região. Governos como os de Lula, Orsi, Petro, Xiomara, Maduro e Sheinbaun, por exemplo, são respondidos com governos como os de Bukele, Milei, Noboa, Rodrigo Chávez, Abinader ou aparentemente “hesitantes” como os de Boric e Arévalo. Para onde penderá o equilíbrio ideológico na próxima década?
A.B. É difícil ver para que lado a balança penderá nos próximos anos. A situação na América Latina é muito delicada. Os Estados Unidos estão fazendo esforços extraordinários para recuperar o controle total da região. Eles sentem que essa região escapou do seu controle total, e de fato isso aconteceu de várias maneiras, e por isso estão fazendo um esforço desesperado para tentar recuperá a influência perdida. Acredito que o primeiro ciclo de governos progressistas desafiou mais os interesses do império do que o momento atual. Quando digo o primeiro ciclo de governos progressistas, quero dizer o ciclo que começou com a vitória eleitoral de Hugo Chávez em 1999. E depois os governos de Lula e Néstor Kirchner, e depois os de Evo, Correa, Tabaré Vázquez e Zelaya em Honduras.

Claro, esse era um cenário diferente com governos que tinham outras condições de se fortalecer contra os Estados Unidos, e foi justamente por isso que a ALCA foi rejeitada. A rejeição da ALCA não teria sido possível se esses governos não tivessem a força que demonstraram na época. Hoje, neste segundo ciclo de governos progressistas, temos governos muito mais moderados, mais hesitantes. São os governos de Claudia Sheinbaum no México, cujo processo começou na verdade com Andrés Manuel López Obrador em 2018. Tivemos então a eleição de Claudia Sheinbaum, antes a eleição de Xiomara Castro, a reeleição de Lula no Brasil, a eleição de Gustavo Petro na Colômbia.
São acréscimos importantes para o bloco progressista na região, mas é um bloco muito mais moderado. Se você olhar as políticas dentro desses governos, o mesmo dentro do governo brasileiro ou do governo mexicano, evidentemente há uma atitude muito mais cautelosa da que houve no passado. São contextos internacionais muito mais desfavoráveis para as exportações desses países latino-americanos. Não é a mesma coisa hoje como era naquela época. Isso faz com que esses governos estejam dando uma batalha, mas, por exemplo, não conseguiu-se retomar a UNASUL.
Chávez morreu, Néstor Kirchner morreu, Fidel morreu, e isso de alguma forma enfraquece os processos progressistas na região
Também devemos levar em conta o desaparecimento físico de alguns personagens-chave desse período. Chávez morreu, Néstor Kirchner morreu, Fidel morreu, e isso de alguma forma enfraquece os processos progressistas na região em condições mais duras, com um império muito mais determinado a encostar-se na América Latina devido aos obstáculos que encontra no cenário internacional. Isso torna muito difícil prever para que lado a balança vai pender. Gostaria que ele se inclinasse um pouco mais para a esquerda, mas não estou muito otimista. Nesse sentido, acho que vai ser muito difícil. Eu acho que continuará havendo governos que serão fundamentalmente reformistas, mas… mornos, que não terão muita força. Parece-me que estaremos em nossa região com esses governos hesitantes e tímidos, porque as condições são muito difíceis.
Tomemos como exemplo o caso do Brasil. É muito interessante, mas depois falarei sobre isso. Vejamos as enormes dificuldades que a Argentina enfrenta ao lidar com um governo de extrema direita radical. Os obstáculos que Gustavo Petro enfrenta em sua própria gestão, que são realmente muito significativos e que o deixam de mãos atadas. As dificuldades que se avizinham em relação ao futuro do Chile, onde há muito poucas chances de um governo progressista vencer novamente, a tal ponto que dois dos candidatos mais fortes pertencem ambos à extrema direita radical: um é José Antonio Kast e o outro é Johannes Kaiser. São dois netos de altos funcionários do regime nazista que vieram para o Chile, assim como vieram para a Argentina e vieram para o Brasil depois da Segunda Guerra Mundial. No caso do Chile, ambos os candidatos são candidatos da extrema direita radical. E ainda assim o governo ainda não tem uma candidatura e, se aparece, algum será muito fraco.
Portanto, acho que infelizmente continuaremos num cenário onde haverá, no melhor dos casos, forças progressistas muito moderadas. Isto com um agravamento da situação social que poderia, eventualmente, levar a algum tipo de comoção social muito forte. Mas hoje ainda não percebemos que essas condições estejam dadas. Aquilo que o Lênin chamou de condições subjetivas, ou seja a consciência e a organização das forças populares, isso ainda está muito demorado.
O novo cenário eleitoral dos nossos países é muito difícil
R.F. Que influência terão as próximas eleições em 2025 e 2026 na região na previsão do progresso ou fracasso das relações multipolares e do papel da América Latina e do Caribe no Sul Global?
A.B. Não há indícios alentadores. Acabei de dar a vocês o caso do Chile, por exemplo. Teremos que ver como o Brasil se sairá na tentativa de reeleição de Lula. Há alguns sinais muito preocupantes. Vamos ver se Petro consegue realmente ser reeleito (N. da R.: eleger seu sucessor/a) em meio a uma campanha tão infernal quanto a travada contra ele. Em Honduras as perspectivas são melhores, acredito que o Partido Livre de Mel Zelaya e Xiomara Castro prevalecerá nas eleições.
No entanto, não podemos esquecer que a direita tem recursos realmente excepcionais. para controlar a situação, porque, por exemplo, você pode fazer o que se fez no Equador recentemente, onde houve um roubo escandaloso da eleições. Devo dizer que houve alguns autores que fizeram uma análise matemática da progressão de votos e como ela finalmente ocorreu no resultado do segundo turno. É matematicamente impossível que tal resultado tenha ocorrido. Mas dado que no Equador a direita instalou uma verdadeira ditadura onde o presidente Noboa controla o Tribunal Constitucional, controla o Conselho Nacional Eleitoral e tem a capacidade de subornar e comprar votos no Congresso. Dadas essas condições, obviamente não há reconhecimento da fraude e, infelizmente, tanto a União Europeia quanto a OEA reconheceram esses resultados, assim como vários governos latino-americanos. O primeiro a reconhecê-lo foi Gabriel Boric. Também o reconheceu o presidente Lula e, claro, Donald Trump. Eu acho então acho que realmente existe isso e pode acontecer em Honduras.

Nesse contexto, estas eleições não terão um peso positivo. Porque pode haver um processo eleitoral em que a direita consiga conquistar novos redutos. Tem a ver com as manipulações a partir dos dados eleitorais. O cenário do Equador este ano pode se repetir. Parece-me que precisamos ver se essas eleições podem realmente representar o interesse popular ou não, e se os Estados Unidos e seus aliados na região vão facilitar que o eleitorado de esquerda possa ter uma candidatura que seja vitoriosa sem contratempos.
O Vietnã exporta mais do que o Brasil
Eu também acrescentaria que nossa influência no sistema internacional e no Sul Global tem muito a ver com nossa capacidade de unificar a América Latina. Por isso a reunificação ou a ressurreição da Unasul é uma tarefa pendente muito importante. O mesmo a questão da Celac, que agora tem a presidência do Gustavo Petro como presidente, e se ele consegue dar vida à Celac, transformá-la em um ator vivo e não apenas numa organização burocrática, então seria possível que houvesse uma gravitação mais importante no cenário internacional. Hoje em dia, digamos assim, esse nosso peso é muito pequeno.
Outro dia eu estava dando uma palestra sobre questões econômicas. Os alunos me perguntaram sobre a gravitação econômica dos países latino-americanos, e bem, o que eu disse foi que a América Latina, infelizmente, vem perdendo espaço na economia global. Até levantando questões como a da maior economia da América Latina, que é a brasileira, no comércio internacional, quando você olha as exportações do Brasil e as compara com as do Vietnã, país pequeno territorialmente falando; o Vietnã, não creio que tenha uma área maior da que Minas Gerais, e ainda assim exporta mais do que o Brasil. Não muito mais, mas exporta mais do que o Brasil, o que mostra, digamos assim, que nossa posição de influenciar a economia global é muito fraca. O Vietnã exporta quatro vezes mais do que a Argentina.
Então, nossa capacidade de nos inserirmos no sistema político internacional, neste sistema que é multipolar, definitivamente multipolar, mas a menos que façamos um esforço para e articular nossas economias, será muito difícil termos a influência que gostaríamos de ter.
O limite das instituições democráticas
R.F. Existem limites para governos antinacionalistas e pró-imperialistas como o de Javier Milei?
A.B. Há limites para governos escandalosamente reacionários e colonialistas como o de Javier Milei, e eu diria para governos como o de Nayib Bukele. A verdade é que acho que sim. Mas os únicos limites o proporciona a mobilização popular, a força do povo organizado que vai às ruas na defesa das suas propostas e seus interesses.
A batalha das ideias
O limite não é estabelecido pelas institucionalidade democrática, porque vemos que esses governos estão arrasando com as instituições democráticas, distorcendo-as, tornando-as sem sentido. Não nos esqueçamos do escandaloso processo de manipulação perversa das instituições democráticas em 2016 no Brasil. Ou os efeitos do lawfare na América Latina, onde o próprio Lula esteve preso. Rafael Correa tem quase 50 processos contra ele. O vice-presidente de Correa, Jorge Glas, está preso com uma doença muito grave, há mais de 5 anos. A ilusão ingênua de que a ordem institucional latino-americano acabará com os governos da direita radical é só uma ilusão infantil, nenhuma correlação com a vida real. Este me parece ser o ponto fundamental. O único obstáculo é o único, o único freio que esses governos podem ter é o freio do protagonismo popular se este avançar e se consolidar. Se conseguirmos retomar a iniciativa na batalha de ideias, como disse Fidel, ou como sugeriu Gramsci ao seu modo. Se conseguirmos quebrar o controle que a direita radical obteve sobre grandes setores da sociedade. Criando novas subjetividades que superem o espírito conformista, o culto à antipolítica, o hiperindividualismo exacerbado, toda essa ideologia que foi tão fortemente incutida nas classes popular. Por exemplo de que é melhor ser proprietário do que filiar-se a um sindicato; ser seu próprio chefe patrão é verdade e, portanto, deixar de lado todas as estratégias coletivas.
Na medida em que não consigamos vencer ou reverter essa batalha, será muito difícil que os setores populares possam impor limites a esses governos, mas repito, esses governos não têm limites nas intitucionalidade democrática da América Latina, nem mesmo na institucionalidade republicana. Temos um poder judiciário que joga contra nós. Falei da ameaça lawfare contra Cristina Fernández na Argentina, da ameaça do lawfare também contra Petro na Colômbia. E o que aconteceu, digamos, no Peru contra Pedro Castillo, que é um escândalo impressionante. Pode se colocar limites a Milei se vencermos nas ruas. Se a participação popular assume uma importância fundamental que ainda não tem neste momento, este é o ponto decisivo. Se as pessoas estão dispostas a lutar contra esse projeto elas podem colocar esses limites, agora, se não forem às ruas, se não saírem dispostas a lutar, vai ser muito difícil que isso tenha limites. Por que o projeto de Milei é projeto dos Etados. Para os Estados Unidos, o governo de Milei é um governo modelo. Eles querem um modelo assim para o Brasil, para o Chile. Que todos nossos países tenham um governo como o de Milei, ou uma mistura entre Milei e Nayib Bukele em El Salvador. Esse é o modelo, e eles estão dispostos a investir muito dinheiro para apoiar esses governos.
Pense no empréstimo escandaloso que o Fundo Monetário Internacional lhe deu agora ao governo de Milei, é um escândalo fenomenal; viola a própria normativa do FMI, e ainda assim eles lhe emprestaram dinheiro. Dinheiro que a Argentina não poderá pagar. Eles já haviam aprovado US$ 57 bilhões para Macri vencer a eleição em 2018. Felizmente, eles só desembolsaram US$ 47 bilhões porque o presidente Alberto Fernández disse que não queria o empréstimo integralmente. Mas, eles estejam dispostos a investir esse dinheiro para apoiar esse governo. Não podemos ser ingênuos.
Esteve há pouco tempo atrás o Secretário do Tesouro de Trump, Scott Bessent. Ele não disse que haveria um aporte monetário enquanto estava na Argentina. Porém, alguns dias depois de retornar aos Estados Unidos, em resposta a uma pergunta da imprensa, o homem disse que, eventualmente, o Departamento do Tesouro poderia considerar um empréstimo especial do Governo dos Estados Unidos. Bessent disse que governo de Milei está indo na direção certa. E até mesmo a diretora-gerente do fundo, Kristalina Georgieva. fugindo das normas estabelecida e as recomendações, disse estar disposta a apoiar a Argentina à Argentina para que o povo continue votando corretamente, o que é uma interferência inadmissível nos processos políticos eleitorais da América Latina.
Conscientização, mobilização e organização
Por isso é preferível termos governos progressistas, de esquerda, que se amparem fortemente na mobilização e na organização popular. Falamos de conscientização, mobilização e organização. Esse é o triângulo fundamental para planejar uma estratégia que supere esses governos de extrema direita na América Latina. A mobilização sem organização não nos leva a lugar nenhum. Estes são alguns dos ensinamentos que nos oferece a história recente da América Latina.

Dois erros gravíssimos de Lula
R.F. Como o senhor avalia a atual gestão do presidente Lula em termos de relações inter-regionais?
A.B. O governo do presidente Lula, lamentavelmente, em matérias de relações interregionais cometeu alguns erros sifnigicativos. Há que levar em consideração que a política exterior do Brasil depende mais de Itamaraty que do presidente. Sabemos que Itamaraty tem uma burocracia muito permeada pelos interesses dos Estados Unidos. Uma burocracia onde a unidade regional e nos defender do imperialismo não tem muitos adeptos.
Já no passado o presidente Lula cometeu um erro quando se opôs à incorporação da Venezuela ao Mercosul. Agorra volta a cometer esse erro, de forma ainda mais grave ao se opor à incorporação da Venezuela aos BRICS. Parece-me é um erro enorme por parte do Presidente Lula, porque a Venezuela tem muito a contribuir aos BRICS. Isso realmente é um erro imperdoável. Do mesmo modo a persistência em exigir uma recontagem das atas nas eleições venezuelanas, algo que não fez em relação às eleições completamente fraudadas que ocorreram no Equador. Então há uma inconsistência nesse comportamento do presidente Lula. Eu o aprecio, como aprecio seus esforços e sua disposição para mudar. Mas ele está em uma aliança, onde os setores do chamado Centrão, são mais uma agenda de direta muito forte. Isso coloca limites muito fortes à sua capacidade de agir. E acredito que é por isso que ele ainda não entendeu o papel fundamental que o Brasil deve desempenhar na América Latina. Para o Brasil desempenhar esse papel tem que estar disposto a oferecer algumas concessões aos seus parceiros. Do contrário vamos cair no que um grande analista brasileiro como foi Ruy Mauro Marini chamou da tese do sub-imperialismo brasileiro. Temos que justamente evitar a tentação do sub-imperialismo, que é o que eu acho que pode ser muito prejudicial ao Brasil.
Rever a atitude do Brasil com relação à Venezuela
Há uma necessidade de rever profundamente a política internacional do Brasil na América Latina, e acredito que o começo disso é ter uma atitude diferente em relação à Venezuela, assumir o fato de que, por favor, a Venezuela é um país bloqueado. Vive uma guerra infernal. O bloqueio contra a Venezuela hoje é tão forte quanto bloqueio que existe contra Cuba. Então não se pode ter um critério para julgar esses governos sem prestar atenção acontece. Gostaria de saber quais seriam as condições se o Brasil não pudesse importar nada, se não pudesse pagar o que importa, se não pudesse exportar, se nenhum navio pudesse atracar num porto brasileiro sem ser sancionado, sem que nenhuma empresa possa vender para o Brasil, porque se elas vendem para o Brasil, elas entram na categoria de empresas que colaboram com o terrorismo internacional. Essa é a situação da Venezuela, então devo ser honesto: estou muito irritado com a atitude do presidente Lula em relação à Venezuela. Acho que ele deveria corrigir isso, e também acho que se ele não a corrigir, ele ficará decepcionado, porque o resto dos membros do BRICS vão forçar a Venezuela a entrar no BRICS, provavelmente passando por cima do veto vergonhoso do governo brasileiro que não condiz com o que era originalmente o projeto de unidade latino-americana do Partido dos Trabalhadores e do Brasil em seus melhores momentos.
Atilio Alberto Borón é sociólogo, politólogo, catedrático e ensaísta argentino. Doutor em Ciência Política pela Universidade de Harvard. Professor consultor da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Buenos Aires e pesquisador do IEALC.
Raul Fitipaldi, é jornalista e apresentador, cofundador do Portal Desacato e da Cooperativa Comunicacional Sul – @raulfitipaldi