Por José Antonio Lima.
Não fosse o impressionante número de cliques gerados em cada álbum de fotos postado em sites do mundo inteiro, o Femen, grupo cujas integrantes protestam com os seios de fora, estaria relegado à total irrelevância. Não seria uma injustiça, tendo em vista a completa falta de conexão com a realidade das ideias vazias da maioria de suas integrantes.
A última polêmica envolvendo o Femen, fundado na Ucrânia em 2008, remete a um protesto feito por uma ativista ligada ao próprio grupo. No fim de março, a tunisiana Amina Tyler, de 19 anos, postou no Facebook fotos em que aparecia com os seios de fora e com as inscrições “F… sua moral” e “Meu corpo pertence a mim e não é fonte de honra para ninguém”. Era um protesto contra a precária situação da mulher no mundo árabe e as inúmeras violações às quais são submetidas.
As fotos de Amina trouxeram à tona o lado mais horrendo do fundamentalismo islâmico. Ao menos um líder salafista (ultraconservador) sugeriu que a garota deveria ser apedrejada até a morte. As ameaças fizeram Amina se esconder. Surgiu, então, o Femen, com seu feminismo “iluminista”. A ideia do grupo era mobilizar integrantes em diversas partes do mundo em solidariedade a Amina. A manifestação, no último dia 4, se tornou uma orgia de imperialismo e islamofobia. Os protestos foram realizados em frente a mesquitas, bandeiras com referências ao Islã foram queimadas e uma participante chegou a posar, com os seios de fora, com uma barba falsa e uma toalha na cabeça, uma referência a Maomé.
Não foi a primeira demonstração de falta de noção do Femen. Em janeiro, num protesto contra a prostituição na Alemanha, o Femen usou o slogan Arbeit macht frei (“o trabalho liberta”), estampado na porta do campo de concentração de Auschwitz. Usar o ponto mais sensível da história alemã no protesto causou indignação de feministas alemãs.
No caso dos protestos “em defesa” de Amina Tyler, houve reação. Diversas feministas árabes se incomodaram. As integrantes do grupo Mulheres Muçulmanas Contra o Femen publicaram uma carta aberta dizendo estar “cheias e cansadas de ouvir de mulheres privilegiadas a perpetuação do estereótipo de que a mulher muçulmana, a mulher de cor, a mulher do sul global é submissa, desamparada e precisa do ‘progresso’ ocidental”. Em entrevista a uma emissora de tevê francesa, Amina afirmou que apoia o Femen, pois o grupo é “verdadeiramente feminista”, mas se distanciou dos atos recentes. “Sou contra. Todos vão pensar que eu encorajei suas ações. Elas insultaram todos os muçulmanos em todos os lugares e isso não é aceitável”.
A tréplica do Femen mostrou uma face desconhecida do grupo. No site oficial, as mulheres muçulmanas foram retratadas como “vítimas de Síndrome de Estocolmo”, estado psicológico de quem passa a ter simpatia por seus sequestradores. Em tom condescendente, Inna Shevchenko, uma das líderes do Femen, afirmou que as mulheres muçulmanas dizem “não precisar de liberação, mas em seus olhos está escrito ‘me ajude’”. Em carta, Inna se dirige às mulheres, mas diz fazer isso “apesar de saber que por trás delas estão homens barbados com facas”.
Os atos e os comentários do Femen mostram quão raso é o tipo de pensamento norteador de suas ações. O Femen é incapaz de perceber que nem todo muçulmano, nem todo árabe, nem todo homem é machista.
O grupo não entende a existência de mulheres muçulmanas que realmente desejam usar véus e não reconhece os homens que lutam contra a cultura patriarcal dominante na região. Mais importante, o Femen não entende que, assim como fazer referências nazistas não avança causa alguma na Alemanha, a nudez ocidental não trará benefício à mulher árabe que batalha diariamente contra o sexismo. Ao contrário, ao atrelar a feminista árabe com a imagem de uma ocidental seminua fantasiada de Maomé, o Femen, como afirmou a pesquisadora australiana Susan Carland, as transforma automaticamente em “traidoras religiosas e culturais”. Desta forma, o único feito do Femen é isolar ainda mais essa causa na sociedade árabe e dificultar qualquer tipo de avanço.
Fonte: Carta Capital.
N. da R de Desacato.: Nem todas as muçulmanas são árabes
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