Leio no jornal: “No último relatório do Programa da Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos, de 2010, 16,3% da amostra de tomates tinham presença de ingredientes não autorizados ou resíduos acima do permitido pelo órgão” (Folha de São Paulo, Caderno Comida, 19/09/2012). Segundo Roberto de Albuquerque Melo, da Associação Brasileira de Horticultura, “às vezes, infelizmente, são detectados resíduos de agrotóxicos nos tomates que comemos”.
No mesmo dia 19 de setembro, recebo mensagem pela internet: “É com pesar que comunico a passagem dia 08/09 da Maria Cristina Carvalho da Silva, acometida de um câncer fulminante diagnosticado há um mês. A Cris participou do 5-CETA-2 em 1977. Um forte abraço a todos da MIM, dos Peregrinos – CETA-RS.” Respondi: “Puta merda, compas. Mais uma numa idade e tempo em que isso não podia acontecer. Encontrei a Cris não faz muito num evento no Rio da Rede Unida, articulação na área da saúde, onde representei o governo federal. Ela veio me agradecer a presença, elogiar a fala sobre a participação social como método de governo, e de como as práticas populares são um alimento para a alma – recentemente o Conselho Nacional de Saúde aprovou a política nacional de educação popular em saúde. Cuidemo-nos, por favor! Estou cansado de ouvir e receber tantas notícias tristes. Selvino.”
Estes dias, o Conselho Nacional de Segurança Alimentar (CONSEA) promoveu uma Mesa de Controvérsias sobre os Agrotóxicos. Também há poucos dias o ministro Gilberto Carvalho convidou-me para assumir, em nome da Secretaria Nacional de Articulação Social da Secretaria Geral da Presidência da República, a Secretaria Executiva da Comissão de Agroecologia e Produção Orgânica, que deverá, junto com uma Câmara Interministerial, coordenar a formulação da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, segundo decreto da Presidenta Dilma Rousseff de 20 de agosto.
Em 2008, o Brasil, segundo dados da Secretaria de Extrativismo e Desenvolvimento Rural do Ministério do Meio Ambiente, ultrapassou os Estados Unidos e assumiu o posto de maior mercado mundial de agrotóxicos. Nos últimos dez anos, as vendas de agrotóxicos cresceram cerca de 93% no mundo. No Brasil, este crescimento foi de 190%. O mercado nacional movimentou cerca da US$ 7,3 bilhões em 2010, 19% do mercado global. 852,8 milhões de agrotóxicos foram pulverizados em 2011: soja, 40%; milho, 15%; cana e algodão, 10% cada; cítricos, 7%; café e trigo, 3% cada; demais, 15%.
Hora de agir. O Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional 2012-2015, construído pela Câmara interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional – CAISAN, prevê a ‘promoção de um modelo de produção, extração e processamento de alimentos agroecológicos e orgânicos e de proteção e valorização da agrobioversidade e o aperfeiçoamento de mecanismos de gestão, controle e educação voltados para o uso de agrotóxicos, organismos geneticamente modificados e demais insumos agrícolas.
Os movimentos sociais propõem: banimento imediato dos agrotóxicos proibidos em outros países; proibição de pulverizações aéreas de agrotóxicos; fim das isenções fiscais para agrotóxicos; fortalecer e ampliar as políticas de aquisição de alimentos produzidos sem agrotóxicos para a alimentação escolar; priorizar a implantação de uma Política Nacional de Agroecologia.
O Engenheiro Agrônomo e pesquisador da EMBRAPA Hortaliças, Edson Guiducci Filho, falou na Mesa de Controvérsias sobre Agrotóxicos que é preciso vontade política. E citando Marx – a humanidade só se coloca problemas que pode resolver –, enfatizou a necessidade de ações imediatas, como: uma política de redução do uso de agrotóxicos; ampliação de novas tecnologias nos processos e práticas existentes; a definição de medidas e metas ousadas; a ampliação de recursos para pesquisa, desenvolvimento e inovação, com participação da EMBRAPA e parceiros, de instituições de pesquisa, Universidades, organizações e movimentos sociais.
Não sei a causa do câncer da Cris, companheira de Pastoral de Juventude dos anos 70. Mas cada vez mais os alimentos cheios de venenos colocam no sangue e nas veias de todas e todos nós venenos invisíveis, que causam doenças, cânceres e mortes absurdamente prematuras.
O grande poeta Pablo Neruda, em ‘Oda al Tomate’, escreveu: ‘O tomate tem luz própria”, celebrando a hortaliça como ‘astro da terra’ e ‘estrela fecunda’. O tomate, no trocadilho de ‘too much’, que significa ‘demais’, e os alimentos em geral, hortaliças e frutas em particular, não podem continuar sendo venenos ambulantes gerando doenças e matando pessoas, seja as que plantam e produzem, seja as que consomem. É tempo de produção orgânica e agroecológica, o que exige alimentação adequada e saudável, com um novo modelo de produção agrícola, onde o mercado não tenha a última palavra e o lucro não seja a única referência. A saúde do planeta e das pessoas vale muito mais.
Em vinte e oito de setembro de dois mil e doze.
* Assessor Especial da Secretaria Geral da Presidência da República