O TCC sobre o Bolsa Família: uma aula de jornalismo

Por Luis Nassif.

Na sexta participei de uma banca de TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) da Faculdade Metodista de Jornalismo.

Trabalho excepcional da moçada sobre o Bolsa Família, tanto no vídeo de 25 minutos quanto no trabalho escrito, abordando vários aspectos do programa e da discussão política sobre ele.

A equipe responsável foi composta dos alunos Bruno Martins, Carlos Simalha, Cintia Alves, Deborah Scarone, Estele Kim, Gessica Cruz e Rafael Rodrigues, sob orientação do professor Valdir Aparecido Boffetti e Verônica Aravena Cortes.

O mais relevante, no entanto, é o documentário focado em senhoras beneficiárias do Bolsa Família, mostrando seu dia-a-dia, os problemas que enfrentam para atender às condicionantes do programa. Mais que isso, mostrando de maneira crua o que é a vida de um miserável.

Entrevista a senhora, mãe de sete filhos, que acolhe a vizinha, mãe de quatro, em um quartinho, em uma comovente demonstração de solidariedade. Mostra geladeiras vazias, a vergonha da pobreza, a esperança com o futuro, os problemas para cumprir as condicionalidades do programa, o filho que não mais frequenta a escola por vergonha de suas roupas, a economia para comprar uma camiseta para a filha pequena.

A revolução na gestão das empresas brasileiras teve início quando o foco de toda a ação passou a ser o consumidor. As empresas se debruçaram para conhecer sua clientela, para analisar de que maneira seus serviços eram recebidos e percebidos e, a partir daí, focar seus planos de melhoria.

O mesmo deve ocorrer em qualquer política pública: a análise do que acontece na ponta. E é isso o que o vídeo mostra de maneira exemplar.

A exposição do mundo real é temperada com entrevistas com especialistas, de André Singer a Floriano Pesaro – o vereador tucano que teve a melhor professora do país sobre políticas sociais, dona Ruth, e parece não ter aprendido muito com ela.

Confira alguns dos mitos desmontados pelo vídeo.

A cobrança de contrapartidas

Floriano aparece dizendo que a crítica dele é quanto à falta de acompanhamento das condicionantes do programa. Na sequencia, a entrevista de duas senhoras contando que perderam parte do BF pelo fato dos filhos terem abandonado a escola.

Quais os motivos? Em um caso, vergonha do filho de ser pobre, de ir mal vestido e ser alvo da zombaria dos colegas. Em outro, falta de roupa de frio, impedindo sua saída de casa em dias de muito frio. Há o caso de uma mãe que paga 70 reais por mês para a condução que leva a filha à escola.

A preocupação de Pesaro, que se diz especialista, é apenas com a cobrança, para evitar a malandragem. A do documentário – de jovens de pouco mais de 20 anos, que nunca estudaram políticas sociais – é identificar as dificuldades para cumprir as condicionalidades.

Em outro contraponto, Floriano diz que o objetivo do programa não pode ser o de meramente transferir dinheiro indefinidamente para as famílias, mas de fortalecer a livre iniciativa, a economia, o mercado. Em seguida, a mãe de família miserável, de sete filhos, dizendo que o objetivo de governo deve ser “olhar para nós”. No céu, Dona Ruth enrubesceu.

Faltou no projeto uma análise melhor sobre a miséria absoluta, a fome absoluta, a partir dos próprios estudos de Josué de Castro. A partir dessas análises se poderá avaliar melhor o enorme significado de tirar alguém dessa situação.

O foco do BF e a falácia do mundo ideal

Assim como Pesaro, o trabalho (escrito) apresentou as críticas inconsistentes ao programa, por parte de frei Betto e do ex-Ministro Cristovam Buarque, grandes praticantes da chamada falácia do mundo ideal.

Como funciona? Apresenta-se um objetivo extraordinário, ambiciosíssimo, com chance zero de sair do papel, para se contrapor a um trabalho que, mesmo com resultados excepcionais, jamais conseguirá chegar perto desse mundo de fantasias. O objetivo é mostrar ao mundo como o autor da fantasia é muito mais solidário com a pobreza, e muito mais ambicioso nos seus objetivos do que esses reles mortais sem virtude e sem ambição.

O trabalho levanta entrevistas de Betto dizendo que o Fome Zero tiraria todo mundo da miséria e colocaria no mercado produtivo em dois anos. Para tanto, articularia programas de horta comunitária, reforma agrária (seria interessante saber como seria a reforma agrária na periferia das grandes cidades, foco maior da miséria), alfabetização, recursos hídricos, cooperativismo, capacitação profissional…. O Fome Zero não conseguiu organizar sequer a distribuição de alimentos e roupas que chegaram até ele no grande mutirão social que a eleição de Lula deflagrou.

O modelo engendrado por Patrus Ananias é eficiente justamente devido à sua simplicidade e abrangência. O objetivo do Bolsa Família é cadastrar todos os miseráveis e garantir um recurso mínimo para tirá-los da fome absoluta, condicionado a dois pontos: filho grande na escola, recém-nascido no posto de saúde. Nunca se pretendeu salvar a atual geração de miseráveis, porque impossível. Nem colocá-los no mercado de trabalho da noite para o dia, porque inexequível. O objetivo é simplesmente o de lhes fornecer uma migalha de cidadania, para tirá-los dessa doença social, da miséria absoluta. E, em cima dessa base, posteriormente, articular outras políticas sociais.

A porta de saída

Outro mito que se desmonta – a partir dos depoimentos colhidos – é a tal da porta de saída. Conta-se uma caso de senhora bem sucedida, que foi acolhida pelo Bolsa Família, depois tornou-se empreendedora de uma cooperativa de costureiras em Osasco.

Mas só conseguiu isso porque na ponta, em Osasco, houve um trabalho social relevante, ajudando a organizar as senhoras para a tal porta de saída. Ou seja, a porta de saída depende fundamentalmente das ações das prefeituras na ponta.

A partir daí, há espaço para uma crítica consistente ao Bolsa Família. De que maneira estão amarrando, com as prefeituras, programas de inclusão social, de inclusão no mercado de trabalho? De que maneira outros programas sociais do governo, de transferência de recursos para prefeituras, podem ser articulados com o BF, à medida em que o principal já se tem: o cadastro e acompanhamento das famílias assistidas?

Aqui, o finalzinho do vídeo, com o depoimento da empreendedora de Osasco e da senhora que mora de favor. Se o grupo autorizar, coloco a íntegra.

Fonte: Luis Nasiff Online

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