Nos ensinaram a sermos bons e a cooperar,
não falaram que muitas vezes é preciso questionar.
(Rosangela Bion de Assis)
O artigo 196 da Constituição Federal de 1988 é claro ao afirmar que “A saúde é direito de todos e dever do Estado”. O artigo 2º da Lei 8.080, que dispõe sobre as condições para promoção, proteção e recuperação da saúde, afirma o seguinte “A saúde é direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.” Assim devendo ser, entendemos que do mesmo modo que os hospitais, as Unidades de Pronto Atendimento (UPA) e as Unidades Básicas de Saúde (UBS), mantidas pela população através de impostos, devem estar à disposição dos munícipes durante toda época do ano e com uma equipe de profissionais capazes de atender a demanda a ela inerente, fato que não acontece em muitos municípios brasileiros.
No domingo dia 22 de janeiro, por volta da meia noite precisei acessar a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) 24 horas no município de Tijucas/SC. Cheguei na UPA a atendente me informou que não havia médico no local para fazer o atendimento. Isso mesmo, a UPA estava aberta, sem a presença de um médico. Então a atendente me indicou que fosse até o hospital São José (disponibiliza algumas vagas para o Sistema Único de Saúde – SUS), que fica uns 2 km do local. Chegando ao hospital, esperamos por aproximadamente uma hora, quando o médico acendeu as luzes de uma sala na frente e me chamou. Nunca fiquei tão “feliz” com a presença de um médico. Atendeu-me rapidamente e me encaminhou para a sala ao lado para tomar soro e medicamento. Pedi um atestado, pois eu ainda não havia dormido e eu precisaria trabalhar cedo, ele disse que não seria necessário, pois amanhã (na verdade já era hoje) eu estaria melhor. Encaminhei-me até a sala e a técnica de enfermagem me manda deitar em uma maca com os lençóis sujos, assim faço, com um nojo enorme, era a única opção. Tomei o soro e o medicamento. Vale lembrar que saí do hospital já pela madrugada, e ainda doente, é claro.
Decerto que acordei indisposta e continuei com os mesmos sintomas. Voltei com meu acompanhante (que também “perdeu” um dia de trabalho, na verdade do salário) na UPA 24 horas, pois na UBS não havia horário para atendimento médico no mesmo dia. A técnica de enfermagem mediu minha pressão, estava 8/5. Uma médica extremamente mal humorada (para não dizer grosseira) me atendeu. Estava quase brigando comigo por eu estar doente, juro! Quando expliquei que precisei faltar ao trabalho por conta da situação, ela disse que não me daria atestado médico, pois ali era uma “emergência”. E ainda perguntou se eu só fui lá para pegar atestado, além de outras grosserias. Pasmem! Eu perguntei educadamente (sério mesmo!) se ela achava que eu estava em condições de trabalhar. Ela, na maior cara de deboche, me disse que sim. Ora, eu estava com uma virose, vomitando e com diarréia, mal conseguindo levantar a cabeça, pois estava sem me alimentar, e a “médica” (para não haver xingamentos) me diz que “para ela” eu estava bem! Ah não, daí para além de estar me sentindo uma palhaça, eu já estava sendo pra lá de humilhada, e o pior de tudo, por uma alienada que não se reconhece enquanto trabalhadora (tudo bem, isso é culpa do sistema). Na verdade, ser alienada eu até entendo e respeito, mas atender um paciente como se estivesse fazendo um favor, daí já é demais.
Pois bem, sabemos que o Sistema Único de Saúde (SUS) com mais de duas décadas de atuação apresentou significativos avanços, não obstante o SUS vivido pela classe trabalhadora está muito longe de ser aquele apresentado em nossa lei maior. Mas o que impressiona é a falta de organização, compromisso e respeito dos gestores municipais com essa política pública. Será que o gestor não compreende que tratando-se de Unidade de Pronto Atendimento 24 horas, significa que o local tem que estar pronto para atender durante as 24 horas, parece tão óbvio, isso remete a dizer que precisa ter uma equipe mínima para atender os usuários, o que inclui necessariamente um médico. As Unidades de Pronto Atendimento – UPA 24h são estruturas de complexidade intermediária entre as Unidades Básicas de Saúde e as portas de urgência hospitalares, onde em conjunto com estas compõe uma rede organizada de Atenção às Urgências.
Sabemos que o médico é um ser humano comum e que por essa razão também tem seus problemas, ou seja, ele também pode precisar faltar ao seu trabalho. Mas, cabe ao gestor ter a visão de chamar um dos tantos outros funcionários médicos, que devem ter pelo município para cobrir essa falha, pagando hora extra, é lógico.
A reflexão ética é orientada por valores que possuímos, por essa razão é importante que trabalhadores e gestores tenham conhecimento da legislação e da política que se submetem a trabalhar, para não correrem o risco de atender a demanda de seus serviços de maneira desconexa com o que é legalmente apresentado. Ainda estou sem entender o motivo que os médicos têm para não entregar uma declaração de comparecimento na unidade em que o paciente foi atendido, ainda que seja em uma emergência do hospital ou na UPA. A Constituição diz que a saúde é um direito universal, logo, para não ser descontado um dia do salário do trabalhador é preciso apresentar um atestado médico comprovando a razão que o levou a faltar o trabalho.
Agora percebam a contradição, o médico atende o paciente o encaminha para sala de soro e medicamento, fornece um receituário para comprar o medicamento (porque não tinha na farmácia do posto) e mesmo assim julga que o paciente está em condições de trabalhar, e assim deve ser, porque ele não quer ter o trabalho de entregar uma declaração como o usuário compareceu naquela instituição, comprometendo assim todo um contexto social. Parece-me extremamente contraditório a médica dizer que eu não estava doente, e ao mesmo instante me passar um receituário médico. Se não estou doente por que ela me receitou medicamento? Por que fiquei tomando soro?
É importante enfatizar nessas contradições as possibilidades de sua superação, incorporando de maneira adequada ao que é disponibilizado via legislação, remetendo ao atendimento não só as demandas atualmente postas e não atendidas, mais ainda as demandas emergentes e a constituição de novos valores no sentido de cumprir integralmente o que se anseia para as gentes. Dessa maneira se pode viabilizar o direito da classe trabalhadora, que não tem plano de saúde privado, de ter acesso à saúde pública da maneira que disponibiliza nossa Constituição Federal de 1988.
Foto: http://devaneios-loucos-de-eliene-almeida.blogspot.com/2010/07/eu-sou-como-um-palhaco-triste-que.html
Hoje em dia as pessoas não lutam pelos seus sonhos e sim pelo $$$, querer qualidade de atendimento tendo pessoas com esta visão é complexo, somos vistos como produto em uma linha de produção onde entramos num hospital ou PA, passamos por um processo e saimos… e caso teja algum produto que esteja com problema, somos refugados, apenas números !!!!
Por isto digo temos que mudar de dentro para fora e passar esta mudança para outros, provavelmente na nossa geração não vamos sentir tanto, mas para as gerações futuras….
Se você que esta lendo acha que não vale a pena, pense que o mundo esta assim, parte pela herança que recebemos daquelas pessoas que não se preocuparam com o futuro e parte sim é nossa responsabilidade…
Passei por uma situação parecida e foi constrangedor onde nem com plano de saúde se resolve muita coisa…
Na Terra, atualmente cada recurso é associado a uma etiqueta de preço. Logo, para poderem ser vendidos por mais caro, recursos precisam ser escassos. Talvez isso explique a carência de atendimentos gratuitos, e acredito que muitos médicos passaram a tratar a medicina como um mercado, e a exercem apenas pelo lucro. E a falta de recursos públicos injetados na área da saúde faz com que, por exemplo, poucos médicos estejam atendendo nas emergências hospitalares, ainda quando estão…
O artista de circo gira apenas um punhado de pratos. Uma analogia mais precisa para a situação dos médicos nas emergências poderia ser com pilhas de pratos, uns em cima dos outros, todos com formas e pesos diferentes. Acrescentando a isso a ecologia de um setor de emergência, o número de pessoas puxando as mangas do jaleco, interrompendo e distraindo com pedidos e cobranças enquanto se gira os pratos. E não se esquecendo de que estamos em uma época de tratamentos administrados com pouco dinheiro, de modo que se precisa estabelecer prioridades e alocar recursos de forma econômica; é mais barato retirar vários pratos das hastes, o que significa limitar os exames e mandar o paciente para casa rapidamente. Talvez estejam tratando mais do dinheiro do que de pessoas em si.
Enfim, excelente e com muita pertinência a sua crítica Lidiane, parabéns!
Abraços.
Bom, acho um absurdo a forma que nossos representantes encaram a saúde no Brasil. Mas vejo um outro grande problema que a população não percebe, o descaso de parte dos funcionários dessa área. Alegam que por ter salário baixo ou em atrazo, não conseguem exercer a profissão de forma adequada, o que pra mim é inaceitável, pois lidandam com pessoas e não produto. Um tratamento como esse que você teve é muito comum por ai, e acho que deveria ter punição severa. Esse profissional ao se formar faz um juramento que, pelo que consta, não é cumprido da forma. Voltando às aos nossos representantes, acabo concordando com outros países que a população se rebela em massa contra o governo quando existe algo de errado. É muito fácil fazer uma fachada, inalgurando novos centros de saúde, mas deixando ao relento sem suporte.
Hoje existem vários veículos de comunicação gratuítos onde podemos expressar o que pensamos ou até mesmo fazer reinvindicações e campanhas. Um exemplo é o facebook, onde milhares de pessoas compartilham idéias em tempo real pelo brasil e pelo mundo. Em vez de ficar falando da “Luiza q foi pro Canadá”, por que não fazem uma campanha nacional contra o mau atendimento na saúde pública??? Bom, se eu pudesse mudaria tudo isso, mas sozinho ninguém consegue, temos que nos unir ne mesma causa… Lidiane, parabéns pelo depoimento, precisamos reforçar esses pontos mesmo… beijo