O sexênio (2011-16) perdido e a crise fiscal

Por José Eustáquio Diniz Alves.

“No inferno os lugares mais quentes são reservados àqueles que escolheram a neutralidade em tempo de crise”. Dante Alighieri

A economia brasileira cresceu mais de 7% ao ano entre 1950 e 1980, bem superior a média de 4 a 5% da primeira metade do século XX. Foi um dos maiores crescimentos do mundo. Mas o modelo desenvolvimentista entrou em crise a partir de 1981 e, mesmo apresentando oscilações cíclicas, reduziu muito o crescimento do PIB nas décadas seguintes. Os anos 80 foram definidos como a primeira década perdida. Nos anos 90, a partir do Plano Real, elaborado no governo Itamar, houve redução da hiperinflação e uma retomada moderada da economia. Na primeira década do século XXI, houve crescimento ainda maior do PIB em relação aos anos 90, mas muito aquém dos chamados “trinta anos de ouro”. As linhas azuis do gráfico mostram as taxas anuais de crescimento do PIB e a linha vermelha a média móvel do sexênio.

Como se verifica, os seis primeiros anos do governo da presidenta Dilma Rousseff romperam com um período de recuperação econômica e representaram desempenho diametralmente oposto ao “quinquênio virtuoso”, que aconteceu no governo Lula, de 2004 a 2008 (ALVES, 2009).

O sexênio 2011 a 2016 já pode ser considerado o pior dos últimos 116 anos, ganhando o título de menor crescimento do PIB da história da República (desde 1901), perdendo até para o famigerado período Sarney-Collor (sexênio 1987-1992). Com queda do PIB de 3,8% em 2015 e 3,5% em 2016 (segundo a última projeção do FMI), o sexênio de 2011-16 terá uma média de crescimento de 0,16%, três vezes menor do que 0,44% do sexênio Sarney-Collor. Em 116 anos somente duas vezes a média do sexênio ficou abaixo de 1%. Como o crescimento demográfico anual está em 0,8% ao ano, a redução da renda per capita e empobrecimento geral da nação será sentido por mais de 200 milhões de habitantes.

O Brasil vive a sua crise mais séria desde a independência. Séria pelas consequências imediatas e séria porque está matando qualquer futuro promissor e qualquer possibilidade de melhora no médio e longo prazos. O sexênio perdido é o prenúncio de um segundo decênio perdido e, provavelmente, um futuro perdido. As projeções do FMI, de janeiro de 2016, indicam que o Brasil cresce muito menos do que a economia da América Latina e puxa a média mundial para baixo. Em 2015, o Brasil (junto a Venezuela) foi o patinho feio da economia internacional, sendo que as principais causas do colapso são autoprovocadas. Houve redução da renda per capita em 2014, 2015 e 2016. O FMI já prevê crescimento zero para o Brasil em 2017. Será, portanto, o quadriênio (2014-17) do empobrecimento acelerado. Somente em 2015, o Brasil perdeu 1.542.371 (um milhão, quinhentos e quarenta e dois mil e trezentos e setenta e um) postos de trabalho celetistas, segundo dados do Caged, do ministério do Trabalho. A quantidade de pessoas ocupadas na região metropolitana de São Paulo é menor hoje em dia do que a cinco anos atrás, segundo dados do Dieese/Seade.

O mais impressionante é que a economia teve baixo desempenho em um momento em que o gasto do governo foi grande e houve déficit primário. O rombo nas contas do governo central é recorde e o déficit primário chegou a R$ 111 bi em 2015. Impressiona a escalada do déficit nominal que chegou a quase 10% do PIB em 2015, sendo que em dezembro de 2010 (ano em que a economia cresceu 7,5%), o déficit nominal acumulado em 12 meses estava em 2,41% do PIB. Agora ultrapassou todos os limites do razoável. Desta forma, a dívida pública sofreu em 2015 a maior alta, passando de 57,2% do PIB para 66,2% do PIB (Produto Interno Bruto) em dezembro de 2015, segundo o Banco Central. Em termos nominais, o endividamento passou de R$ 3,252 trilhões para R$ 3,928 trilhões. Ou seja, o governo gasta mais do que arrecada, se endivida e assim mesmo a economia vai para o buraco e a desocupação aberta já ultrapassa 10 milhões de desempregados em janeiro de 2016 (fora o subemprego e o desalento).

O Brasil está na situação em que os economistas chamam de “Dominância fiscal”. É um quadro em que o desarranjo das contas públicas se autoalimenta e as políticas monetárias e de renda perdem a capacidade de conter a inflação via aumento dos juros. Aliás, os juros altos só agravam as finanças públicas, aumentando valor da dívida e tornando ineficazes as propostas de ajuste fiscal. Ou seja, o Brasil entrou em uma situação de “déficit primário crônico” e como não possui governança para mudar a situação, a crise econômica tende a se agravar. Se a dívida estivesse crescendo para melhorar o investimento produtivo, social e ambiental era justificado. Mas dívida alta e juros altos só favorecem aos ricos. Esta é a realidade brasileira. Por conta disto, ainda em outubro de 2015, Nouriel Roubini (FSP, 13/10/2015) disse: “O Brasil está a beira do precipício”.

De lá para cá a situação piorou e o Brasil perdeu o grau de investimento em mais uma agência de avaliação de risco e a crise política se agravou. Para complicar tudo, o ano de 2016, começou com uma grande crise no mercado financeiro e a economia internacional caminha para a recessão. O comércio mundial está encolhendo, o que vai dificultar o crescimento das exportações brasileiras (que caiu de mais de US$ 250 bilhões em 2011 para US$ 191 bilhões em 2015). As duas grandes empresas extrativistas do Brasil – Petrobras e Vale – estão em crise e sem recuperação à vista. As exportações brasileiras de janeiro de 2016 foram menores que as de janeiro de 2015, que já tinham sido muito menores do que as de janeiro de 2011. As exportações brasileiras de janeiro de 2015 foram de 13,7 bilhões de dólares (média por dia útil de 652,6 mil dólares), caindo em janeiro de 2016 para 11,2 bilhões de dólares (média por dia útil de 562,3 mil dólares). Queda de 14%. Ou seja, mesmo com toda a desvalorização cambial o Brasil continua perdendo espaço no comércio internacional.

Por isto, muita gente diz que o Brasil está afundando. Não se trata de achar que o crescimento resolve todos os problemas. Mas uma recessão provocada por desorganização do orçamento não é a mesma coisa daqueles que propõe e apoiam o movimento pelo decrescimento. Ou seja, como se diz: “a sua recessão não é o nosso decrescimento”. Os decrescentistas querem diminuir as atividades poluidoras e combater as desigualdades de renda e riqueza. Mas querem fazer crescer as atividades de baixo impacto ecológico, assim como incrementar o capital social e a solidariedade.

O governo Dilma tem dispensado grande esforço para se manter no poder e evitar o impeachment, mas tem apresentado grande incapacidade em dinamizar a economia. A avaliação do economista Reinaldo Gonçalves é bem pessimista: “A herança trágica do primeiro governo Dilma inclui profunda desestabilização macroeconômica. Essa desestabilização também é ampla, visto que abarca o front interno (recessão, aumento do desemprego, desmoronamento do investimento, déficit público e pressão inflacionária não desprezível) e o front externo (déficit muito alto da conta de transações correntes e elevado e crescente passivo externo financeiro líquido). A questão técnica relevante é um ajuste simultâneo (interno e externo) com o agravante de que os desequilíbrios são todos muito fortes e alguns com tendência de piora (recessão, desemprego etc.)” (Gonçalves, 2015).

A decisão do Banco Central de manter a taxa de juros (em janeiro de 2016), num quadro de estagflação nacional e de crise internacional, aumenta o sofrimento e dificulta a vida de milhões de brasileiros que estão sem emprego e com o rendimento em baixa. O custo financeiro da dívida pública, em 2014, foi de R$ 311 bilhões (6% do PIB) e, em 2015, de cerca de R$ 500 bilhões (mais de 8% do PIB). Em 2016, a conta de juros vai engolir mais recursos, esvaziando os gastos em saúde, educação, etc. Os bancos centrais dos Estados Unidos, Europa e Japão estão mantendo a taxa de juros básica real em torno de zero. Já no Brasil a taxa real ainda é muito alta e agrava a rolagem da dívida pública. E ainda tem o perigo da inflação e o dólar continuar subindo.

O Brasil precisaria aumentar os investimentos (buscando reverter o quadro de desindustrialização e avançando nas energias renováveis, eficiência energética, reciclagem, etc.), mas na última reunião do Conselhão (Desenvolvimento Econômico e Social – CDES) o que se viu foi um apelo por mais impostos e pelo aumento do crédito ao consumo. Para os trabalhadores que já estão endividados foi oferecido mais dívida com a garantia do FGTS. Ou seja, os endividados vão pagar juros de 2,5% ao mês, enquanto o FGTS rende menos de 1%. Mesmo as intenções genéricas apresentadas não gerou consenso, nem mesmo neste conselho nomeado pelo governo. Por exemplo, o presidente da Confederação Nacional da Indústria, Robson Andrade, quer que Dilma patrocine “reformas contundentes” na economia (previdenciária e a trabalhista). O presidente da Central Única dos Trabalhadores, Vagner Freitas, avisa que não aceita reformas que suprimam direitos previdenciários e trabalhistas. Mas enquanto o Conselhão não se entende, o Congresso Nacional vai em outra direção e a crise política continua alimentando a crise econômica e vice-versa. Como disse o senador Cristovam Buarque: “O Brasil precisa de um Concerto e não de falsos consertos pelo marketing”.

No processo de financeirização do Brasil, outras políticas fundamentais, como a de saneamento básico, estão comprometidas, enquanto o zika vírus e a microcefalia avançam (e o ministro da saúde, Marcelo Castro, diz: “torcer para que mulheres peguem zika antes da idade fértil”). No quadro atual, com declarações deste tipo e com o desequilíbrio estrutural da economia, qualquer progresso do Brasil está comprometido e o país pode ficar preso aos problemas básicos do passado e à “armadilha da renda média”, sem jamais dar o salto desejado para um padrão de qualidade de vida decente, com justiça social e ambiental. No último sexênio o Brasil estagnou. Nos últimos 3 anos o Brasil recuou. Mesmo se houver retomada de taxas de crescimento per capita positivas a partir de 2018, mas muito baixas, seria o fim do desenvolvimento social do Brasil, pois problemas básicos não foram resolvidos e em alguns aspectos estão sendo piorados. O futuro está sendo desperdiçado no presente.

Referências:

ALVES, JED. O quinquênio virtuoso: 2004-2008. Aparte, IE/UFRJ, 07/06/2009

http://www.ie.ufrj.br/aparte/pdfs/quiquenio_virtuoso_07jun09.pdf

ALVES, JED. O fim do crescimento econômico e a década perdida 2.0. Ecodebate, RJ, 28/11/2014

http://www.ecodebate.com.br/2014/11/28/o-fim-do-crescimento-economico-e-a-decada-perdida-2-0-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves

ALVES, JED. O pior quinquênio (2011-15) da economia brasileira em 115 anos?Ecodebate, RJ, 17/04/2015 http://www.ecodebate.com.br/2015/04/17/o-pior-quinquenio-2011-15-da-economia-brasileira-em-115-anos-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/

ALVES, JED. O pior octênio (2009-16) da economia brasileira em 116 anos. Ecodebate, RJ, 21/10/2015

http://www.ecodebate.com.br/2015/10/21/o-pior-octenio-2009-16-da-economia-brasileira-em-116-anos-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/

GONÇALVES, Reinaldo. Por que a esquerda tem mais razões do que a direita para ser a favor do impedimento de Dilma e da punição de Lula?, Correio da Cidadania, 23/12/2015

http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=11312:politica231215&catid=25:politica&Itemid=47

Balança Comercial Brasileira – Janeiro de 2016 US$ milhões FOB

As exportações brasileiras de janeiro de 2015 foram de 13,7 bilhões de dólares (média por dia útil de 652,6 mil dólares), caindo em janeiro de 2016 para 11,2 bilhões de dólares (média por dia útil de 562,3 mil dólares). Queda de 14%.

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE;

Fonte: EcoDebate

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