“O senhor sabe quem somos nós?” Em carta aberta ao prefeito, artistas de Florianópolis pedem apoio

Imagem: Reprodução

Por Revista Gulliver.

Florianópolis tem dezenas de grupos de teatro, festivais importantes e uma produção reconhecida no país. Assim como toda a classe cultural de Santa Catarina, que já antes do novo coronavírus vinha lutando para sobreviver diante de políticas públicas sem continuidade, o setor teatral agora agoniza na pandemia. Na sexta-feira (15), o Fórum Setorial Permanente de Artes Cênicas de Florianópolis divulgou no jornal Folha da Cidade uma carta/vídeo aberta em que reivindica ao poder público renda emergencial aos artistas, ajuda de custo para manutenção de espaços e garantia de pagamento e execução do Edital do Fundo Municipal de Cultura de 2020, entre outras medidas e sugestões.

No dia 7 de maio, integrantes do Conselho Municipal de Política Cultural foram recebidos pelo prefeito Gean Loureiro pela primeira vez desde o começo da gestão do atual mandatário, em 2017. Na ocasião, o grupo informou sobre a situação precária dos profissionais do setor e cobrou o cumprimento das metas do Plano Municipal de Cultura.

O documento divulgado no dia 15 foi produzido por vários artistas, grupos e coletivos que pertencem ao Fórum Setorial Permanente de Teatro de Florianópolis e inspirado em um texto de Marco Vasques, representante da Setorial no Conselho Municipal de Políticas Culturais de Florianópolis, ao lado de Elaine Sallas.

Leia a carta na íntegra:

CARTA ABERTA AO PREFEITO GEAN LOUREIRO

Sr. Prefeito, o mundo, o país e nossa cidade estão se habituando a contar mortes por conta da pandemia de Covid-19, que permanecerá entre nós por tempo indeterminado. Algo inesperado que têm afetado vidas humanas, com nomes, afetos, histórias, algo atípico que não desejamos acostumar a conviver. Essa pandemia acertou em cheio os artistas da cidade. E quem são os artistas de Florianópolis?

Carta Aberta da Setorial de Teatro de Florianópolis from Iashar filmes on Vimeo.

O senhor já foi à Casa Vermelha, centro cultural na Rua Conselheiro Mafra? O senhor conhece o Quilombo Estúdio? E o espaço cultural Nau Catarineta? Já ouviu falar do Círculo Artístico Teodora, gerido por Margarida Baird e José Ronaldo Faleiro, que juntos somam mais de 60 anos de trabalho pela cultura em nossa cidade? E a Casa do Palhaço? E a Dona Bilica? Já ouviu falar da Revista Móin-Móin criada por Níni Beltrame? Uma das revistas mais importantes do mundo na área do teatro de animação. Conhece o Coletivo Kurima, formado por estudantes negras e negros da UFSC? São estudantes, artistas e apoiadores que vêm promovendo a produção e a criação das espacialidades de artes negras da cena e das culturas de matrizes africanas há quase uma década em Santa Catarina, dentro da universidade e na sociedade, com trabalhos reconhecidos nacional e internacionalmente. Ou o Coletivo NEGA, grupo de mulheres negras, atrizes, que hoje é referência na produção de arte negra contemporânea, no Brasil e na América Latina? Somos referência em muitos gêneros e estéticas, como o senhor pode ver. Do teatro de rua ao de animação. Queremos que o senhor nos conheça, e nos reconheça.

Em Florianópolis existem mais de cem grupos de teatro. Muitos deles com reconhecimento nacional e internacional. O senhor deveria se orgulhar de ter na cidade o Erro Grupo, a Cia. La Vaca, o Grupo Teatro Sim… Por Que Não?!!!, o Dromedário Loquaz, o Grupo Teatro Armação, enfim, são muitos grupos. E com os dois cursos de Artes Cênicas na cidade, há uma nova geração de artistas. Nossas produções, pesquisas e espaços culturais são reconhecidos até fora de nosso país. É incalculável o legado da memória cultural da nossa cidade. O senhor sabia que o setor cultural hoje representa 3,6% do PIB, nosso trabalho movimenta diretamente outras áreas como comércio, transporte, alimentação, hospedagem, turismo, locação e compra de equipamentos, entre outros? Que em Florianópolis concentramos mais de 70% da produção cultural do Estado? Neste momento você pode imaginar o impacto econômico em todo o setor, inclusive nos impostos como ISS para a cidade?

Cultura é um direito previsto na Constituição Brasileira. E mais do que nunca temos visto a importância dela nos dando também um respiro, um alento, uma força nas horas mais difíceis, quando temos que abrir mão de socializarmos com nossos amigos. Os artistas oferecem cultura, arte e educação à população de Florianópolis. Cabe ao senhor a responsabilidade de apoiar tais profissionais. Por isso, ouça com empatia, entenda que não somos somente gastos ou cifras, tampouco somos uma área dispensável à vida da cidade.

Nós estamos em risco. Nós, da noite para o dia, perdemos nosso público, perdemos nossos espaços e, por consequência, perdemos nossos rendimentos, que nunca foram muitos. Viver de produzir arte na cidade que o senhor administra é quase impossível. Estamos sempre na incerteza, constantemente lidando com promessas de políticas públicas que não se concretizam. Precisamos de instituições fortalecidas, capacitadas e abertas ao diálogo constante.

Lutamos contra a burocracia, contra o descaso, contra o racismo estrutural e institucional, contra o sexismo, a gordofobia, a transfobia e todas as práticas de opressão. Resistimos à histórica marginalização e exclusão da classe artística e cultural. Contra certas políticas públicas que tentam perseguir, discriminar e censurar artistas e práticas culturais diversas.

Nós, artistas negras e negros, também sempre estivemos presentes na cena teatral catarinense e queremos acessar nossos direitos com equidade, de maneira que eles sejam garantidos pelo município. Não nos contempla ser parte de um “guarda-chuva de diversidade”, tal qual aparece no Edital do Fundo Municipal de Cultura, pois todos nós, seres humanos, que juntos constituímos a humanidade, formamos a diversidade dos espaços em que vivemos, mas este tipo de “amontoado” não nos contempla nem torna possível o trato correto e digno de nossas demandas.

Precisamos de políticas culturais específicas e dignas, permanentes para a valorização da arte, da cultura negra e afro-brasileira nos editais de arte e cultura municipal para que possamos sentir um ar mais real de democracia.

Queremos a permanência de leis municipais que garantam nossa participação na arte e na cultura local, como as que já existiram no ano de 2012. Podendo ampliar, aperfeiçoar e inovar estas ações para trabalhar pela equidade na estruturação da cultura, de forma democrática, revendo os privilégios da branquitude dentro do espaço artístico, principalmente no acesso e na utilização dos recursos públicos. Por isso, estamos aqui resistentes e atuantes, junto a toda classe artística, pois o racismo institucional deve acabar!

Muitas lutas são necessárias. E, hoje, ainda temos que lutar contra os efeitos de uma pandemia, que retirou o público dos espaços culturais. As consequências ao nosso trabalho serão diretas, o público terá que ser reconquistado e é indispensável o apoio, o investimento e o comprometimento do poder público municipal. Precisamos reconhecer também a vulnerabilidade das artistas negras e negros neste contexto de pandemia.

Cabe ao senhor reconhecer a importância de nosso papel social, cultural, artístico e econômico na cidade que administra; cabe ao senhor e aos vereadores a responsabilidade de tomar medidas urgentes que protejam, apoiem e preservem a cultura e a arte da cidade de Florianópolis.

  • Exigimos a garantia de renda básica emergencial aos trabalhadores e trabalhadoras da cultura da cidade de Florianópolis;
  • Exigimos a isenção do IPTU e das taxas de coleta, além de uma ajuda de custo para a manutenção das casas de culturas, das escolas de arte e dos centros culturais independentes;
  • Exigimos a criação de um Espaço Virtual de Cultura aberto, transparente e democrático, com o objetivo de abrigar e difundir a produção cultural e artística do município à população da cidade e de outros lugares do país;
  • Exigimos a garantia de pagamento e a execução do Edital do Fundo Municipal de Cultura deste ano e queremos que a prefeitura apresente um cronograma informando quando receberemos os recursos. Para o trabalho continuar, precisamos que o dinheiro seja repassado aos contemplados!;
  • Exigimos a efetiva presença de Políticas Específicas Permanentes para as Artes Negras, Culturas Afro-brasileiras e Manifestações de Matrizes Africanas nas Políticas Culturais do Município de Florianópolis, seja neste Edital do Fundo Municipal de Cultura e nos próximos editais, contemplando as modalidades artísticas e culturais, como nos garante a Lei Federal nº 12.288/10 do Estatuto da Igualdade Racial;
  • Exigimos a criação urgente de uma Política Específica Permanente para as categorias Artes Negras da Cena, Teatro Negro e Manifestações de Matrizes Africanas dentro da área de Teatro e Artes Cênicas;
  • Exigimos a garantia da criação de cotas para artistas negras e negros (conforme IBGE), para acesso dos prêmios ou recursos dos editais municipais, seja no edital vigente e futuros, dentro da modalidade Teatro ou Artes Cênicas;
  • Exigimos uma renda emergencial básica, para artistas negras e negros, por estarem mais expostas e expostos a uma maior vulnerabilidade, que se agrava no contexto da pandemia do Covid-19;
  • Estamos todos cansados de políticas públicas escassas, do esquecimento histórico a que estamos submetidos, da falta de interesse em dialogar com o setor cultural da cidade. Precisamos construir uma relação pautada pelo respeito, pelo debate honesto, pela valorização da arte e da cultura.

Lista de artistas, grupos, coletivos que assinam:

Ana Alonso
Antônio Cunha
Alê Abreu
Alexandra de Melo
Andréa Padilha
Andréa Rih
Arthur Gomes
Beatriz Cripaldi
Camila Aschermann
Camila Duarte
Carlos Fante
Claudia Venturi
Cristiane Magdaleno de Souza Lopes
Daiane Dordete
Diana Adada Padilha
Dimi Camorlinga
Drica Santos
Édio Nunes
Elaine Sallas
Esha
Fabiana Lazzari
Fátima Costa Lima
Felipe Ferreira Ferro
Gabriel Xavier
Gael Moreira
Gaia Colzani
Gustavo Bieberbach
Henrique Bezerra
Iarima Castro Alves
Isadora Lunge
Jerusa Mary
Joana Felício
Jucca Rodrigues
Juliana Krause
Julianna Rosa de Souza
Juliana Riechel
Laura Manuella
Leandro Batz
Lelette Coutto
Loren Fischer
Luan Joaquim
Luana Raiter
Lucas Viapiana
Luiz Henrique Cudo
Luiza Góes
Nando Moraes
Maíra Castilhos
Márcia Cavalheiro
Márcio Gonzaga
Marcos Klann
Marcos Vasques
Margarida Baird
Mari Corale
Malcon Bauer
Meire Silva
Michel Marques
Milena Moraes
Monica Siedler
Naiara Alice Bertoli
Nathalie Soler
Nicolas Lopes
Paloma Bianchini
Pedro Bennaton
Khalid Prestes
Rafael Couto
Rafael Motta
Raquel Stüpp
Ricardo Goulart
Roberta Lira
Sandro Maquel
Sarah Ferreira
Thaís Putti
Talita Corrêa
Thomas Dadam
Vivian Coronato
Viviana Schames
Yasmin Furtado
Ação Zumbi
AKTORO
BAPHO Cultural
Caixa de Pont[o] – jornal brasileiro de teatro
Casa Vermelha
Círculo Artístico Teodora
Cia. Caras de Boneco
Cia. Embrogolio
Cia. Mosca
Cia. Pitaco
ColetivAluará
Coletivo Kurima – Estudantes Negras e Negros da UFSC
Coletivo Vozes de Zambi
Kurima Bantu Mulheres
Coletivo MANADA
Coletivo NEGA
Coletivo Dizputa Sitiada
Emanuele Mattiello Produções
(EM) Companhia de Mulheres
EntreAberta Cia Teatral
Erro Grupo
Espaço Transformando
Fazendo Fita Cia. Artística
Grupo de Teatro O Dromedário Loquaz
Grupo Teatro Armação
La Vaca Companhia de Artes Cênicas
Mar Cultural
Teatro em Trâmite
Tribo Pachorra Teatro Livre

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