Por Frei Betto.*
Há 377 mil nascentes na Bacia do Rio Doce, do tamanho de Portugal. O rio tem 850 km de extensão e dele dependem 3,5 milhões de pessoas. Agora, com o rompimento da Barragem do Fundão, resta um imenso curso de lama que destrói quase toda forma de vida que encontra pela frente. E as 735 barragens de Minas Gerais são verdadeiras bombas-relógio prestes a detonar a qualquer momento.
O maior desastre ambiental da história do Brasil deixou como resultado a morte de 19 pessoas e pelo menos duas desaparecidas. As casas de 254 famílias foram soterradas por 55 milhões de metros cúbicos de lama (o equivalente a 20 mil piscinas olímpicas cheias de lama). Em torno do rio Doce há 300 mil habitantes sem água limpa para beber, 11 toneladas de peixes mortos, 120 nascentes e mangues soterrados.
Já dizia Hugo Werneck, de quem fui vizinho em Belo Horizonte: “A natureza não precisa de nós. Nós é que precisamos da natureza.”
No capitalismo, empresa existe para dar lucros. Mais lucros e menos segurança! Proteção ambiental, investimento em pesquisas e qualidade de vida da população são questões secundárias…
As empresas sofrem pressão dos acionistas para aumentar a produção e vender mais e mais. Foi o que aconteceu com a Samarco. Já era tempo de aplicar tecnologias de extração de minério a seco, sem utilizar água. Ou reutilizar a água da lavagem, como fazem inúmeras empresas não mineradoras.
Em 2014, a Samarco obteve um lucro líquido de R$ 2,8 bilhões. E já tinha como sócias a brasileira Vale e a BHP Billiton, anglo-australiana.
O governo brasileiro não tem visão estratégica. Tentou, mas fracassou. Em 2008, criou a Secretaria de Assuntos Estratégicos, com status de ministério. Fechou-a em outubro de 2015, sem choro, nem vela, nem fita amarela. Ainda que a tragédia de Mariana não houvesse ocorrido, a sentença de pena de morte da Bacia do Rio Doce já havia sido decretada pelos municípios que, à suas margens – como Governador Valadares – despejam o esgoto em suas águas. Acrescida pelo desmatamento da Mata Atlântica. Hoje, no vale do Rio Doce, a cobertura é de menos de 0,5% de floresta.
Para os governos (municipal, estadual e federal) e a maioria das empresas, preservação ambiental é mera frase de efeito em discursos demagógicos. Falam maravilhas sobre sustentabilidade e compromisso social! Ora, basta conferir quanto, de fato, se gasta nessa área.
Em Minas, o Sisema (Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos) recebe apenas 0,5% do orçamento público. Depois da Secretaria da Fazenda, quem mais arrecada é a Secretaria do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad). Mas todo o dinheiro, recolhido pela Secretaria do Planejamento, vai para outros gastos do Estado, resta uma ninharia para a Semad.
A fiscalização nas empresas mineradoras ou é feita com olhos de cego, devido à pressão das empresas e a corrupção dos políticos, ou não é feita por causa da falta de pessoal qualificado, equipamentos, viaturas e pagamento de diárias. Embora o financiamento empresarial de campanhas políticas esteja (enfim!) proibido, por baixo do pano os políticos esperam “uma ajudazinha” das empresas e, por isso, temem ser rigorosos na imposição das leis e na apuração e punição de responsabilidades.
Isso explica por que o Sisema, em apenas um ano, analisou e regulamentou mais de 6 mil processos de licenciamentos ambientais!
Enquanto economia e política não forem ecologizadas, outras tragédias semelhantes poderão ocorrer. A menos que a lei obrigue os luxuosos condomínios de diretores de mineradoras serem erguidos à sombra das barragens…
*Frei Betto é escritor, autor do romance “Minas do Ouro” (Rocco), entre outros livros.
Fonte: MAB.