Por Carmen Susana Tornquist.
Como sabemos, as palavras não são neutras.
Os conceitos também não.
Nas últimas semanas, tenho ouvido muitas pessoas falaram em PÓS PANDEMIA.
Achei que estavam usando a palavra para falar da Europa e da China, regiões onde houve um controle do COVID e um retorno, ora mais, ora menos, “controlado” das atividades normais.
Percebo, agora, que a expressão está cada vez mais sendo usada no Brasil. Para falar do Brasil!
Mas os dados epidemiológicos mostram que estamos em PLENA pandemia no Brasil.
1) Boletim da OPAS (Agência Brasil), de 26 de maio: a região das Américas será o novo epicentro da Pandemia nos próximos meses;
2) Boletim COVID n 17, de 23 de maio do Ministério da Saúde: registrou 22.013 óbitos e 347.398 no Brasil, o que expressa o aumento vertiginoso da “curva” desde que o COVID foi declarado Pandemia, em 11 de março, quando havia notificação de 52 casos.
3) Para SC, segundo os Boletins Epidemiológicos COVID 19 (sc.gov.br),
14 de março: 5 casos confirmados, 85 suspeitos
29 de abril: 2015 casos, 46 mortes
13 de maio: 3.828 casos e 73 mortes
14 de junho: 13 640 casos….
15 de junho: 13960 casos….
16 de junho 3828 casos ….
17de junho: 15.015 casos (216 óbitos)
18 de junho: 15573 casos e 222 óbitos
4) Uma matéria publicada pela BBC News no Brasil, em 15 de junho, tendo como fonte a Universidade John Hopkins, aponta para o Brasil como estando em 7 lugar no mundo em taxa de mortes, classificando o estágio da doença no país como sendo o de “alta das infecções” – estágio 1.
O mesmo portal divulgou, em 13 de junho, as previsões dos estudiosos da John Hopkins, apontando o final do mês de julho como sendo o “pico” do processo no Brasil, e o lugar “alçado” pelo Brasil entre os primeiros onde a epidemia cresce.
5) O vice-presidente da ABRASCO e professor da UFRJ, Dr. Guilherme Werneck, entre outras especialistas, apresentam 4 etapas no processo da pandemia: contenção, mitigação, supressão e recuperação, estando o Brasil na segunda fase e tendo enfrentado de forma absolutamente insatisfatória a 1 etapa. Sua colega, Ligia Bahia, segundo a mesma matéria publicada em 23 de março em TAB-UOL, acrescenta que os erros cometidos na fase 1, e que envolvem o sistema de atenção à saúde pública, reverberam negativamente nas fases seguintes.
Para piorar a situação “revelada” nos dados oficiais, o governo manipula abertamente as informações, gerando o que o que a ABRASCO chama de apagão de dados, no início de junho, com vistas a prejudicar ainda mais o combate ao vírus no país, dentro de seu projeto etnocida e de guerra declarada à classe trabalhadora.
Se existe Pós pandemia em alguns países, que bom, isto pode nos fortalecer a seguir os exemplos bem sucedidos de enfrentamento do Coronavirus. Mas, infelizmente, este não é o cenário previsto para os próximos meses do Brasil, salvo ocorra uma mudança radical na forma de enfrentá-la ou um milagre que tantos de nós, às vezes, almejamos.
Palavras e conceitos de caráter enganoso costumam vir deslizando, pouco a pouco, no vocabulário, contribuindo para mudanças de perspectiva teórica. Não é casual que esta esteja vindo de soslaio junto com as medidas de flexibilização e afrouxamento do isolamento social, justamente nestes dias.
Falar de Pós pandemia para tratar do Brasil hoje é totalmente incorreto, e seu uso está a ofuscar de forma grave a realidade.
Quero usar esta palavra quando ela, realmente, corresponder ao mundo ao meu redor.
Carmen Susana Tornquist é professora da Udesc e membro da Aprudesc- Andes S.N.
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