No começo de janeiro a Associação de Notícias Online se pronunciou com veemência contra a legislação federal que visa restringir cópias ilegais e a distribuição de conteúdo online.
O protesto da Associação reforça o coro cada vez maior na sociedade americana daqueles que se opõem ao Stop Online Piracy Act (SOPA), um projeto de lei que está sendo discutido no Congresso americano, e ao seu companheiro de Senado, o PIPA (Protect IP – Act; Ato de Prevenção a Ameaças Online à Criatividade Econômica e ao Roubo de Propriedade Intelectual).
Os projetos de lei estabelecem que detentores de direitos autorais podem bloquear a transmissão pela internet não apenas do conteúdo que infrinja esses direitos, mas de todo o conteúdo do site infrator. Também permitem ao advogado-geral dos EUA bloquear conteúdo ou sites que o Departamento de Justiça dos EUA considerem estar em conflito com a lei de direitos autorais.
(Vale notar que isso já é permitido de acordo com a lei americana, mas governos estrangeiros não reconhecem as leis dos Estados Unidos. Assim, os autores da lei deixam bem claro que o seu propósito é garantir que o SOPA atinja sites estrangeiros).
Para especialistas, o conteúdo dos projetos ainda é obscuro e muito abrangente.
“O problema é: quem decide o que vai significa a violação do direito autoral? Se vamos organizar uma lista negra de sites no nível nacional, estamos basicamente instalando um mecanismo de censura quase igual, tecnicamente, ao mecanismo que os chineses usam para vigiar a internet, ou os iranianos, e assim por diante”, afirmou Rebecca MacKinnon, ex-jornalista da CNN, em entrevista à Bloomberg.
Os dois projetos de lei têm sido fonte de muita discussão nos últimos meses. Mas, com exceção de algumas matérias que apontaram a situação como uma batalha entre os gigantes da Internet – incluindo a AOL, o Google e o Yahoo – e os conglomerados do entretenimento, como a Comsat e a Motion Picture Association of America – os jornalistas ainda disseram muito pouco a respeito da legislação.
Isto mudou em dezembro, quando a Associação Americana de Editores de Notícias resolveu sair a público contra a nova legislação, dizendo que os projetos de lei iriam coibir a “livre agregação de conteúdo que se tornou essencial para o jornalismo online”.
Só então a Associação de Notícias Online, que representa editores, escritores, desenvolvedores, e outros agentes envolvidos em reunir e produzir notícias para o meio digital – resolveu seguir os mesmos passos.
Na primeira semana de janeiro, a AOL, o Facebook, o Google, o Twitter e outros cinco poderosos da Internet endossaram um projeto de lei alternativo que alveja sites perigosos de forma mais minuciosa.
Hillel I. Parnesse, advogado especializado em propriedade intelectual, do escritório Robins, Kaplan, Miller & Ciresi em Nova York, diz que jornalistas deveriam estar atuando para ajudar a proteger o conteúdo que produzem.
“Nós vimos esse protesto fervoroso em 1998 também (quando foi aprovado o Ato de Direito Autoral Digital do Milênio). A diferença entre aquela época e agora é que nós não tínhamos uma internet tão desenvolvida. Não tínhamos milhares de blogueiros gritando suas opiniões”.
Parness, que diz não ser nem a favor nem contra os projetos de lei debatidos no Congresso, reconhece que os proponentes talvez precisem aprimorar a linguagem ambígua dos projetos.
Para ele, as últimas mudanças na versão que está no Congresso elimina uma das cláusulas mais controversas: um processo de reparação complicado de colocar em prática. O projeto de lei permite que donos de direitos autorais cheguem diretamente ao tribunal para abrir um processo e consigam uma ordem judicial para remover o conteúdo que consideram fruto da infração.
“O SOPA não muda a luta”, continua Parness, professor adjunto na Faculdade de Direito de Columbia. “Se você está preocupada em como jornalistas são tratados nos tribunais, então esta é uma preocupação que você já tinha antes do SOPA”.
Muito controle sobre a informação online
Ainda assim, alguns estudioso da comunicação e juristas argumentam que a preocupação em ter o trabalho roubado é a última na cabeça de um jornalista quando o assunto é lei federal de direitos autorais.
Permitir que uma corte decida quais conteúdos devem ser bloqueados ou não num website abre precedentes para que os juízes decidam quem é e quem não é jornalista, de acordo com James Losey, um analista político da New America Foundation’s Open Technology Initiative, que promove reformas regulatórias e políticas em prol de uma mídia saudável na democracia do século 21.
Para defensores de direitos, como jornalistas e organizações de mídia, Losey disse que a legislação representa um poder indesejado.
“Isso representa muito controle sobre o fluxo de informação online”, disse Losey. “Eu acho que o que nós estamos vendo é um alerta para muita gente, especialmente para aqueles que normalmente não dão atenção às leis de direitos autorais. Esse já não é mais um debate sobre direitos autorais. Essa legislação vai diretamente de encontro ao uso que as pessoas fazem diariamente da internet. Ela afeta a maneira como nos relacionamos com o governo e com as notícias. Se você começar a podar, minimamente, a interação com a internet e minar a liberdade de expressão, você está, automaticamente, limitando todos os aspectos da vida online, incluindo o acesso à informação”.
O intuito do projeto de lei é identificar sites envolvidos com infrações de direitos autorais e falsificações, além daqueles que promovem serviços e produtos que ajudam a burlar os dispositivos da legislação.
Segundo especialista, comunicação anônima seria ilegal
Mas Marvin Ammori, um advogado defensor da liberdade de expressão que representa empresas de tecnologia e é afiliado ao Centro de Internet e Sociedade da Faculdade de Direito de Stanford, argumenta que a maneira com que as leis estão atualmente escritas pode prejudicar jornalistas que usam, ou deveriam estar usando, criptografia para se comunicar com fontes anônimas.
Tais mensagens digitais criptografadas são usadas na comunicação em tempo real e também na área da tecnologia, protegendo arquivos durante a transmissão entre indivíduos e servidores, utilizando o Tor Project, uma ferramenta popular que permite a comunicação anônima.
Com a nova legislação, tanto as mensagens quanto as ferramentas seriam consideradas ilegais, disse Ammori.
Fundado pelo Departamento de Estado dos EUA, o Tor Project criou uma tecnologia de criptografia muito utilizada para transferir arquivos com direitos autorais, como utilizado pelo Wikileaks, por exemplo.
A ferramenta é particularmente popular entre dissidentes estrangeiros que vivem sob regimes de repressão. Segundo Ammori, a legislação tornaria ilegal não só o envio de arquivos criptografados, mas também acabaria com muitas outras disposições das leis de direitos autorais que também virariam ilegais.
“Qualquer legislação americana que torne uma tecnologia que foi patrocinada pelo Departamento de Estado dos EUA como promotora da liberdade de expressão deve nos fazer refletir”, diz Ammori em seu blog.
Os congressistas americanos devem voltar a debater esse assunto no final de janeiro.
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