Os constantes ataques incendiários noticiados na imprensa nacional ao menos serviram pra uma coisa: revelar ao país inteiro que o nosso estado não é aquele paraíso amplamente propagandeado pelas secretarias municipais, estadual de turismo e agências de viagens.
Santa Catarina não é só um recanto de belezas naturais que dia a dia está se esvaindo pelo ralo da devastação. É um lugar que a desigualdade social cresce numa escala avassaladora; impulsionada pela falta de implantação de programas eficazes e políticas públicas de qualidade – educação, saúde e cultura. Aquiem Santa Catarina, o Governo Estadual paga salários baixos para todos os seus serviços essenciais: saúde (a greve acabou faz pouco tempo); educação (não cumprimento do piso salarial nacional) e segurança (falta de efetivos nas polícias militar e civil). Também não é só o salário baixo: o estado também não oferece estrutura decente para o funcionamento dessas políticas.
E como votamos mal nas eleições: sempre e sempre nas mesmas famílias!
Nós catarinenses comemos pirão com magras sardinhas, mas arrotamos caviar: em termos culturais, vivemos de enaltecer nossa imigração européia – alemã, italiana e açoriana, esta última incluída pela política turística das últimas décadas – mas costumamos ignorar e esquecer portugueses, poloneses e japoneses; isso sem falar do desprezo às culturas negra e indígena (xóklengs, kaigangs e guaranis).
Damos a entender que possuímos uma certa superioridade em relação aos demais estados do Brasil.
A soberba é tanta, que insistimos em pensar que a criminalidade só existe aqui porque veio de outros estados. Chegou ao ponto do governo estadual recusar ajuda do governo federal para ao menos tentar conter os ataques incendiários. Depois reclamam e não sabem por que, apesar de dizerem que Santa Catarina é um estado rico e o melhor pra se viver, não recebemos investimentos do Governo Federal: aqui na ‘Europa brasileira’ muitas, mas muitas cidades sequer têm saneamento básico; temos somente duas universidades federais e a segunda foi criada somente há 4 ou 5 anos atrás; os recursos para obras em rodovias federais e até aquelas que envolvem prevenção às enchentes levam décadas pra chegar.
Santa Catarina também é um estado feito de governos e pessoas que ainda acreditam que repetir os mesmos artifícios de outros estados vai alcançar sucesso no combate à criminalidade, problema que não bateu à sua porta: chutou com os dois pés e jogou fósforo com litros e mais litros de gasolina. É um estado com povo e governo que acredita piamente que bater em presos e fazer mega operações policiais nos condomínios ‘minha casa, minha vida’ vai mostrar quem manda e também devolver a paz e o sossego aos nossos lares. Como num passe de mágica!
Não acho que os ataques incendiários em Santa Catarina servirão para nos acordar. Mas já revelam alguma coisa: o rosto por detrás da máscara de estado paradisíaco e algumas sujeiras escondidas debaixo do tapete (e nem estou falando daquele tapete negro).
* A autora é advogada e procuradora municipal.
Esse texto foi publicado originalmente no Portal Blumenews, de Blumenau (www.blumenews.com.br), onde a autora é colunista.
Foto: Página 12
É raro ler uma análise que diga a verdade sobre o estado das coisas em Santa Catarina. O texto está simplesmente perfeito, infelizmente. Pobre de Santa Catarina, pois muitos de seus habitantes vivem numa ilusão. Ter problemas não é nenhuma vergonha, e todos os estados brasileiros têm os seus. Mas se enganar (e querer enganar aos outros, principalmente com o apoio agressivo da mídia monopolista), isso sim é muito muito lamentável. Espero que a população comece a abrir os olhos. A mentalidade é um dos aspecto sócio-culturais que mais leva tempo para mudar. Está na hora de começar a correr atrás.