Por Flávio Carvalho, para Desacato.info.
“Yo soy un hombre sincero. De donde crece la palma.” (Guantanamera)
Agora que Cuba saiu da primeira página dos jornais, reli os textos sobre o conceito de revolução permanente.
Dirijo-me às companheiras e aos companheiros da luta antifascista, especialmente.
A luta antifascista, tal como venho refletindo sobre ela, me parece bidirecional: não deixar que o fascismo avance (nem exista, de fato); e dialogarmos, os antifas, sobre a nossa própria práxis antifascista. Essa última seria a melhor forma de aperfeiçoá-la, permanentemente. Não é menos importante a primeira que a segunda. O Brasil é um país dual.
Mas, e Cuba? Não esqueçamos! Porque a revolução cubana se mantém, durante tantas décadas?
O que não é, então, o Fora Bolsonaro (FB)? – na minha opinião.
Algumas vezes ajuda mais saber o que não queremos do que o que, sim, queremos.
- Não é FB o não colocar-se no Lugar de Fome, de quem não pode esperar nem um dia a mais, nem uma hora a mais, sem comer. Ou sem ser assassinado. O sacrifício exige sacrifício. O seu tempo pode ser outro, diferente, complexo, mas uma mudança estrutural (revolucionária, portanto), não pode submeter-se ao vosso tempo de militância, por mais legítima que seja a gestão desse vosso tempo, para você. Os tempos coletivos sempre são outros. Nunca menos ou mais legítimos. Mas bem diferentes dos seus.
No nosso caso, dos moradores na Europa, esse descompasso de tempo, se complexifica. Por outras questões que também tenho tentado analisar, junto à militância internacional.
Voltemos ao Fora?
- Não é FB o “mais cômodo” processo de militância digital. Longe de condenar todos os vídeos de convencimento de que Bolsonaro é um merda fascista, que você encaminha todos os dias, dentro da bolha antifascista (estás no teu legítimo direito de seguir encaminhando-os) é – para mim, insisto – muito importante que tenhamos consciência, você e eu, de que isto “somente alivia” (além de não ser suficiente, embora ajude). Alivia no sentido de que o nosso inconsciente ou subconsciente pode alegrar-te, relaxando-te, a ti mesmo, com um tapinha nas tuas próprias costas, dizendo-te “muito bem, pelo que fizestes”. Mas não é só isso, táoquei?
A análise da influência da cosmovisão religiosa diante da ética capitalista definiu o “desencargo de consciência” como uma atitude conformista e conservadora (por mais diferente que seja das suas intenções). E nem pretendo, neste texto, abrir o interessante debate sobre a questão dos privilégios – que, sem dúvida, deveríamos dar mais importância do que temos dado, historicamente.
O que é FB então? Voltemos ao Não É. Sigo acreditando que é melhor assim. Não começar pelo Sim.
- Não é FB pegar um ônibus ou metrô e ir “pra rua”, a cada dois meses, passar duas horas, gritando forabolsonaro, e voltar pra casa, com aquela mesma sensação relaxante, mencionada no item anterior.
Claro que não tenho a intenção de continuar sendo o chato a condenar o bem que você faz em protestar. O meu intuito, com esse texto, é tentar ajudar-te a refletir e avançar, na direção de fazer sempre um pouco mais (e melhor, principalmente). Pois nem é questão de quantidade somente, mas de qualidade na ação “revolucionária” – lembrando a dignidade do povo cubano, reiteradamente.
Por experiência própria, depois de quatro ou cinco atos públicos FB realizados em Barcelona, parei pra pensar na quantidade de mensagens de Uasap recebidas no meu telefone celular, na véspera de cada data de ato público propagado. “E aí, Flávio? Vocês vão fazer Ato de Fora Bolsonaro?”, perguntam-me os melhores amigos – a quem espero seguir nutrindo a admiração mútua, mesmo depois de tentar argumentar-lhes algumas verdades. Afinal, amigo é aquele que não diz somente aquilo que a gente gosta de ouvir. Né?
O processo de “liderar” pode ser, também, contrarrevolucionário, se a radicalidade democrática não for efetivamente participativa. Isso aprendi faz tempo.
Não creio, sinceramente, que transformaremos a realidade política brasileira enquanto quatro ou cinco pessoas organizarem (pensar, reunir-se, programar, comunicar, planejar, decidir, construir, operar, agir…) um ou dois atos de rua para que venham cinco ou cinquenta outras pessoas descarregarem o seu grito de indignação. Principalmente se, após este ato, a tua pergunta se resume a “quando vai ser o próximo?”. Ou, pior: “me avisas um dia antes?”.
Tá sem tempo, né, querido? Eu também.
Mas tudo na vida é questão de prioridade.
Se estamos de acordo que a derrubada imediata de um fascista genocida, que tal se afinarmos conjuntamente nossos instrumentos, debatendo os teus conceitos (e os meus) de prioridade?
Creio que assim, Eu, Tu, Elas, Nós, Vós, Eles, só teremos a ganhar.
É isso. Bom ato. E Fora Bolsonaro. Sim?
PS.: Na verdade, como o próximo FB será num 7 de setembro, acabarei esse texto acrescentando mais quatro motivos de Não FB, para tentar terminar bem.
- Não é FB dizer que não “gostas” do FB porque o FB não é FBMVDLLVSPT (#forabolsonaroemouraovoltadilmalulalivrevivaosuseaporratoda…). O FB não é somente um slogan. Mas se não for slogan, significativo e representativo, torna-se incomunicável ao grande público. O debate das transformações estruturais não é pra ato público, pra gritar nas ruas. Mas concordo contigo que deveria vir urgente, em complemento e de forma bem adequada.
- Não é FB o “Mas, Quem Convoca Este Ato?!”. Claro que, desde o começo deste texto, eu me refiro sempre ao contexto antifascista, longe dos oportunismos soturnos de direita. Mas, a Unidade na Diversidade (antifascista, sim!) é, para mim, igualmente fundamental. Importa-me menos o Quem do que os demais advérbios e interrogação: Quando, Como, Onde, Porque…
- Não é FB a luta antifascista que coloca “pra depois” o sentido das grandes lutas que dignificam (agora, já, e não depois!) o conceito de antifascista: antirracista, feminista, em defesa das diversidades homoafetivas LGBTQIA+, da luta indígena, etc. Ou é tudo junto ou não é nada.
- Não é FB o não aceitar qualquer forma de sentir-se FB. Incluindo arrependidinhos, hipócritas, “me sinto enganado” e outras merdas que me fazem desconfiar de quem assim se autodefine. Mas que não me dá o direito de EU, questionar o Como essa pessoa, por mais idiota que me pareça, Se Sente. Sentimento está se tornando, cada vez mais, palavra importantíssima na minha vida (cuidado com as correntes que defendem menos sentimento e mais racionalismo!). Faça o seu protestinho, bem longe de mim, por favor. Mas faça. Assim como o paradoxo da intolerância é não tolerar o intolerante, eu defendo, enfim, o exercício permanente de sentir-me tolerante (com quem não for intolerante, deixando isso bem claro). O antídoto antifascista é praticar o extremo oposto do fascismo. Não desejar para o outro o que eu não quero para mim.
Eu sei que não parece fácil. E não é. Mas querer o impossível é um dos gestos revolucionários mais expressivos.
Viva Cuba. Livre!
Aquele abraço.
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Flávio Carvalho é sociólogo, escritor e participante da FIBRA e do Coletivo Brasil Catalunya.
@1flaviocarvalho @quixotemacunaima.
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