Por Elissandro Santana, para Desacato.info.
Lá estava em minha práxis na Faculdade Nossa Senhora de Lourdes ontem à noite, aos 12 dias do corrente mês e ano, que poderia ser somente mais um dos encontros rotineiros de construção do saber-sabor literário, quando, de repente, pronto para retornar ao meu lar odisseico felino, fui convidado pela Diretora da Instituição – Ana Joaquina – profissional movida à poesia, para uma apresentação teatral do componente curricular de Matemática: conteúdo e método, de Pedagogia III.
Ao chegar ao recinto, todo colorido e festivo, de imediato, encantei-me, em sentido lato sensu, com toda a estética do espaço. Dos adornos da sala, o tapete vermelho dava suntuosidade ao evento e as crianças ao fundo se mostravam curiosas, sorridentes. Um lócus todo enfeitado e vivaz. Teatro improvisado acalentador. Não havia dúvida de que ali a Literatura seria o chamariz, mas não seria somente isso…
Na primeira fileira de cadeiras, nada proposital, sentei-me ao lado da amante poética de Pessoa e da Professora da disciplina – Maiana Santos Araújo Miranda (que a partir de ontem, deixou de ser somente Mai para converter-se, como nos contos de fada, em Poética. Charles Perrault a chamaria assim, não tenho dúvida!).
De repente, Poética se levantou e foi à frente para mencionar que daquele momento em diante a turma se apresentaria. Em seguida, sentou-se, tranquila, silente, compenetrada, engajada, observadora e com os olhos brilhantes como de estrelas em noite sem lua, processando o feito catártico. A literatura a estava invadindo, tomando…
A apresentação começou…
Cinderela entrou radiante para esperar os/as amigos/as de outros contos. Eloquente, recebeu, aprazivelmente, a todos/as os/as amigos/as, do lobo de Chapeuzinho, à Bela e à Fera, dentre outros/as.
O mais instigante é que na tertúlia poética da festinha a Matemática se materializou semântico-semiótico-semiologicamente em cada discurso e presente regalado cenicamente à anfitriã literária. Tudo isso de forma lúdica. Matemática e ludicidade à luz da Literatura fazendo-me recordar de uma das máximas Bartheanas, de que além de comportar muitos saberes, a literatura os faz girar, não fixa e não fetichiza nenhum deles; ela lhes dá um lugar indireto e esse indireto é precioso.
À medida que a festa de Cinderela seguia, rememorei discursivas tecidas em Literatura Infanto-Juvenil, disciplina com a qual brinquei, ensinei e aprendi neste semestre com meus/minhas companheiros/as de aprendizagem em Pedagogia V.
Em cada instante, naquele salão festivo, transcendi literariamente enxergando nas faces de cada discente que ressignificava a contologia e na prática docente da menina poética em forma de professora em Pedagogia III, a querida Mai, vozes de tantos pensadores e pensadoras da Teoria Literária, da Sociologia Literária de Cândido, da Aula de Barthes, dos pensamentos de Propp, das teorizações de Todorov, da Psicanálise dos contos, de outras tantas teorias e hipóteses. Todos eles, sem dúvida, felizes no além-literário com a Literatura, na prática docente, comportando saberes em Matemática por meio do recurso lúdico didático.
No festim de Cinderela e convidados/as, teóricos/as da Literatura e de outros campos se materializaram de tal forma que a interdisciplinaridade se fez presente e em minha inquietude catártica contemplei a teoria saindo da inércia para a práxis.
Em meio a tudo, lembrei-me de um artigo da pesquisadora Maria do Socorro Pinheiro, no qual aprendi que “o desafio de uma educação integradora das potencialidades humanas visa à necessidade de relacionar outras áreas do conhecimento, para que juntas possam atender as exigências de um novo mundo, que se desponta com aparatos tecnológicos sofisticados e evoluídos. Não se pode educar isoladamente. Precisamos de todas as áreas de conhecimento para pensar numa educação que forme uma cidadania planetária. Como educar visando a capacidade humana do entendimento sem desenvolver a sensibilidade poética? Que tipo de educação pode intervir na construção de sujeitos reflexivos e atuantes no processo social e humano? São questões que nos levam a pensar, sobretudo nós educadores, que nos responsabilizamos pela formação de sujeitos”.
Mai e seus peripatéticos trouxeram os interstícios que muitos pensam ser irrealizáveis – o casamento entre a Matemática e a Ludicidade sob a égide e baliza da Literatura. Um triângulo e tanto!
Por fim, com a Poética de Mai e de toda a turminha, meninas e meninos encantados/as e encantadores/as, fui, obrigatoriamente e prazerosamente, levado a Ítalo Calvino para recapitular que a confiança no futuro da literatura consiste em saber que há coisas que só ela, com seus meios específicos, consegue fornecer e, mais importante que isso, que o clássico não morreu, podendo ser revisitado e ressignificar até mesmo debates e discussões em outras áreas que, aparentemente, são tão díspares!
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Elissandro Santana é professor da Faculdade Nossa Senhora de Lourdes e do Evolução Centro Educacional, membro do Grupo de Estudos da Teoria da Dependência – GETD, coordenado pela Professora Doutora Luisa Maria Nunes de Moura e Silva, revisor da Revista Latinoamérica, membro do Conselho Editorial da Revista Letrando, colunista da área socioambiental, latino-americanicista e tradutor do Portal Desacato.
Caríssima professora Maiana, ou educadora poética, a sensibilidade de quem escreve também vem de fatores externos e, no caso em questão, o evento de Pedagogia III foi o chamariz para aflorar a minha tecitura do sensível.
Tessitura do sensível!
Encantador!
Suas palavras me permitem sentir novamente a emoção de ontem, dia da apresentação. É maravilhoso quando o escritor, sensivelmente, promove este encontro entre o leitor e suas emoções! Obrigada, Elissandro! ??????