Ontem à noite (26/01/2023), ao me apresentar no aeroporto de Luanda para tomar a conexão de voo que me traria de volta ao Brasil, um outro passageiro em semelhante situação bradou a todo pulmão: “É triste voltar para uma terra que elegeu um ladrão para a presidência”.
Sem conseguir controlar meus impulsos, retruquei em voz ainda mais alta: “Mas, é muito bom regressar a um país que soube derrotar um miliciano nazista e genocida que está a serviço do diabo”.
Como já é tradição entre os adeptos do nazismo bolsonarista quando são abertamente enfrentados, o cidadão anteriormente mencionado não deu mais um pio e fez de conta que não tinha nada a ver com aquele papo.
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Este relato em tom de desabafo de um pequeno entrevero de diminuta relevância prática tem o propósito de ilustrar de maneira inteligível que tipos de pessoas persistem em manter seu apoio à ideologia política mais perversa e diabólica de que se tem notícia no transcurso da história de nosso país.
É que, como o exemplo citado deixa evidente, não estamos fazendo referência a gente de parcas posses, com poucas possibilidades para se informar devidamente e em condições de ser facilmente manipulada. Ao contrário, estávamos diante de alguém dotado de todos os recursos para estar muito bem à par da realidade vivenciada pelo povo brasileiro e saber da magnanimidade de sua recente vitória contra as forças do nazismo bolsonarista. Mas, também não se trata de um típico representante daqueles que essa corrente política atende de modo prioritário.
Estamos falando de um viajante internacional que, quase com certeza, faz parte de nossa classe média. Esta dedução se depreende de sua capacidade de adquirir uma passagem aérea internacional para viajar à Europa e pelo fato de fazê-lo (assim como eu também fiz) por uma rota alternativa que, embora seja muito mais longa e cansativa, tem um custo monetário muitíssimo mais baixo do que as viagens diretas. Em outras palavras, se fosse pobre, não viajaria à Europa a passeio; se fosse rico, ou seja de classe alta, não viajaria em classe econômica por essa rota não de todo cômoda.
Quando um banqueiro, um grande empresário do agronegócio, ou um grande acionista do mercado financeiro externa sua concordância com a visão política e com a forma de governar do bolsonarismo, não há muito a estranhar. Ele está simplesmente agindo em conformidade com seus reais interesses de classe, visto que o bolsonarismo se caracteriza pela defesa dos valores que são caros aos grandes capitalistas, em outras palavras, para aqueles que vivem em função da exploração do trabalho das maiorias populares.
Então, o que poderia levar um sujeito de classe média, que não parece ter absolutamente nada de concreto a ganhar com as propostas políticas do bolsonarismo, a se identificar com essa corrente política de extrema direita, que é a versão brasileira do nazismo hitlerista?
Não é tão difícil entender por que um pobre que vive em extrema carência acabe dando seu voto a certos políticos que, em última instância, vêm a ser os principais responsáveis por sua condição de penúria. Não há nenhuma dúvida de que a pobreza absoluta nunca serve como fator estimulante do nível de consciência social. Na verdade, ocorre todo o oposto: quanto mais acentuado for o estado de degradação social de um ser humano, mais factível ele estará de ser vítima da manipulação e de ser induzido a tomar posicionamentos que colidam contra seus próprios interesses.
Não foi à toa que se deu a decisão do governo bolsonarista de ao uso intenso de verbas do programa Auxílio Brasil para comprar na caradura o voto de boa parcela de nossa população mais carente. Inegavelmente, o bolsonarismo alcançou um êxito significativo neste aspecto. De não ser por isso, sua derrota eleitoral teria sido por uma margem percentual muito mais expressiva.
No entanto, se para atrair uma parcela das camadas mais empobrecidas pode-se lançar mão da compra direta, com o oferecimento de pequenos benefícios momentâneos, o apoio de setores da classe média requer métodos bem mais sofisticados, que atuam muito mais no nível intelectual do que no campo dos ganhos materiais. Se fizessem uma análise nua e crua de seus ganhos e perdas materiais concretas em regimes políticos de extrema direita, concluiriam que a classe média em seu conjunto não tem quase nada a se beneficiar nos mesmos. Os principais, e quase únicos, grupos privilegiados das políticas de governos como o do nazismo bolsonarista brasileiro são os expoentes do grande capital.
Portanto, uma das primeiras preocupações dos teóricos a serviço do grande capital em sua relação com as camadas médias é desviar o foco de sua atenção de questões que tratam das causas reais relacionadas com a disputa pelas riquezas produzidas na sociedade. Ao invés disso, buscam atiçar ao máximo os preconceitos antipopulares existentes no seio de nossa classe média e usá-los para fomentar um ódio delirante contra os mais necessitados, de modo a que estes sejam vistos e sentidos como os reais causantes de todos os problemas que afligem essa população intermediária.
Assim, por exemplo, em lugar de lutar para que o governo amplie sua atuação na medicina pública e prepare um orçamento mais robusto e significativo para esta área, o que permitiria a satisfação das necessidades das maiorias populares e ofereceria maiores possibilidades de trabalho para seus profissionais, muitos médicos são induzidos a defender a ampliação da presença da medicina privada como se fosse um produto como outros quaisquer no mercado. Fenômeno muito semelhante ocorre em relação à educação pública. Portanto, não é raro que encontremos professores fazendo a defesa aberta da privatização do ensino escolar.
De igual maneira, poderíamos citar o caso de pessoas que se dizem cristãs, mas que, efetivamente, se comportam como ferrenhos inimigos de tudo o que a imagem de Jesus representa e simboliza. Ninguém que se considere seguidor de Jesus e esteja dotado de uma capacidade normal de raciocínio se alinharia com as nefastas pregações daqueles mercadores da fé que se dedicam a uma indecorosa manipulação religiosa no intuito de transformar o cristianismo numa ferramenta muito mais afinada com a construção da obra do diabo, e não de Jesus.
Considerando que Jesus viveu e morreu lutando para edificar um mundo de justiça, de solidariedade, de igualdade, de amor e paz, como aceitar que seu legado seja tergiversado e posto a serviço de verdadeiros bandidos que se dedicam a acumular fortunas para si próprios, que se esmeram por manter um estado de opressão em que imperam o egoísmo, a ganância, o armamentismo, o ódio e a guerra? A bem da verdade, podemos assegurar que aqueles que assim agem deveriam ser chamados de PASTORES DO DIABO, nunca como seguidores de Jesus.
É preciso questionar àqueles que se dedicam a empregar certas palavras com o objetivo de dar seguimento a seu autoengano. Como sabemos, não é fácil para o ser humano aceitar serenamente concepções que, em seu íntimo, ele considera erradas e indignas. Por isso, muitos tratam de aplacar sua crise de consciência com um esforço de iludir sua própria mente para que esta lhe dê uma ressignificação benigna de certas maldades praticadas ou visadas.
Talvez seja isto o que impulsa os “cristãos” bolsonaristas a justificar o genocídio contra o povo yanomami com a argumentação de que se trata de uma defesa de nosso país, uma vez que esse povo indígena não seria essencialmente parte de nossa nação, por viver e circular pelos territórios da Venezuela e do Brasil. Desse modo, a matança e o extermínio que o bolsonarismo promoveu junto aos yanomamis estariam amparados na defesa de nossa brasilidade. É certo, Hitler e o nazismo alemão expressavam justificativas semelhantes para seus genocídios.
Por outro lado, os bolsonaristas (mas, também os liberais burgueses) não se sentem bem com a utilização da expressão “golpe de Estado” quando se referem à deposição dos governos constitucionais de 1964 e de 2016. Para aliviar o peso de sua consciência, se aferram aos termos “Revolução de 31 de março de 1964″ e “impeachment de Dilma Rousseff”. Porém, para nosso povo, a suavização das palavras não elimina as dores e o sofrimento causados por esses golpes de Estado reais que as classes dominantes encabeçaram.
A quebra do sigilo de 100 anos que o governo bolsonarista tinha decretado sobre as contas do cartão corporativo presidencial possibilitou que as provas das falcatruas e da roubalheira feita com o dinheiro público viessem à tona. E não estamos falando de valores apenas equivalentes ao preço do badalado triplex do Guarujá (aquele que diziam ser de Lula, e pelo qual ele passou 580 dias preso em Curitiba). No caso do cartão corporativo do líder do nazismo bolsonarista, os valores dos gastos injustificados ultrapassam em muito a uma vintena do citado triplex. Mas, este é um assunto que os bolsonaristas não desejam que permaneça em pauta.
Para se livrar dessa situação indesejável, a máquina de desinformação do nazismo bolsonarista voltou a funcionar a todo vapor. O ponto que está sendo ressaltado agora é a impropriedade de Lula se colocar como representante popular, visto que ele vinha ocupando instalações de um hotel com diárias em torno de 7000 reais. Os bolsonaristas indagam: Como pode alguém falar pelos pobres enquanto gasta tanto dinheiro com sua hospedagem?
O que o nazismo bolsonarista não procura esclarecer quando tenta encontrar formas de aliviar suas dores de consciência é que foi a proibição do anterior governo nazista bolsonarista o que impediu Lula de ter acesso às dependências da residência oficial da Granja do Torto na fase de transição, o que o obrigou a apelar para o aluguel das dependências de um hotel de grande estrutura. Ou será que Lula deveria ter usado a sala de sua própria casa, ou a de Janja, para receber todas as visitas que lhe estavam sendo feitas por emissários e estadistas estrangeiros, assim como para organizar as reuniões constitutivas de seu novo governo?
Em resumo, são essas as razões que me permitem entender a motivação daquele meu colega de voo mencionado no primeiro parágrafo. Elas também servem para sustentar as explicações que justificam o modo de agir daqueles apoiadores do nazismo bolsonarista que não fazem parte das cúpulas dominantes do rentismo ou da exploração do agronegócio. São em sua maioria integrantes de nossas camadas médias, que foram levadas ao nazismo bolsonarista em função do atiçamento de seus preconceitos latentes contra os setores mais carentes de nossa sociedade.
O grande mérito dos ideólogos do nazismo bolsonarista, em especial daqueles conhecidos como os PASTORES DO DIABO, é saber inculcar em certos grupos de camada média um sentimento de ódio e ira tão enceguecedor que os impulsa a cometer todo tipo de atrocidades contra os grupos assinalados como seus inimigos mortais e como o alvo prioritário de sua fúria. No caso do nazismo bolsonarista em nosso país, as vítimas principais são as massas trabalhadoras sindicalizadas e os partidos políticos associados com a defesa de seus interesses.
Jair de Souza é economista formado pela UFRJ; mestre em linguística também pela UFRJ.
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