O que esperar das eleições municipais de 2020, diante de um governo federal forjado na antipolítica. Por Roberto Liebgott.

Imagem Ilustrativa, de vleyva por Pixabay. A antipolítica mundial só faz sofrer o povo.

Por Roberto Antônio Liebgott, para Desacato. info.

As eleições municipais apontam três cenários possíveis no país. O primeiro vincula-se a uma esperança de que as candidaturas mais progressistas tenham boa aceitação e vençam eleições nas principais capitais e grandes cidades. Com isso, se poderia repensar e reestruturar programas visando mudanças na economia, nas ações e serviços públicos, na retomada dos direitos sociais, trabalhistas, educacionais e culturais.

O segundo cenário é o da consolidação de estruturas administrativas e de gestão pública focadas no compadrio, no loteamento de cargos e fortalecimento de partidos que, em essência, estão apenas interessados na promoção de conchavos para beneficiar setores que exploram os recursos ambientais, a mão de obra dos trabalhadores e as isenções fiscais.

O terceiro cenário soma-se ao segundo e, pelo que se percebe na conjuntura, prevalecerá com o referendo das urnas, numa espécie de reprodução ideológica da antipolítica desenvolvida em âmbito nacional. Nota-se, pela campanha em curso, que as candidaturas tradicionais da política – aquelas que atuam em defesa dos mais ricos – têm, por uma série de razões, a preferência dos eleitores, somando-se com aquelas vinculadas a milícias, ao fundamentalismo religioso e aos agentes das polícias.

As eleições municipais estão associadas a um contexto social adverso à política partidária, gerado pelo descrédito que vem se acumulando ao longo dos anos. Percebe-se que não há disposição da população no sentido de acompanhar os debates, refletir e discutir as propostas apresentadas pelos candidatos. E isso provavelmente poderá gerar uma grande abstenção ao voto. O mesmo desinteresse e falta de entusiasmo com a política sente-se em relação à pandemia da covid-19, ou seja, as pessoas, em geral, vivem em bolhas onde se respira o negacionismo, as mentiras, a violência, a miséria e a falta de perspectivas.

Obviamente essa aversão às eleições abre flanco para a política tradicional “do toma lá dá cá” e daquelas relacionadas aos criminosos – milicianos e traficantes – e aos fundamentalistas – empresários da fé, seus pastores e guardiões – que controlam populações inteiras de bairros, comunidades e as tratam como escravas.

O contexto das eleições municipais tende a referendar, de modo mais enfático, o governo federal, que se estruturou sobre duas premissas: a primeira tem por base a implementação de medidas econômicas ultraneoliberais, onde se privilegia o sistema financeiro especulativo, as privatizações e as reformas que esmagam os direitos sociais, trabalhistas, a segurança pública. E a segunda premissa, refere-se à constituição de um estado sitiado pelo crime que, por ação ou omissão dos governantes, faz vistas grossas a grupos que subvertem a ordem democrática, promove o favorecimento das milícias, o desmatamento desenfreado, as queimadas, a grilagem de terras.

Neste ambiente, os direitos indígenas, dos quilombolas e todo o meio ambiente são desconstitucionalizados, em benefício dos grupos econômicos que se articulam para obter lucratividade por dentro do estado e das instituições públicas, que avalizam as ações criminosas de milicianos, madeireiros, fazendeiros, grileiros e garimpeiros.

O projeto de poder, seja das novas ou velhas elites, estrutura-se, no atual contexto, a partir da antipolítica gestada na economia, nos serviços públicos, na segurança e nas políticas de saúde, educação e cultura. Há, paralelo a essas medidas, um investimento de governo no sentido de promover a fragilização dos órgãos de controle e da fiscalização ambiental, bem como para estimular o armamento em massa, abrir caminhos para a atuação das milícias e das igrejas fundamentalista entre os mais pobres.

Ao que parece, o argumento tantas vezes referido de que o país é governado pela extrema direita tem servido, na verdade, como uma espécie de subterfúgio ideológico para as ações e omissões de autoridades e instituições públicas diante dos crimes nas florestas, no campo e nas cidades.

Essa estrutura de poder traz, dentre outros males duradouros, a destruição do habitat social e do convívio, a devastação do meio ambiente, a destruição dos direitos individuais e coletivos, a desativação da seguridade social, o esvaziamento da legislação trabalhista e a promoção sistemática de um clima de inseguranças jurídica, física, política e institucional.

Em síntese, as eleições não farão a transformação social, embora haja no contexto latino americano sinais de rupturas com as práticas de governos neoliberais e autoritários. Por hora, o que se espera, no Brasil, é que as eleições nos façam refletir sobre o país e sociedade que se pretende para o futuro. Os movimentos sociais, populares, ambientalistas, dos povos originários e comunidades tradicionais terão de manter suas articulações e mobilizações, com o objetivo de construir, por fora do estado e da política corrompida, projetos de transformação social tendo como referência a valorização e reconhecimento das diferenças étnicas, culturais, de gênero, respeito ao meio ambiente, do combate ao racismo e a toda a intolerância, a uma justiça integral e pelo Bem Viver.

As saídas e alternativas, pelo que se percebe historicamente, não vem dos sistemas políticos, mas das lutas organizadas dos povos.

Porto Alegre, RS, 03 de novembro de 2020.

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Roberto Antônio Liebgott é Missionário do Conselho Indigenista Missionário/CIMI. Formado em Filosofia e Direito.

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