Por Viegas Fernandes da Costa, para Desacato.info
O assassinato dos supostos terroristas nas ações da tarde desta sexta, na França, é desastrosa sob todos os aspectos. Primeiro, porque implicou em vítimas. Segundo, porque não é possível interrogar cadáveres. Assim, provavelmente nunca saberemos, de fato, o que motivou a ação na redação do jornal Charlie Hebdo. Rapidamente julgamos tratar-se de uma represália às charges profanas contra o Islã. É possível que tenha sido, mas temos provas disto? Podemos ter certeza? Aos que responderam “sim”, sugiro assistir ao filme “Doze homens e uma sentença”, de 1957, dirigido por Sidney Lumet.
A maior beneficiada nesta história toda é a dita “extrema direita” europeia, que defende a exclusão dos imigrantes, principalmente quando latinos, africanos ou oriundos de países majoritariamente islâmicos. É o discurso da xenofobia e do eurocentrismo que cria musculatura neste contexto. Neste sentido, vale muito a leitura do artigo de Leonardo Boff intitulado “Para se entender o terrorismo contra o Charlie Hebdo de Paris”. Porque hoje muito se fala do terrorismo islâmico, mas poucos parecem querer enxergar o terrorismo de Estado há muito perpetrado pelo Ocidente na Ásia e na África, em nome do petróleo, dos gasodutos e dos mercados.
Também importante considerar o momento de crise econômica crônica em que vive a Europa. Já vimos esta história. O inimigo é sempre o outro. A ameaça sempre vem de fora. Aprendemos isto desde criança, nas histórias em quadrinhos de super-heróis. Os alienígenas que tentam destruir nosso paraíso, sempre tão ordeiro, sempre tão civilizado. Somos incapazes, entretanto, de perceber que o inimigo fomos primeiro nós mesmos.
Hoje vemos o governo francês e outros governos ocidentais, elevar o terrorismo à enésima potência. Um povo amedrontado é um povo submisso, que abre mão, inclusive, do próprio direito à liberdade, que tanto teme perder (os estadunidenses do pós 11 de setembro que o digam). O uso político do medo é antigo, e o escritor moçambicano Mia Couto, na Conferência de Estoril de 2011, tratou de alertar-nos a respeito dele em um brilhante discurso, no qual parafraseou o uruguaio Eduardo Galeano para dizer: “e há quem tenha medo que o medo acabe”. Para governos em dificuldade, nada melhor do que uma população amedrontada.
A polícia francesa matou os terroristas após uma autorização direta do presidente François Hollande. Algo que lembra o poder de soberania que delegava aos reis absolutistas o direito de deixar viver ou fazer morrer, conforme ensinou Michel Foucault. De algum modo, Hollande decretou a morte dos terroristas e enterrou a possibilidade de se compreender melhor todo este cenário.
O risco, agora, é não transformar os atentados contra a Charlie Hebdo no Arquiduque Francisco Ferdinando do século XXI. Não se trata de um choque de civilizações, como se propaga por aí. Trata-se tão somente da necessidade de se impor uma nova modalidade de imperialismo, que uma parte do Oriente rejeita.
Quanto aos cartunistas mortos, não há dúvida, o episódio é terrível, injustificável. Porém, não é o caso de elevá-los à condição de heróis. O atentado contra a Charlie Hebdo pouco tem a ver com liberdade de expressão, ou com democracia. Tratá-lo exclusivamente sob este prisma (os “loucos do islã” X os “paladinos da liberdade de expressão”) é esvaziá-lo da possibilidade de uma compreensão mais profunda. Tratá-lo desta forma, é alimentar o medo e o ódio à alteridade.
* Viegas Fernandes da Costa é Historiador, professor do Instituto Federal de Santa Catarina.
Imagem tomada de: www.rtve.es
O congraçamento de autoridades de vários Estados foi perfeito para a encenação da farsa e do medo e terror. Até porque alguns dos maiores criminosos e terroristas Estados estavam nesse cortejo fúnebre e funesto. Uma das figuras destoavam dos demais, a da Autoridade Palestina Mahmoud Abbas não tinha motivos de estar presente num ato que participava o maior inimigo do Povo Palestino. Podia prestar a mesma solidariedade que a França emprestou ao Povo Palestino em casa.