O filme “Lumumba, a morte de um Profeta” de Raoul Peck descreve os acontecimentos em torno da ascensão, declínio e assassinato do Primeiro Ministro democraticamente eleito no Congo.
Com o intuito nem de criar uma imagem idealista e heróica de Lumumba e nem de o crucificar, ou de crucificar as pessoas que permitiram que o seu assassinato acontecesse, o realizador haitiano Raoul Peck criou um filme histórico e comovente sobre a pessoa que foi Lumumba.
Patrice Lumumba lutou por um Congo unido. Para ele, não havia liberdade com divisões tribais ou territoriais e essa era uma das grandes discussões para os partidos da altura.
No filme, Peck consegue contextualizar todos os acontecimentos desde a luta de libertação travada pelo Congo, as figuras políticas que o protagonizaram e os resultados conseguidos.
Com apenas 12 semanas no poder, Lumumba foi assassinado.
O filme começa com dois homens brancos a carregar cadáveres, a beberem algum licor barato pelo gargalo e posteriormente a equartejarem os corpos sem vida.
Já mais para o fim, vemos esses corpos a arderem. Os restos mortais de Patrice Lumumba até hoje não foram encontrados.
Patrice Lumumba foi um dos fundadores do Movimento Nacional Congolês, o primeiro partido político nativo do Congo em 1958. E desde esse primeiro momento, aliou-se a vários líderes Pan-Africanistas, o que moldou muito a sua visão e ideais nacionalistas.
Por essa altura, outros partidos com ideais variados surgiram no Congo, no entanto nenhum líder era tão carismático, perspicaz e radical como Lumumba.
Na defesa da independência do Congo, ele foi preso e torturado, libertado apenas para participar da conferência em Bruxelas onde se preparou a transição política do Congo. E assim foi, as eleições foram em maio de 1960, em que o partido de Lumumba saiu como grande vencedor, no entanto não conseguiu formar uma coalizão no Parlamento.
O seu rival, Joseph Kasavubu, ficou então como Presidente e convidou-lhe a ficar como Primeiro-Ministro.
Os dois são completamente diferentes: enquanto Kasavubu é calmo, e tenta manter a relação com a Bélgica pacífica e cordial, Lumumba é impulsivo, orgulhoso e revolucionário.
Uma das cenas em que estas diferenças melhor se manifestam é durante a tomada de posse, em que a Bélgica entrega o poder aos Congoleses, com um discurso condescendente e paternalista, mesmo depois de todas as atrocidades cometidas.
Kasavubu, como Presidente, agradece a bondade e liderança da Bélgica durante os anos de ocupação, e promete não decepcionar enquanto Lumumba, logo a seguir, movido pela raiva e dor do povo congolês, relembra a Bélgica de todo o sangue derramado pela independência e reafirma-se como um líder.
Com um território de cerca de 2 345 000 km2 e mais de 80 milhões pessoas, o Congo é um país com diversos grupos étnicos distintos. Esta diversidade sempre foi usada pela Bélgica para separar o povo congolês.
De tal forma que, após independência os principais rivais de Patrice Lumumba e os respectivos partidos criaram várias manifestações e distúrbios para defenderem a libertação de vários territórios tidos como de uma única etnia.
Após a independência o Congo entra em crise.
Moise Tshombe, da etnia Lunda, liderou um movimento separatista com o apoio da Bélgica, chegando a declarar a independência da província de Katanga a 11 de Julho de 1960. Esta província é rica em cobre, urânio e diamantes, entre outros recursos.
Peck mostra-nos como esta crise afecta Lumumba. Ele fica cada vez mais ansioso, dorme pouco, mexe-se muito. Sem apoio dos E.U.A. nem das Nações Unidas, ele recorre à União Soviética para controlar a crise, sem o consentimento do Presidente Kasavubu nem de Joseph Mobutu, Secretário de Estado.
Lumumba fica isolado.
Raoul Peck consegue contar todos estes factos históricos de uma forma envolvente e emotiva.
Fica claro que não foi apenas a promiscuidade entre o poder militar e a Bélgica e outras potências ocidentais mas também a própria indisciplina do Exército e o contexto da Guerra Fria, combinados com o temperamento de Patrice Lumumba e sua ingenuidade que culminaram no seu afastamento.
O filme não é apenas sobre o caos e sobre a guerra, é também sobre as forças maiores que qualquer homem e qualquer ideal que ele possa defender: é sobre um pai que não consegue estar lá quando o seu filho ainda bebé morre, sobre um esposo que não está presente quando a mulher precisa.
Patrice Lumumba teve a coragem de se posicionar contra a condescendência ocidental. Ele ousou defender a causa africana, mesmo sobre o risco de morrer – e morreu. A sua vida foi o seu maior sacrifício.
Morreu herói sim, mas a sua ausência causou prejuízos inestimáveis ao Congo que se fazem sentir até hoje.
Fonte: EscreveEliana.